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De plebeia a “Rainha do papel de bala
Por Priscila Murr | Fotos Wagner Roger A artista popular Efigênia Rolim é conhecida por utilizar papel de bala como elemento principal de suas obras, criando os mais diversos artefatos
que é a vida senão uma grande experimentação? Ainda no século XVIII, o químico francês, Antoine-Laurent de Lavoisier, anunciava: nada se cria ou se perde, mas tudo se transforma. A (r)evolução humana parte desse princípio. Diariamente, deparamo-nos com ‘n’ situações às quais empregar essa máxima. Em um mundo globalizado, e diante do frenesi do dia a dia, a simplicidade, o essencial se torna tão “invisível aos olhos”, que acaba nem sendo percebido. Mas, como toda mãe, em algum momento da vida alerta ao filho: ninguém é igual a todo mundo. E é nisto que consiste a singularidade do homem, cada um é cada um, com suas particularidades infindáveis. Singular, a mineira Efigênia Rolim cria, recria, transforma. O
Utilizando aquilo que aparentemente seria destinado à lata de lixo, seu trabalho dá vida nova a papéis de bala, garrafas de plástico, sacolas, retalhos de tecido e couro, fitas, pedaços de borracha, caixas de leite e de pizza, sementes, tudo o que for reciclável... A criatividade guia o processo produtivo e a existência material é ressignificada. Bem de pertinho, a gente consegue perceber a mágica: o abracadabra mescla realidade e imaginação. É um mundo inteiro novo na frente dos olhos. A capacidade de produzir, a partir de elementos desprezados por muitos, suscita reflexões fundamentais à atuação humana preocupada com a justiça e o cuidado com a nossa casa comum.
O ano era 1931 e, no dia 21 de setembro, Efigênia Ramos Rolim vinha ao mundo, nascida na Zona da Mata, no município de Abre Campo, em Minas Gerais. Na década de 1960, migrou para o Paraná, onde trabalhou no campo. Tempos depois, em 1971, chegou a Curitiba. Enfrentou dificuldades comuns a qualquer migrante. Viveu em condições escassas em meio à pobreza. Mas, diferente do príncipe que vira sapo, a plebeia triunfou, passando à "Rainha do Papel de Bala".
Artista por vocação, tem habilidades ímpares. Seus trabalhos têm um quê de paixão. Não há empecilhos no caminho, sua matéria-prima é fabricada a partir do amor pela vida! Reconhecendo seus rumos desde muito jovem, atua também como contadora de histórias, é narradora onisciente de sua própria jornada. E foi o bri
lho ofuscante de um papel de bala que hipnotizou Efigênia. A luz da alma refletida naquele pedacinho plástico, pela refração perfeita das ondas luminosas, num dia ensolarado qualquer de 1991: “big bang”, um universo todo novo se criou. Atordoada, pensou ser uma joia perdida ao chão. Se fosse, “ia usar e pronto, a história ia acabar”. Por obra do destino tão sabido: era um papel de bala. Então, a história continuou.
Transbordando amor, nada abala sua forma otimista de ser. Suas rimas são parte de um cântico intermitente de gratidão pela vida. Vida essa da qual não tem medo. Aliás, fragilidade de princesa de conto de fadas nada tem a ver com a vitalidade dessa protagonista. Criadora da atmosfera perfeita, transforma tudo em poesia, sem nem precisar de varinha de condão! Nada escapa aos olhos de Efigênia, suas produções remetem ao dia a dia, à rotina e à simplicidade, à doçura do mundo, enfim. E é assim, pelo desafio da transposição dos limites da imaginação humana que ela cria objetos de todos os tipos e, de forma absolutamente original, imprime um novo significado ao corriqueiro, por meio de materiais que seriam destinados à lata de lixo, por serem vistos como descartáveis, considerados feios.
A ludicidade com a qual trabalha é a mesma empregada em sua vida. Entre risos, sorrisos e cambalhotas, Efigênia reúne os restos da realidade, amarra aqui, cola ali, e tchanam… o mundo é outro, novinho em folha, ou melhor, em papel de bala! Cantarolando sua alegria constante, a artista, que também é escultora, performer, estilista e artesã, ensina que a vida é bela, sim – mas só se a enxergamos dessa maneira. É por isso que, além de produzir, Efigênia faz questão de estar pertinho de cada uma de suas obras para explicá-la com um verso, uma música, uma dança…
Da epifania com um papel de bala, o prenúncio. Ela imediatamente percebeu o sinal. E não apenas por ser criativa, ou porque que gostasse de trabalhos manuais e tivesse certa inclinação à arte. Mas, de tão simbólico aquele papelzinho de bala vazio… a representação mais que pura de algo “sem recheio”, tomado pelo vazio: quase que um ser humano sem alma. Então, ela precisava devolver vidas! Por isso, cada criação
``Pensou ser uma joia perdida no chão. Se fosse, “ia usar e pronto.” mas era um papel de bala. Então, a história continuou.``
é repleta de um universo mágico colorido, envolta numa historicidade imaginária inenarrável por progressão textual. O valor da vida impregnado, num repertório místico, denotando a mescla entre sonho e realidade. E a própria vida se materializou como razão de viver.
Cada criatura é livre para ser o que couber. Com seu olhar fantástico, a artista transforma lixo em esculturas de bonecos, palhaços, animais e objetos variados, todos idealizados por ela. Não à toa, é portadora do título de “Cidadã Honorária da Cidade de Curitiba” e já recebeu a mais alta honraria concedida pelo Ministério da Cultura aos brasileiros: a Ordem do Mérito Cultural (2008). É dona do Prêmio de Culturas Populares (2007) e também foi premiada no “Top View 2018 - Personalidade das Artes”. Além disso, tem sua trajetória narrada no livro “A Viagem de Efigênia Rolim nas Asas do Peixe Voador”, de Dinah Ribas Pinheiro.
Digna de produção cinematográfica, já foi tema de dois documentários. O primeiro, intitulado “Rainha do Papel” (1999), dos paranaenses Estevan Silveira e Tiomkim; e o segundo, “O Filme da Rainha” (2006), do argentino Sérgio Mercurio. Como atriz, participou dos curtas-metragens “O Traste” e “Logo será Noite” (ambos de 2001).
Para além desse universo, é autora de oito livros de poesia e, desde a década de 1990, transita por diversos espaços do cenário artístico e cultural da capital paranaense, tais como a Feira do Poeta, a Ferinha do Largo da Ordem e ateliês coletivos, como a Galeria de Arte Reciclada “As três rainhas”, a “Sala do Artista Popular”, da Secretaria de Estado da Cultura, e o Museu Oscar Niemeyer (MON), onde possui acervo fixo atualmente.
E ela nunca para! Com quase um século de vida, sua arte é muito mais do que retalhos, mas a garantia da valorização dos processos da cadeia produtiva humana. Remete à consciência ambiental, ao cuidado para com o lar onde se habita. A legitimidade da artista se destaca pela seriedade com a qual encara a arte, mas, ao mesmo tempo, pela forma como brinca com ela, faz de Efigênia um ícone a ser lembrado. De tanto amor pela vida de simplicidade e doação ao próximo, ela mesma se materializa obra de arte.
Fazendo arte a partir de materiais recicláveis, Efigênia Rolim provoca a criatividade dos estudantes, demonstrando novas possibilidades estéticas. Sua participação no Colégio Medianeira, no ano de 2013, resultou numa verdadeira aula acerca da importância da reciclagem para a conservação do mundo em que vivemos. Apoiada na ideia da sustentabilidade, a autora anuncia um caminho possível à conservação do meio-ambiente. E sua obra fala por si só: é um legado de consciência e dedicação.
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Priscila Murr é Jornalista, graduada em Comunicação Social - Jornalismo pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR), e mestra em Estéticas Contemporâneas, Modernidade e Tecnologia – com bolsa Capes/Fundação Araucária – pelo programa de PósGraduação em Estudos de Linguagens (PPGEL) da Universidade Tecnológica Federal do Paraná (UTFPR). Atualmente, é jornalista no Colégio Medianeira.
Indicações
A obra conta a história da artista popular Efigênia Rolim. Transformando em arte tudo o que a sociedade de consumo descarta, a Rainha do Papel de Bala é biografada, transformando-se em símbolo de defensa do planeta.
O que é arte? | Leon Tostói
Para Tolstói, a boa arte deve comunicar bons sentimentos ao invés de mostrar o que é belo, pois ambos são contraditórios e não podem conviver em harmonia. O bem é eterno e a beleza é temporária.