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ENCONTRO—MEETING Júlio Machado Vaz

Capela de São Pedro de Balsemão

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perante um templo religioso de uma riqueza histórica incomparável e de beleza rara, seja pela impressionante capela ou pelo enquadramento paisagístico. Os achados que reclamam a herança de diferentes épocas sustentam argumentos e engrandecem a sua história, incluindo a existência de uma villa romana no local do templo ou nas suas proximidades. Dada como certa é, porém, a profunda transformação da igreja nas centúrias seguintes. No século XIV, o bispo do Porto, Dom Afonso Pires, escolheu-a para a sua capela funerária, encontrando-se o seu sarcófago a meio da nave central e, em 1643, Luís Pinto de Sousa Coutinho, integrou-a no seu solar, tendo sido resSabia que...?

A descoberta de uma lápide datada de 558 e a abside única retangular fundamentam a origem visigótica, ao passo que o aparecimento, num silhar, do símbolo dos condes de Portucale, dá força à tese de uma edificação mais tardia, por volta do início da Reconquista.—

ponsável pela grande reforma que confere ao monumento o seu aspeto atual: um edifício seiscentista que aproveitou alguns elementos altimedievais. A Capela de São Pedro de Balsemão integra o projeto Vale do Varosa desde 2014 e visitá-la é percorrer as culturas milenares que cruzaram a história de Portugal. • sure of the Monastery of Santa Maria of Salzedas. With a quadrangular plan with three floors, the tower had military devices on all the four sides at the time. Since the toll was extinguished, in 1504, the monument lost part of its initial function and, although the deck of bridge continued to be the privileged means of passageway in the region, the tower fell into decay until the intervention, which has restored the complex in the 1930s, in the 20th century. The ascent to the tower is a unique moment of contemplation of the idyllic banks of the Varosa river, where the old houses of the village of Ucanha cluster – Casario, which in archaic Portuguese designates a small stone house.

Chapel of São Pedro of Balsemão Perfectly integrated into the small plain on the banks of the river Balsemão, a tributary of the Varosa river, the Chapel of São Pedro of Balsemão does not enjoy the same harmony in terms of its origins. In the last hundred years, historiography is divided into two antagonistic chronological versions: the Visigoth period (6th and 7th centuries) and the expansion of the kingdom of Asturias (9th and 10th centuries). Although its construction took place at an undetermined time in the early Middle Age, one thing is undeniable: we are before a religious temple of incomparable historical richness and of rare beauty, whether due to its impressive chapel or to its landscape setting. The findings, claiming heritage from different eras, support arguments and enhance its history, including the existence of a Roman villa on or near the temple site. Nevertheless, the profound transformation of the church in the following centuries is taken for granted. In the 14th century, the bishop of Oporto, Dom Afonso Pires, has chosen it for his funerary chapel and his sarcophagus can be found in the middle of the central nave. in 1643, Luís Pinto de Sousa Coutinho, integrated it into his manor house, having been responsible for the major renovation, which provides the monument its current appearance: a 17th-century building, which took advantage of some early medieval elements. The Chapel of São Pedro of Balsemão has been part of the Vale do Varosa project since 2014 and visiting it is like going through the ancient cultures, which crossed the history of Portugal. •

Did you know...?

The discovery of a tombstone, dating from 558 and the unique rectangular apse support the Visigoth origin. Whilst the appearance, on an ashlar, of the symbol of the Counts of Portucale, gives strength to the thesis of a later construction, around the beginning of the Reconquest. —

JÚLIO “QUANDO VAGUEIO PELO PORTO AS MEMÓRIAS FAZEM FILA E ESPERAM A SUA VEZ ORDEIRAMENTE” “WHEN I WANDER THROUGH PORTO THE MEMORIES QUEUE UP AND WAIT THEIR TURN ORDERLY” MACHADO VAZ

As oportunidades de mudança e reflexão que as crises nos sugerem, o “vício” da rádio, o seu Porto e o (e)terno refúgio em Cantelães. De tudo isto nos fala o médico psiquiatra Júlio Machado Vaz, com a simplicidade e a emoção que lhe são tão familiares.

De que forma podemos “educar” a nossa atitude para viver e olhar o futuro com mais otimismo perante os atuais desafios que enfrentamos? As crises, embora indesejadas, são oportunidades de mudanças, visando a adequação a novas realidades. Mas a História não é de molde a alimentarmos grandes optimismos, infelizmente os seres humanos têm memória curta e intenções frágeis, o que os leva a regressar a modos de funcionamento anteriores às situações-limite.

É este o momento de redefinirmos as nossas prioridades? Escrevi um dia que, às vezes, morrer é não parar. Não retiro uma letra à frase, somos escravos – muitos sem necessidade... – de um ritmo de vida frenético, que não deixa espaço psicológico à reflexão necessária à ação meditada, limitamo-nos a reagir à multiplicidade de estímulos que sobre nós se abatem. Se, para alguns, os períodos de confinamento foram oportunidades para consultarem espelhos interiores e arrepiarem caminho, é forçoso admitir que a maioria de nós voltou ao business as usual.

E como é que a tecnologia nos poderá conectar ou reconectar? A tecnologia foi preciosa para mantermos ou construirmos redes de suporte social sem as quais as experiências de isolamento teriam sido bem mais penosas. Durante a pandemia, por exemplo, verificámos alterações na organização do trabalho que lhe sobreviverão. A outra face da moeda é mais sombria – também assistimos ao reforço de dependências que tornam o virtual mais real... do que a realidade! Importa salientar que esse movimento já se verificava antes da pandemia, qualquer sala de espera, restaurante ou recreio de escola secundária o provavam sem margem para dúvidas.

Esta necessidade de mudança é igual em todas as gerações ou os jovens terão de procurar esse caminho de forma diferente? A situação é muito mais exigente para os jovens, obrigados a construir futuros em condições de extrema incerteza e precariedade. E por isso numerosos estudos salientam os altos níveis de ansiedade nas camadas etárias mais baixas. No fundo, sentiram que lhes era roubado o presente e tornado mais incerto o futuro.

De que forma “cuida da sua alma” quando não está a cuidar da dos outros? A minha profissão exige, acima de tudo, a escuta atenta das narrativas de vida que as pessoas me trazem. E depois a construção de um diálogo que, idealmente, lhes permita a tomada de decisões mais esclarecidas na condução das suas vidas. É um quotidiano fascinante, mas exigente. No meu caso, o carregar de baterias passa muito pelo refúgio na Casa do Vale em Cantelães, obra de meu filho Guilherme Machado Vaz. E também pelo cultivo sistemático das relações de amizade que tive o privilégio de desenvolver ao longo da vida, a minha tribo pode não ser muito alargada, mas nunca me falhou.

Fazer rádio pode ser terapêutico? Faço rádio há trinta anos e ainda sinto prazer em colocar os auscultadores. As conversas com a Inês, o Manuel, o Miguel e o Tiago, em o O Amor é... e no Old Friends permitem-me cultivar um dos meus “vícios” favoritos – a associação livre. E continuar a aprender com eles! Não há melhor estratégia para retardar a ferrugem dos neurónios.

The opportunities for change and reflection that crises present, the “addiction” to radio, his Porto and the eternal refuge in Cantelães. The psychiatrist Júlio Machado Vaz talks to us about all of this, with the simplicity and emotion he is so familiar with.

How can we “educate” our attitude to live and look at the future with more optimism in the face of the current challenges we are facing? Crises, although unwanted, are opportunities for change, aiming to adapt to new realities. Unfortunately, human beings have short memories and fragile intentions, which leads them to revert to ways of functioning before borderline situations.

Is this the time to redefine our priorities? I wrote one day that sometimes dying is not stopping. I do not take back one letter of the sentence, we are slaves - many of us unnecessarily... - to a frenetic pace of life which leaves no psychological space for the reflection necessary for measured action, we simply react to the multiplicity of stimuli which come at us. If, for some, the periods of confinement have been opportunities to consult interior mirrors and get a new lease of life, we must admit that most of us have returned to business as usual.

And how might technology connect or reconnect us? Technology has been invaluable in maintaining or building social support networks without which experiences of isolation would have been far more painful. During the pandemic, for example, we saw changes in the organisation of work that will survive it. The other side of the coin is darker - we have also seen the reinforcement of dependencies that make the virtual more real... than the reality! It should be noted that this movement was already happening before the pandemic, any waiting room, restaurant or high school playground could prove it beyond doubt.

Is this need for change the same for all generations or will young people have to seek this path differently? The situation is much more demanding for young people, forced to build futures in conditions of extreme uncertainty and precariousness. And that is why numerous studies highlight the high levels of anxiety in the younger age groups. Basically, they feel that they are being robbed of the present and their future is becoming more uncertain.

How do you “look after your soul” when you are not looking after others’? My profession requires, above all, attentive listening to the life narratives that people bring to me. And then the construction of a dialogue that, ideally, allows them to make more enlightened decisions in the conduct of their lives. It is a fascinating but demanding daily life. In my case, recharging my batteries involves taking refuge in Casa do Vale in Cantelães, the work of my son Guilherme Machado Vaz. And also by the systematic cultivation of friendship relations that I have had the privilege of developing throughout my life, my tribe may not be very wide, but it has never failed me.

Can doing radio be therapeutic? I have been doing radio for thirty years and I still take pleasure in putting on my headphones. Conversations with Inês, Manuel, Miguel and Tiago, on O Amor é... and on Old Friends allow me to cultivate one of my favourite “vices” - free association. And to keep learning from them! There is no better strategy to slow down the rusting of the neurons.

What can we expect from the new “season” of the show “O Amor é...”? I don’t know if “O Amor é...” will continue in 2023, I can only assure you that it will not end on my initiative. If we continue, Inês and I will be just like ourselves - spontaneous and savouring what surrounds us, worries or pleasure, in a dialogue that has lasted for many years and has built a friendship that survives the end of the recordings and spills over in meetings in Lisbon and Porto.

Tell us about your “Porto” (and/or your “Norte”). What are your favourite places, the ones you revisit whenever you can? I have lived in Porto for 73 years, I would gladly accept to live double that. I grew up in Bonfim, shoulder to shoulder with friends who lived in the famous “islands” and still today they accept me as one of them. I was a student and a teacher in this city, I travelled through it in every direction, I had its support in

O que podemos esperar da nova “temporada” do programa “O Amor é...”? Não sei se o “O Amor é...” continuará em 2023, apenas posso assegurar que não terminará por iniciativa minha. Se continuarmos, a Inês e eu seremos iguais a nós mesmos – espontâneos e saboreando o que nos rodeia, preocupa ou dá prazer, num diálogo que dura há muitos anos e construiu uma amizade que sobrevive ao fim das gravações e se derrama nos encontros em Lisboa e Porto.

Fale-nos do seu “Porto” (e/ou do seu “Norte”). Quais são os seus lugares de preferência, aqueles que revisita sempre que pode? Vivo no Porto há 73 anos, aceitaria de bom grado viver o dobro. Cresci no Bonfim, ombro a ombro com amigos que moravam nas célebres “ilhas” e ainda hoje me aceitam como um deles. Fui aluno e professor nesta cidade, percorri-a em todos os sentidos, tive o seu colo nos momentos mais difíceis da minha vida, aqui cresceram e continuam os meus filhos e netos, tudo isso me vem ao espírito quando passeio à beira-rio. Ou regresso a Anselmo Braamcamp e me quedo frente à casa onde nasci, no passeio em que jogava à sameira. Quando vagueio pelo Porto as memórias fazem fila e esperam a sua vez ordeiramente. Conhecem-me; só a doença poderá fazer esquecer gentes e locais que emolduraram a minha vida.

Há algum lugar que tenha sido uma “boa” descoberta, uma surpresa no bom sentido? A boa descoberta “mora” mais a Norte, refiro-me a Vieira do Minho, que recebeu os Machado Vaz como se fossem desde sempre filhos da terra. É uma ternura de vinte anos que nunca poderei agradecer com justiça aos vieirenses. Mas eles sabem o que sinto, por alguma razão Pais e cães deste tripeiro inveterado lá repousam. Quando chegar a minha vez, sei que o Porto compreenderá. Porque jamais o deixei para trás quando me fiz à estrada para Cantelães. Como poderia? Ser tripeiro não depende da geografia. As gentes da Invicta vão sorrir, abanar a cabeça e dizer: “muito gostava o maroto de fugir para o silêncio da Cabreira. Que descanse em paz, era um dos nossos”. • the most difficult moments of my life, my children and grandchildren grew up here and continue to do so, all this comes to mind when I walk along the riverside. Or I return to Anselmo Braamcamp and stand in front of the house where I was born, on the pavement where I used to play with bottle caps. When I wander around Porto the memories queue up and wait their turn orderly. They know me; only illness can make me forget the people and places that have framed my life.

Is there any place that has been a “good” discovery, a surprise in the good sense? The good discovery “lives” further North, I refer to Vieira do Minho, which received the Machado Vaz family as if they had always been children of its land. It is a tenderness of twenty years that I will never be able to thank with justice to the Vieirenses. But they know how I feel, for some reason Parents and dogs of this inveterate “tripeiro” rest there. When my turn comes, I know that Porto will understand. Because I never left it behind when I hit the road to Cantelães. How could I? Being a “tripeiro” does not depend on geography. The people of the Invicta will smile, shake their heads and say: “Much did the rascal like to run away to the silence of Cabreira. May he rest in peace, he was one of us”. •

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