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1. As Fronteiras da União Europeia

A União Europeia possui atualmente 28 países membros5 e 36 fronteiras nacionais. Desde a criação do Espaço de Schengen, as fronteiras internas da União não mais um obstáculo para os cidadãos europeus, uma vez que dentro deste espaço comum, as pessoas, bens e serviços podem circular livremente (vide “Introdução”).

Assim, as fronteiras da União que nos interessam particularmente neste capítulo são aquelas localizadas na faixa externa de seu território, em outras palavras, as que delimitam o espaço comum formado pelos membros da comunidade e o separa dos demais Estados e regiões que dele não fazem parte.

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No total, a UE possui cerca de 14.000 Km de fronteiras externas. A mais extensa localizase na parte leste do continente, com cerca de 4.695 Km .

Contudo, ao contrário da maioria dos Estados, cujas fronteiras nacionais tendem a ser (relativamente) perenes e estáveis, as fronteiras da União Europeia são mais fluidas, ou ‘relativamente móveis’. A ‘mobilidade’ relativa das fronteiras externas da UE decorre sobretudo dos diferentes processos de “alargamento” da União, que ao incluir novos Estados à comunidade, remove certos limites, ao mesmo tempo que cria outros.

Esse processo nem sempre é bem-visto ou bem-vindo, sobretudo para muitas regiões e cidades de fronteira que têm uma longa história comum com regiões vizinhas, e que se veem subitamente separadas por limites (e, portanto, mecanismos de controle) mais rígidos.

Este foi o caso, por exemplo, da Lituânia. Uma vez que o país é um membro pleno da União, sua fronteira ‘europeia’ passou a separá-lo de modo mais incisivo da Bielorrússia. Contudo, para os dois países, a noção de fronteira representou durante muitos anos mais uma ‘linha no mapa’ do que uma realidade física ou mental – em particular durante os anos em que ambos eram membros da União soviética.

A “europeização” da Lituânia implicou, assim, a separação radical não só de cidades e aldeias, mas igualmente de famílias e comunidades. Atravessar a fronteira, ato banal e imperceptível até alguns anos para muitas pessoas que residiam na zona limítrofe entre a Lituânia e a Bielorrússia, tornou-se um processo longo e caro: a viagem leva agora cerca de um dia, e os interessados devem submeter-se à alfândega, fazer demanda (e pagar) o visto de entrada no Espaço Comum, etc.

A ampliação da fronteira externa da União implica ainda encargos (e custos) importantes para os novos membros, em particular no que se refere à defesa e garantia da segurança pública em sua área.

Assim, com a adesão da Croácia há dois anos, a União Europeia teve um acréscimo de aproximadamente 1.200 Km às suas fronteiras externas. Atualmente, como membro pleno da União, a Croácia tem o dever de proteger estes 1.200 Km de fronteira da UE contra o contrabando, o narcotráfico, a imigração ilegal, entre outros.

As fronteiras da União Europeia não são definidas, contudo, tão somente pelas áreas de fronteira terrestre dos Estados-membros com os chamados ‘Estados terceiros’. Para além

5 São membros plenos da União Europeia: Alemanha, Áustria, Bélgica, Bulgária, Chipre, Croácia, Dinamarca, Eslováquia,

Eslovénia, Espanha, Estónia, Finlândia, França, Grécia, Hungria, Irlanda, Itália, Letonia, Lituânia, Luxemburgo, Malta, Países

Baixos, Polônia, Portugal, Reino Unido, República Checa, Romênia e Suécia.

destas, existem ainda as fronteiras marítimas, de particular importância para a UE tanto de um ponto de vista estratégico como de segurança.

A União Europeia possui aproximamente 48.000 Km de costa, região que tel chamado cada vez mais atenção na mídia europeia e internacional nos últimos anos por ser um dos pontos de entrada preferencial de imigrantes e refugiados em embarcações superlotadas e, não raro, em péssimo estado.

Mas, a caracterização geográfica das fronteiras da União Europeia não é tão simples quanto pode parecer. De fato, tendo em vista a extensão do seu território, que projeta-se, em alguns casos, para além do continente Europeu – como é o caso das chamadas regiões ultra-periféricas, como se verá – as regiões fronteiriças podem ser subdivididas, ou melhor, qualificadas, de acordo com certas características geográficas.

Atualmente, há um número limitado de estudos sobre as especificidades geográficas das regiões europeias – tanto de fronteira, como as demais. Como a progressão e aprofundamento da integração europeia, as dinâmicas transfronteiriças foram se tornando cada vez mais relevantes, conferindo também maior relevo às especificidades das regiões de fronteiras.

O conceito de “regiões transfronteiriças” tem sido analisado por alguns autores (Perkmann, 2003; Reitel, 2006), mas geralmente de modo parcial (com foco em determinadas questões) e pouco sistemático.

A maioria dos estudos sobre regiões fronteiriças disponíveis tendem a dar ênfase à análise da cooperação e integração (econômica e política) transfronteiriça, realizando avaliações das políticas voltadas para essas áreas. Nossa pesquisa revela que não existe ainda nenhuma análise transversal que busque, por exemplo, sistematizar os dados (demográficos, geográficos e socioeconômicos) ou ainda os impactos administrativos e de regulação em questões de segurança pública nas regiões de fronteiras.

A tipologia das regiões fronteiriças europeias proposta por Topaloglou et al. (2005) oferece uma primeira base de análise, ao passo que outros estudos sobre os efeitos da integração europeia nos fornecem os fundamentos teóricos para um exame do impacto econômico e social do alargamento da União nas regiões de fronteiras (Niebuhr et al 2002). Estes estudos dão ainda relevo aos desafios práticos que os novos membros se veem obrigados a enfrentar.

Em outubro de 2008, a Comissão Europeia adoptou o chamado “Livro Verde”6 sobre a Coesão Territorial, com vistas a aprofundar a compreensão deste conceito, bem como de suas implicações para a política e cooperação regional.

Para lançar o debate, o “Livro Verde” apresentou uma série de temas considerados relevantes para a reflexão sobre a coesão territorial na UE, tais como a cooperação para territórios com características geográficas específicas. No entanto, o número de questões a serem cobertos e a concisão necessária para um documento deste tipo fez com que nenhuma das questões previstas, ou das regiões elencadas pudessem ser examinadas e definidas de modo preciso e sistemático.

Em grande medida para cobrir esta lacuna, Philippe Monfort realizou em 2009 um estudo para a Comissão Europeia (DG Políticas Regionais, ou “REGIO”) que permanece até o momento, a única análise compreensiva das diferentes especificidades e características geográficas das diferentes regiões europeias, incluindo as regiões fronteiriças.

Este trabalho é, em grande medida, a fonte primordial de muitos dos dados e análises apresentados neste capítulo. Ainda que relativamente desatualizado, o estudo de Monfort (2009), é a fonte oficial mais concisa e precisa das diferentes regiões europeias, em particular as que aqui nos interessam.

Este estudo foi parcialmente complementado por alguns estudos ad hoc realizados pela própria Comissão Europeia (DG Políticas Regionais, DG REGIO), e/ou por projetos acadêmicos financiados pela própria UE.

Além do projeto ‘ESPON’7, que procurou identificar as oportunidades de desenvolvimento das diferentes regiões europeias, deve-se igualmente mencionar o projeto “EUROBORDERREGION”,8 que estuda a totalidade e casos específicos das regiões de fronteira (interna e externa) europeia.

A tabela 1 abaixo, realizada pela autora com base no trabalho de Monfort (2009) resume o número de regiões incluídos em cada categoria de territórios específicos, bem como a parcela da população da UE vive nessas regiões.

A categoria das regiões fronteiriças (incluindo as fronteiras internas e externas) é de longe a maior, acolhendo cerca de 39,5% da população da UE. O outro maior grupo é o das regiões montanhosas que abriga cerca de 8% da população da UE. As categorias restantes representam uma fração mais pequena da população da União, sendo o último grupo o das chamadas “regiões de baixa densidade populacional” ou SPR (“Sparsely Populated Regions”9), com aproximadamente 0,6% da população europeia.

Tabela 1 Tipos de Regiões e Parcela da População da UE10

Regiões Número de regiões Fronteira

547

Interna Externa Marítima

Montanha

488 124 194 168

Insulares Ultraperiférica SPRs

56 13 18

Total* 642

Porcentagem da População (UE 27) 39,5%

35,3% 9,1% 16% 8% 3% 0,9% 0,6%

44,3%

* Número de regiões incluídos em pelo menos uma categoria

7 ESPON, Applied Research Project 2013/1/12, European Perspective on Specific Types of Territories: http://www.espon.eu/ main 8 EUROBORDEREGION, EU External Borders and the Immediate Neighbours. Analysing Regional Development Options through Policies and Practices of Cross-Border Copoperation, projeto financiado pelo “Seventh Framework Programme of The European Union”, FP7. 9 O parágrafo 30 (b) das orientações relativas a assistência regional para o período de 2007-13 define as regiões de baixa densidade populacional como áreas compostas essencialmente de regiões com uma densidade populacional inferior a 8 habitantes por km², ou 12,5 habitantes por km² em função da área da região considerada. Ver Comissão Europeia, 2008. 10 Fonte: Monfort, 2009.

Note-se que um certo número de regiões estão, de fato, incluídas simultaneamente em diferentes categorias. É por esta razão que, na tabela acima, os números das subcategorias das regiões de fronteiras não representam a soma exata do número de regiões fronteiriças.

Existe, de fato, uma superposição entre as regiões de fronteira que são igualmente qualificadas como outras regiões específicas. Assim, boa parte das regiões montanhosas e de baixa densidade populacional constituem também regiões fronteiriças.

Da mesma forma, muitas das regiões insulares são igualmente regiões montanhosas, e mais da metade de sua população vive em uma região de fronteira. No caso das chamadas “regiões ultraperiférica”, 6 das 7 regiões desta categoria constituem também uma região de fronteira (externa) da União Europeia.

Tal fato implica ainda que cada categoria de região (de fronteira, insulares, montanhosas, etc.) enfrentam não só os desafios que lhe são específicos, mas igualmente àqueles relacionados ao das outras categorias das quais fazem parte.

Assim, para além dos desafios ligados ao fato de serem territórios insulares, algumas destas regiões também enfrentam as dificuldades associadas ao fato de serem regiões montanhosas, enquanto outros têm de lidar com as dificuldades específicas de regiões de fronteiras.

A tabela a seguir ilustra a distribuição das diferentes regiões e as diferentes categorias as quais fazem parte.

Tabela 2 Distribuição das regiões da UE-27 em categorias de territórios11

Regiões Número Fronteira Montanha Ilhas Esparsam. Povoadas Ultraperiférica

Fronteira 547 100% 15% 7% 2% 1%

Montanha 168 50% 100% 11% 1% 4%

Insulares 56 71% 34% 100% 2% 21%

Esparsamente Povoadas 18 67% 11% 6% 100% 6% Ultraperiférica 13 54% 46% 92% 8% 100%

Como pode-se perceber, cerca de 85% das regiões insulares, de montanhas, esparsamente povoadas e ultraperiférica são também regiões fronteiriças (internas e externas).

Quando se analisam cada uma destas categorias, os números são ainda mais impactantes. Assim, cerca de 50% das regiões de fronteira são igualmente regiões de montanha, assim como 54% das regiões ultraperiférica. Este percentual eleva-se a 71% no caso das regiões insulares e 67% das regiões esparsamente povoadas.

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