14 minute read

A VOLTA DO CRIADOR DE UNICÓRNIOS

Next Article
ÚLTIMA PÁGINA

ÚLTIMA PÁGINA

SAS

A guerra é o que acontece quando a linguagem falha.

Advertisement

MARGARET ATWOOD, ESCRITORA CANADENSE

3 PERGUNTAS PARA...

TÁKI CORDÁS, psiquiatra, coordenador da assistência clínica do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas, professor na Universidade de São Paulo e autor de Grandes Epidemias e Pandemias

COMO VOCÊ VÊ HOJE, PASSADOS DOIS ANOS, OS EFEITOS DA PANDEMIA NA SAÚDE MENTAL DAS PESSOAS?

Houve uma grande mudança no pilar de saúde mental em todas as instituições de saúde – públicas e privadas. De um lado, vimos a piora dos sintomas nas pessoas que já estavam em tratamento e, de outro, o início de quadros psiquiátricos em quem nunca teve nada semelhante. Da mesma forma que os transtornos alimentares, área que eu também atuo, pioraram. Além disso, o alcoolismo e o uso de drogas se intensificaram. O uso de maconha, por exemplo, aumentou em torno de 20%. E ainda veremos mais problemas. Estudos mostram que o estresse traumático pode aparecer até três anos depois de uma época difícil. O que vem por aí é uma epidemia de transtorno mental.

COMO SURGIU A IDEIA DO SEU LIVRO?

Da observação desse cenário e de todo o caminho profissional que percorri – parte acadêmica, clínica, de pesquisa e de mais de 40 livros publicados. Somado a isso, comecei a achar que estava fazendo pouco pelo que o país precisava. Há uma frase de Dante Alighieri que diz: “Os lugares mais sombrios do inferno são reservados àqueles que se mantiveram neutros em tempos de crise”. E eu precisava ter uma atitude mais ampla e política. Abri, inclusive, meu Instagram para falar sobre o tema. O livro mostra como as pessoas lidaram com as grandes pandemias da história, como a peste em Atenas, gripe espanhola e a Covid-19. E há pilares muito parecidos. O primeiro é que todos os povos tentam achar um culpado. Na gripe espanhola, por exemplo, as pessoas diziam: “Não tome a vacina da Bayer, pois é produzida na Alemanha e a Aspirina de lá vem com o vírus da gripe”. Aqui chegamos a falar “vírus chinês” para nos referirmos ao coronavírus. Ou seja, buscamos sempre um bode expiatório. O segundo é o negacionismo. Alguns chegaram a dizer, até, que a Covid não passava de uma “gripezinha”. Já o terceiro é encontrar curas milagrosas. Na peste, as pessoas consultavam oráculos e na gripe espanhola diziam que colocar a cabeça para fora do carro e acelerar faria o vírus sair pela narina. Por outro lado, nesses momentos, há muita mobilização e revolução da sociedade.

ACREDITA QUE TEREMOS ALGUMA REVOLUÇÃO POR AQUI?

Eu ainda não vi nenhuma. No começo, os otimistas diziam que, depois da pandemia, iríamos nos tornar pessoas mais empáticas e melhores. Não acredito nisso. Pelo contrário, vamos voltar a ser o que éramos e, talvez, até mais egoístas. O que está acontecendo é que estamos esquecendo que temos mais de 660 mil mortes e há culpados; pessoas contribuíram com isso. Basta pensar no caos que Manaus passou. Mas, talvez, 30% da população não tenha percebido. Ou não queira perceber.

PANORÂMICA

O GRUPO TERRAVISTA, referência em Trancoso para quem busca luxo e sossego do sul da Bahia, além de muita sofisticação – entre as propriedades da marca estão dois condomínios, um dos melhores campos de golfe da América do Sul, aeroporto e teatro – prepara um plus: o lançamento de um hotel com bandeira internacional que promete mexer com toda a concorrência turística no Nordeste.

10 PODER JOYCE PASCOWITCH

FOTOS GETTY IMAGES; DIVULGAÇÃO; DIVULGAÇÃO APPLE TV

ESTE MÊS A MULHER E O HOMEM DE PODER VÃO...

ACOMPANHAR o encontro musical de João Bosco com a Orquestra Ouro Preto em Gênesis, concerto gravado ao vivo no ano passado que agora ganha versão em CD, DVD e nos serviços de streaming. Os arranjos são do maestro Nelson Ayres e regidos por Rodrigo Toffolo

OUVIR o novo álbum do ex-Oasis Liam Gallagher: C’mon You Know. Com 14 faixas, o disco conta com a colaboração de Dave Grohl, do Foo Fighters, que coescreveu e tocou bateria em uma das faixas

VISITAR e garantir os ingressos da nova temporada do projeto Fronteiras do Pensamento. A edição deste ano receberá 12 palestrantes, com destaque para o filósofo francês Luc Ferry, o americano Steven Johnson, considerado o “Darwin da tecnologia”, e a psicanalista Élisabeth Roudinesco, tida como a mais importante historiadora da psicanálise

FAZER escolhas com a leitura de Choose Possibility, livro de uma das principais líderes em tecnologia, Sukhinder Singh Cassidy, com uma nova abordagem para assumir riscos na carreira e prosperar (mesmo quando você falha). Ainda sem tradução para o português, pode ser adquirido na Amazon

ADENTRAR o universo de Bob Dylan com a inauguração do museu em sua homenagem na cidade de Tulsa, Estados Unidos. Desenhado pelo escritório de arquitetura Olson Kundig – especializado em design de exposições –, o Bob Dylan Center contém mais de 100 mil itens que ilustram a trajetória e o processo criativo do artista – inclusive o talento pouco conhecido do seu lado pintor

LER TikTok Boom (ed. Intrínseca), livro-reportagem do jornalista Chris Stokel-Walker que analisa como a rede social chinesa desafia a hegemonia tecnológica dos EUA e o fenômeno das novas celebridades criadas pelo aplicativo

BAIXAR o Cataki, app que conecta pessoas com consciência ambiental e catadores de materiais recicláveis. Ele traz um mapa com locais de atuação e mostra o contato dos catadores mais próximos do usuário. O app também possibilita consultar foto, biografia e telefone do profissional que fará o serviço de coleta, assim como informa o tipo de material que ele deseja recolher. Para Android e iOS

MARATONAR Ruptura (Severence), série distópica supercotada para ser a

melhor do ano, que acompanha uma equipe de funcionários cujas memórias são cirurgicamente divididas entre vida profissional e pessoal. O elenco estelar tem Patricia Arquette, Christopher Walken e John Turturro, e a direção é de Ben Stiller. Na Apple TV

PREPARAR a torcida para a 109ª edição do Tour de France, o evento mais prestigiado do ciclismo de estrada mundial. Dividido em 21 etapas, a largada este ano acontecerá em Copenhague, na Dinamarca, e a chegada na famosa Champs Élysées, em Paris. Entre os dias 1º e 24 de julho

ASSISTIR Lendas em Fiji, série do canal Off. Com nomes marcantes do surfe brasileiro dos anos 1970, como Rodrigo Resende, Picuruta Salazar, Daniel Friedman, Ricardo Bocão, Otávio Pacheco e Lipe Dylong, os amigos percorrem de catamarã o entorno do arquipélago em busca de ondas incríveis

CONHECER o novo restaurante Fasano em Nova York. Seja para um almoço ou para um jantar, seja na parte da frente, no bar, para pratos mais corriqueiros, ou no salão, um dos mais bem frequentados de Manhattan atualmente. Vale a visita

AJUDAR com doações para entidades que cuidem de moradores de rua neste inverno. É possível fazer via pix para vários grupos, como a Central Única das Favelas (Cufa) e para o padre Júlio Lancellotti, entre outros

VER Sarah Jessica Parker e Matthew Broderick juntos em Plaza Suite, espetáculo na Broadway em que interpretam três casais com olhar agitado e intenso do dramaturgo Neil Simon em relação ao amor. Ingressos entre US$ 100 e US$ 500

com reportagem de carla julien stagni, caroline marino e dado abreu

PODER JOYCE PASCOWITCH 11

NEGÓCIOS

A VOLTA DO CRIADOR DE

UNICÓRNIOS

Primeiro entre os empreendedores brasileiros a ter sucesso com startups, Romero Rodrigues vira sócio em fundo milionário para alavancar os “buscapés” dos próximos anos

POR PAULO VIEIRA FOTOS PAULO FREITAS

12 PODER JOYCE PASCOWITCH

PODER JOYCE PASCOWITCH 13

e contar, ninguém acredita, mas no

SBrasil em que deputados aprovam urgência para não se mexer na Bíblia, em que empresários aplaudem discursos controversos, em que juízes e militares preservam suas aposentadorias especiais, quinquênios e outras regalias até em tempos de austeridade fiscal, em que “nova política” é ter o Centrão na Casa Civil, nesse mesmo Brasil frutificou um universo de startups, um conjunto de empresas que, iniciando praticamente do zero, logo alcançaram protagonismo continental ou global e receberam aportes estrangeiros milionários. E nesse ambiente, ou ecossistema, como se diz, o jovem paulistano Romero Rodrigues é semideus.

Com outros três colegas da engenharia elétrica da Escola Politécnica da USP, a famosa Poli, aos 21 anos Romero fundou, em 1998, o Buscapé, site de comparação de preços que em meros dez anos chegou ao éden do universo digital brasileiro: em 2009, 91% da empresa foi vendida por US$ 342 mi para a Naspers, companhia de mídia sul-africana pioneira do e-commerce chinês. A compra do Buscapé foi o maior negócio do nascente ecossistema nacional, remunerou com sobras todos os investidores que apostaram na companhia e acabou por mostrar a quem hesitava em lançar sua própria startup no Brasil que sí, se podía.

Nos cinco anos seguintes em que atuou como executivo da Naspers, Romero dublou como mentor informal – e investidor-anjo – de outros fundadores de startups, e isso definiu para sempre seus novos caminhos. Em 2014, já divorciado dos sul-africanos, ele deixou o diletantismo e profissionalizou a atividade que alguns gostam de chamar de “empreender empreendedores”. E o fez no padrão ouro: com a gestora global Redpoint eVentures, colocou no mercado dois fundos de venture capital que somaram juntos R$ 1,5 bi e irrigaram meia centena de startups latino-americanas. Algumas alcançaram o tão almejado título de unicórnio quando passaram a ter valor de mercado bilionário (em dólar), caso de Gympass, Rappi, Creditas, Olist. Dos atuais 24 unicórnios brasileiros, Romero investiu em nove.

Com tal quantidade de acertos na carreira, seria compreensível que Romero decidisse pegar o boné e passasse alguns anos à beira do Índico estudando o fluxo migratório dos papa-moscas, mas não é assim que as coisas costumam funcionar. Em 2022, à frente do braço brasileiro da gestora global Headline, ele decidiu ressetar sua vida de investidor de startups, agora trazendo para a barca a pantagruélica XP, que pela primeira vez coloca à disposição de seus clientes um produto de venture capital. Em sociedade com a corretora de Guilherme Benchimol, Romero cuidará do destino de uma carteira de R$ 915,7 mi, valor 10% maior ao originalmente submetido à Comissão de Valores Mobiliários (CVM). Caberá a ele como “managing partner” da XP selecionar as startups que ficarão com a grana e, mais do que isso, fazê-las crescer e entregar o retorno, em dez anos, para numerosos investidores. As startups precisam já ter lançado um produto ou serviço viável no mercado, ou seja, necessitam apresentar alguma vivência. Os fundos de Romero atuam no que o setor chama de “early stage” – que vem logo depois do “capital-semente” e é anterior às rodadas de crescimento (chamadas de “growth”).

Parece fácil, mas o negócio é espeto. “Se a gente soubesse quais startups iriam dar certo, investiríamos somente nessas”, disse Romero a PODER, numa sala do 30º andar de um espigão em que a XP mantém seu QG high-tech em São Paulo. “Olhamos 1.500 empresas para investir em seis ou sete por ano. E de cada três em que aportamos, apenas uma dá certo – a outra anda de lado e a terceira morre.” O trabalho não se limita à curadoria obrigatoriamente matadora, requer ainda “interação de quatro a seis meses” entre a equipe de Romero e os destinatários da grana. Tudo para “aumentar a chance de construção de uma empresa grande”.

Para Romero, o papel do bom gestor pode ser traduzido pela expressão “remoção de riscos desnecessários”. Na anamnese que ele empreende nos primeiros dias, busca ver o “tamanho da dor que se está atacando”, a qualidade do “time” e, finalmente, o comportamento do líder – que tem de saber escutar e motivar e, sobretudo, possuir a “ambição de construir”. Ele não pode ser o cara, como diz Romero, que lá na frente vai querer vender a empresa e “colocar 5 milhões no bolso”. Às vezes, um muito célere diagnóstico já exclui candidatos, como, num exemplo hipotético, uma startup com dois CEOs – “nítido problema de liderança”, situação só menos dramática do que, brinca Romero, quando marido e mulher são sócios.

14 PODER JOYCE PASCOWITCH

Crises são benéficas para startups e para o venture capital. Empresas inovadoras são mais eficientes em ambientes austeros

PODER JOYCE PASCOWITCH 15

ESCALADA

As conversas entre Romero e Benchimol ficaram mais sérias em 2021, muito antes de a taxa de juros praticados no Brasil escalar de novo, chegando ao atual patamar de 12,75% ao mês, o que diminuiu a atratividade do novo produto para o cliente basicão da XP, que poderia muito bem achar que faria melhor negócio mantendo o patrimônio nos fundos de renda fixa e multimercado ou, até mesmo, num defensivo VGBL. Mesmo com o valor do investimento inusualmente baixo em se tratando de um produto de venture capital – R$ 25 mil –, o investidor poderia não se deixar seduzir por algo que prometia entregas incertas de longuíssimo prazo. Mas o encerramento da bem-sucedida captação no começo de junho mostrou que a história de sucesso de Romero falou mais alto. O gestor sempre expressou otimismo, mesmo com os juros batendo de novo no teto. “Na nossa visão, crises são benéficas para startups e para o venture capital. Na crise do petróleo dos anos 1970, surgiu a Apple; no estouro da bolha da internet na virada do século, apareceram o Google e a Tesla, e, aqui no Brasil, o ‘Buscapezinho’. Empresas inovado-

16 PODER JOYCE PASCOWITCH

ras são mais eficientes em ambientes mais austeros. Já surgem otimizando o capital.”

O mundo vive um momento particularmente ruim, com elevação da taxa de juros também nos Estados Unidos, quebra da cadeia global de suprimentos e uma guerra deixando milhares de mortos e destruição em plena Europa. A isso se somam as múltiplas trapalhadas de gestão macroeconômica feitas nos últimos anos no Brasil, que contribuem para afastar o capital estrangeiro. As startups daqui, que gostam de ostentar suas taxas pirotécnicas de crescimento, passam por um inédito momento de contração, com numerosas demissões mesmo em alguns famosos unicórnios (veja boxe). Mas nada parece incomodar Romero, que enxerga enorme potencial para os negócios no Brasil, dado o tamanho da população e as demandas ainda não atendidas em vários setores. As “teses” de investimento que ele pretende acolher em seus fundos são generalistas, aquelas que, independente do setor de atuação da empresa, traduzem-se por produtos e serviços de ampla aceitação entre a população. E isso aparece, ele cita, em fintechs, e-commerce, healthtechs e blockchain, por exemplo. O blockchain merece uma deferência especial, não obstante Romero ter evitado apostar lá atrás nas

FOTOS DIVULGAÇÃO; ASSISTENTE DE FOTOGRAFIA VICTOR FREZZA

NUVENS NEGRAS

Um gestor de capital tem até por dever de ofício ser otimista, especialmente quando a fase de captação do fundo que irá gerir ainda não chega a termo, como quando Romero Rodrigues concedeu esta entrevista a PODER. O problema é que as notícias vindas do ecossistema de venture capital, território de atuação de Romero, não são – ou eram – as mais alvissareiras. Depois de investir em publicidade mainstream, algo estranho para o segmento, um dos unicórnios brasileiros, o QuintoAndar, anunciou um “downsizing”, eufemismo para demissões em massa. A empresa falou num corte de 4% do time, em total discrepância com notícia publicada em abril pelo jornal O Estado de S. Paulo, que dava conta de 800 demitidos – 20% do quadro de colaboradores. A Olist, outro unicórnio que teve aportes lá atrás de fundos de Romero, também viveu momento conturbado. Criada para facilitar o acesso de lojistas ao marketplace, a empresa teria cortado cerca de 10% de seu quadro, número também contestado pela startup. Loft e Zak também afiaram o facão – no caso da última, de soluções digitais para o e-commerce, o corte teria sido sangrento, de 40%. Mas nada disso parece perturbar Romero. Além do argumento de que startups têm vantagem competitiva em tempos de crise por conta de sua natural agilidade, ele acredita que a correção dos “valuations”, os valores de mercado das empresas digitais, que cresceram muito na pandemia, também é benéfica para o setor.

Se a gente soubesse quais startups iriam dar certo, investiríamos somente nessas. Olhamos 1500 para investir em seis ou sete

duas maiores startups de “cripto” brasileiras – criptoativos, como se sabe, utilizam-se da tecnologia de rastreamento do blockchain. A justificativa para a dupla negativa, segundo o empreendedor, foi o fato de não ter ficado claro para ele qual das empresas sob escrutínio iria se destacar por aqui. Nesse caso, para Romero, o vencedor acabaria por ficar com tudo – ou, em inglês, como na música do Abba, “the winner takes it all” –, e isso faria com que um dos investimentos inexoravelmente se perdesse.

MINHOCÁRIO

Discreto, de estatura mediana e integrante de uma família paulistana de classe média alta – que lhe possibilitou estudar no colégio Porto Seguro e mais tarde ser aprovado num dos vestibulares mais concorridos do país –, Romero desde a infância já cogitava empreender. Tornou-se mítico em seu círculo o plano de negócios feito por ele, quando tinha apenas 10 anos, de uma futura empresa que forneceria minhocas à sua avó. Na imaginada startup – a expressão ainda não existia –, que se chamaria RoAn, Romero teria como sócio seu irmão André, três anos mais novo, que deteria 25% de participação. Wilson Ruggiero, professor do departamento de engenharia de computação da Poli e coordenador do Laboratório

PODER JOYCE PASCOWITCH 17

This article is from: