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VI Os sacramentos

soa a toada das harpas casada a vozes celestiais; naquela filha dos homens está o refúgio dos pecadores, a consoladora dos aflitos: não conhece as cóleras do Senhor; toda ela é bondade, misericórdia, e indulgência.

Maria é a divindade da inocência, da fraqueza e do infortúnio. A multidão dos que a veneram em nossos templos compõe-se de pobres marinheiros salvos por ela no naufrágio, de velhos inválidos que ela arrancou à morte que lhe preparava o ferro dos inimigos da França, de mulheres moças, cujas dores ela consolou. Estas vem recomendar-lhe seus filhinhos ante o altar; e o coração do recém-nado, que ainda não entende o que é Deus, já compreende aquela divina mãe que tem nos braços um menino.

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VI Os sacramentos

BATISMO E CONFISSÃO

Se nos sentimos pequenos diante da grandeza dos mistérios, mais profundo espanto nos assoberba, se contemplamos os Sacramentos da Igreja. O conhecimento do homem civil e moral encerra-se completo naquelas instituições.

O batismo, primeiro sacramento que a religião confere ao homem, segundo a palavra do Apóstolo, reveste-o de Jesus Cristo. Este sacramento recorda-nos a corrupção em que nascemos, as entranhas dolorosas que nos trouxeram, as tribulações que neste mundo nos esperam; diz-nos que as nossas culpas se propagam aos filhos; que somos todos cúmplices: terrível doutrina que só em si basta, se bem meditada for, a submeter os homens ao reinado da virtude.

Vede o neófito, em pé, no meio das ondas do Jordão: o solitário do penhasco verte-lhe na cabeça a água lustral; o rio dos patriarcas, os camelos das margens, o templo de Jerusalém, os cedros do Líbano parecem contemplativos. Reparai antes, se vos apraz, nessa criancinha sobre a sagrada fonte; rodeiam-na parentes cheios de júbilo; todos, em nome dela, renunciam ao pecado, e lhe dão o nome do avô, que se torna imortal nesta renascença perpetuada pelo amor de geração em geração. Já o pai se afana em retomar seu filho para o levar à esposa impaciente que conta, entre as cortinas, as badaladas do sino batismal. Rodeiam o leito maternal; lágrimas de ternura e religião rebentam de todos os olhos; o novo nome da criança, o antigo nome do antepassado, é repetido de boca em boca; e cada qual, associando as recordações do

que foi com as alegrias do momento, crê reconhecer o ancião no recém-nascido que faz reviver a memória dele. Tais são os quadros que nos dá o sacramento do batismo: mas a religião sempre moral, sempre judiciosa, ainda aí quando mais risonha é, nos mostra igualmente o purpurado filho de reis, renunciando às pompas de Satanás, na mesma piscina em que o filho de pobre maltrapido vem abrenunciar pompas, às quais, todavia, jamais será condenado.

Encontra-se em Santo Ambrósio uma descrição curiosa da maneira como se administrava o sacramento do batismo nos primeiros séculos da Igreja. 22 O dia escolhido para a cerimônia, era o sábado de Aleluia. Começava-se, tocando os narizes, e abrindo as orelhas do catecúmeno, dizendo ephpheta “abri-vos”. Depois, levavam-no ao Sancta Sanctorum. Em presença do diácono, presbítero, e bispo, abjurava as obras do demônio. Voltado para o ocidente, símbolo das trevas, abjurava o mundo; para o oriente, símbolo da luz, significava a sua aliança com Jesus Cristo. Então o bispo benzia o banho, cujas águas, segundo Santo Ambrósio, simbolizam os mistérios da Escritura: criação, dilúvio, a passagem do mar vermelho, a nuvem, as águas de Mara, Naamã, e o paralítico da piscina. Adoçadas as águas pelo sinal da cruz, mergulhavam nelas, três vezes, o catecúmeno, em honra da Trindade, ensinando-lhe que três coisas dão testemunho no batismo: água, sangue, e espírito.

Ao saírem do Sancta Sanctorum, o bispo ungia na cabeça o homem renovado, consagrando-o assim à raça eleita e à nação sacerdotal do Senhor; depois, lavavam-lhe os pés, vestiam-no de branco, como trajo de inocência; feito isto, recebia no sacramento da confirmação o espírito do temor de Deus, espírito de sabedoria e inteligência, espírito de conselho e força, espírito de doutrina e piedade. O bispo, em voz alta, proferia estas palavras do Apóstolo: Deus pai te há marcado com o seu selo; Jesus Cristo, Nosso Senhor, te confirmou, e deu ao teu coração as arras do Espírito Santo.

O novo cristão ia, em seguida, ao altar, receber o pão dos anjos, dizendo: Entrarei no altar do Senhor, do Deus que alegra a minha juventude. À vista do altar coberto de vasos de ouro, de círios, flores, e estofos de seda, o neófito exclamava com o profeta: Pusestes diante de mim uma mesa; é o Senhor quem me alimenta; nada me faltará: pôs-me em abundante repasto. Finalizava a cerimônia pelo sacrifício da missa. Quão grandiosa não devia ser a festa em que um Ambrósio dava ao pobre inocente o lugar que refusara ao imperador culpado! Se, neste primeiro ato da vida cristã, não há divina mescla de teologia e moral, de mistério e simplicidade, nada em religião há divino.

22 Ambros., de Myst. Tertuliano, Orígenes, S. Jerônimo, Santo Agostinho, também falam do batismo, porém com menos miudezas que Santo Ambrósio, É nos seus livros dos sacramentos, falsamente atribuídos a este padre, que se lê a circunstância das tais imersões e do toque nas ventas, que referimos no texto.

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