CORRUPÇÃO, ÉTICA E DEMOCRACIA Antonio Martins1
I. Introdução A relação entre corrupção, ética e democracia precisa ser concebida, em nosso contexto, como uma relação conceitual, simultaneamente, de afinidade e diferença. A afinidade conceitual salta aos olhos: não é difícil explorar os vínculos intuitivos entre cultura democrática, seu desvirtuamento por meio da corrupção – em diferentes níveis – e a percepção desse desvirtuamento a partir da ética. Essa afinidade conceitual é explorada de diversas formas, inclusive e principalmente na mídia, para defender a ideia de um combate heroico à “corrupção generalizada”. Inclusive e principalmente na mídia, mas não só. Assim é que um influente filósofo brasileiro vai defender a ideia de que o verdadeiro combate à corrupção é um combate ético, no sentido de que seria preciso, primordialmente, gerar um espírito social republicano que rejeite a corrupção.2 Para um aproveitamento jurídico desta relação, será necessário, entretanto, evidenciar onde os conceitos, para além de encontrar‑se, separam‑se. Porque a pergunta fundamental, neste campo, será acerca da capacidade do direito de mediar a relação entre corrupção, ética e democracia usando seu instrumentário técnico e atendendo a suas exigências. A corrupção será sempre um desvirtuamento de uma relação de equilíbrio socialmente estabelecida e valorada com base ética, mas ela terá de ser precisada juridicamente. A não diferenciação com que determinados temas são tratados no âmbito de um discurso social geral é estranha ao discurso jurídico. Este se estabelece diferenciando‑se, também da ética, mas mantendo com ela uma relação de entrecruzamento refle-
Prof. Adjunto de Direito Penal e Criminologia, Universidade Federal do Rio de Janeiro. Ribeiro, Renato Janine. A boa política, São Paulo: Companhia das Letras, 2017, p. 217.
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