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DIREITO DIGITAL
Sócio do COTS Advogados
O METAVERSO VEM AÍ, E OS DESAFIOS JURÍDICOS TAMBÉM
Nem parece que faz tanto tempo assim que as lojas físicas das empresas migraram para o ambiente digital. Lembro-me da primeira vez em que fiz uma compra online, da atenção em responder aos campos, da apreensão de fornecer dados de cartão de crédito para o pagamento. Muita gente, inclusive, nem pagava com o cartão de crédito, só utilizava boleto, por entender que seria um método mais seguro.
Hoje, porém, o fato de alguém nunca ter comprado em um e-commerce provavelmente vem de uma razão mais social-econômica (há quem não tenha, em pleno século XXI, acesso à Internet e dispositivos para a compra) do que por desconfiança sobre a tecnologia. A pandemia só intensificou a migração de um ambiente para outro.
Contudo, outra migração está em vista: a do ambiente digital “comum” para um ambiente muito mais imersivo e customizado. Será tão drástica quanto foi a do ambiente físico para o digital? Só o tempo dirá. Mas o mundo dos negócios já vê no horizonte o metaverso vindo aí, e com ele uma série de desafios, incluindo os jurídicos.
Quem já assistiu ao filme Matrix não deverá estranhar a possibilidade de qualquer pessoa ingressar em um ambiente digital que simula a vida real, no qual se poderá customizar uma imagem própria de si mesmo para interagir com outras pessoas que também se customizaram. O cabo conectado à nuca do personagem Neo (Keanu Reeves) dá lugar aos óculos de realidade aumentada que “teletransportam” o usuário a um novo mundo, enganando os sentidos para o bem ou para o mal (há diversos vídeos na Internet de pessoas usando os óculos e se assustando ao cair em abismos virtuais, por exemplo, sem que seus pés físicos deixem o chão). O ingresso nesse novo universo, ou universos, abrirá inúmeras possibilidades de novos negócios, incluindo o comércio digital.
Como um “novo mundo” para os negócios, o metaverso ainda precisa se viabilizar para possibilitar volume e ser financeiramente interessante. A velocidade de nossa Internet e o alto custo dos óculos, de um lado, atrapalham os usuários, enquanto a multiplicidade de “metaversos” e a falta de qualquer regulamento confiável atrapalham as empresas (não é muito difícil notar que, como o metaverso é privado, a parte contratante fará adesão ao contrato imposto pela outra parte, criado unilateralmente).
Sobre esse último ponto, não existe apenas um metaverso. Atualmente, há diversas empresas desenvolvendo o seu próprio. Isso quer dizer que, ao contrário da Internet, que é “única”, podem existir diversos metaversos
Ricardo Oliveira é sócio do COTS Advogados, escritório especializado em Cyberlaw e Direito dos Negócios Digitais com sede em São Paulo. É coautor dos livros Marco Civil Regulatório da Internet - Editora Atlas, 2014, Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais Comentada - Editora Revista dos Tribunais, 2018, e do O Legítimo Interesse e a LGPD Editora Revista dos Tribunais, 2020.
com suas regras próprias, o que talvez seja seu maior entrave.
Os desafios jurídicos são tão grandes quanto os desafios de negócio. Listamos abaixo os principais, a fim de alertar as empresas que desejam ingressar na novidade:
• Contratos diretos e indiretos: para uma empresa atuar em um metaverso, ela terá que fechar uma série de contratos (mantenedor, implantadores, ferramentas etc.). Contudo, como se trata de uma temática completamente nova, a análise deficiente desses instrumentos poderá render grandes dissabores no futuro, como aconteceu, por exemplo, à época das implantações de sistemas complexos para gestão de sites e implantação de ERP.
• Privacidade e proteção de dados pessoais: não é porque o metaverso cria um “novo universo” que as leis atuais não seriam aplicáveis, pelo contrário. Contudo, há um agravante: o e-commerce tradicional, por ser de comum utilização, já gerou um nível de expectativa e de privacidade em seus usuários. Já se conhece de cor e salteado os dados pessoais que se exigem dos seus usuários ao realizar uma interação com o site. Contudo, no metaverso, essa expectativa não existe e, pior, o tratamento de outros dados pessoais será muito mais necessário, especialmente por conta da customização dos avatares (personagens animados que corresponderão ao próprio usuário, como se fossem seu corpo virtual). A que nível, por exemplo, a cor da pele, altura, massa corporal ou etnia de um avatar poderá ser utilizado para a customização da oferta de produtos ao seu titular? Vejam só: a via de comunicação no e-commerce tradicional não permite a visualização do usuário, o que será invertido no metaverso. Se um usuário resolver se apresentar como uma pessoa tatuada, vestir uma camiseta com inscrições políticas ou religiosas, carregar na mão uma caneca de cerveja ou uma arma, usar bermudas ou portar uma mochila de viagem, qualquer informação poderá ser útil para direcionamento de produtos de seu interesse, ainda que a presunção esteja incorreta (quem porta uma mochila de viagem pode não gostar de viajar, mas a presunção é razoável). Além desse aspecto, os contratos com prestadores de serviços também merecerão igual atenção, com delimitação clara do tratamento de dados pessoais realizado e o papel, como agente, de cada parte - se controlador ou operador de tratamento.
• “Zoneamento” virtual: como vimos, o metaverso pretende simular o mundo real. Não será raro o usuário poder caminhar (ou voar, por que não?) por uma avenida e visualizar as lojas “físicas” no mundo virtual no qual está inserido. Contudo, uma empresa que atualmente adquire um ponto comercial na Avenida Paulista, por exemplo, conhece muito bem o nível de exposição de sua marca, porque a Avenida Paulista é única. Contudo, ao escolher um ponto comercial de destaque no metaverso, o que garantirá ao lojista que essa “Avenida Paulista” virtual não será multiplicada pelo mantenedor, considerando que a ampliação do espaço no metaverso não conhece barreiras? Se houver diversas avenidas paulistas, o destaque será o mesmo?
Sendo assim, da mesma forma que gera possibilidades, o metaverso cria desafios que certamente serão superados, mas isso dependerá da correta tomada de decisão por parte de seus integrantes.