3 minute read

I Vícios e virtudes segundo a religião

Next Article
XI Extrema-unção

XI Extrema-unção

LIVRO SEGUNDO Virtudes e leis morais

I Vícios e virtudes segundo a religião

Advertisement

O maior número dos antigos filósofos discriminaram entre vícios e virtudes; mas a sabedoria da religião ainda nisto, sobreleva a sabedoria humana.

Consideremos, primeiro, a soberba, que é o principal vício aos olhos da Igreja. É o pecado de Satanás, o primeiro pecado do mundo. Tão na essência do mal está a soberba, que em todas as enfermidades da alma ela se mistura: brilha no sorrir do invejoso; relampagueia nas libertinagens do voluptuoso; conta o ouro da avareza; cintila nos olhos da cólera; e aformosenta os deleites da preguiça.

A soberba despenhou Adão; a soberba deu a Caim a arma fratricida; a soberba ergueu Babel e desolou Babilônia. Perderam-se Atenas e toda a Grécia por soberba; a soberba arrasou o trono de Ciro, retalhou o império de Alexandre, e esmagou Roma, enfim, sob o peso do universo.

Nas particulares ocorrências da vida, são mais funestos os resultados da soberba, pois contra o próprio Deus se insurge.

59

Averiguando as causas do ateísmo, chega-se a esta desconsoladora observação: que a maior parte daqueles que se rebelam contra o céu, queixam-se da sociedade ou da natureza (salvo alguns mancebos seduzidos pelo mundo, ou escritores que se pagam de fazerem bulha). Como acontece que homens privados dos frívolos dons que o capricho só acaso dá ou tira, não busquem consolar-se da sua passageira desgraça, avizinhando-se da divindade? A verdadeira fonte das graças é aí. Tão verdade é ser Deus a suma formosura, que só o pronunciar com amor seu nome basta para dar ao homem um não sei que de divinal, ainda ao mais desfavorecido da natureza, como se viu em Sócrates. Deixemos o ateísmo àqueles que não tendo assaz de nobreza para superarem as injustiças da sorte, só revelam com o seu blasfemar o primitivo vício do homem ferido no mais sensível da sua existência.

Se a Igreja pôs em primeiro lugar a soberba na escala das degradações humanas, não foi menos judiciosa na classificação dos outros seis vícios capitais. Não se creia que é arbitrária a ordem em que os vemos: basta examinar de leve para conhecer que a religião passa atiladamente dos crimes, que acometem a sociedade em geral, aos delitos que só caem sobre o pecador. Assim, por exemplo, a inveja, a luxúria, a avareza e a ira, derivam imediatas da soberba, porque são vícios que exercem sobre estranhos a sua ação, e só entre homens podem alimentar-se; ao passo que, a preguiça e a gula, que vem por último, são inclinações solitárias e envergonhadas, devorando em si próprias suas principais voluptuosidades.

Nas virtudes qualificadas pelo cristianismo, e no lugar que lhes assina, observa-se igual conhecimento da natureza. Antes de Jesus Cristo, a alma do homem era um caos; fez-se ouvir o Verbo, desassombrou-se tudo no mundo intelectual, como, ao som da mesma palavra, tudo no mundo físico se aclarara. Foi a criação moral do universo. As virtudes como fogos puros subiram aos céus: umas, como sóis resplandecentes, cativaram os olhos com seu rutilante clarão; outras, modestas estrelas, acolheram-se ao pudor das sombras, onde, todavia, não puderam recatar-se. Desde então, estabeleceu-se admirável equilíbrio entre as forças e as fraquezas; a religião dardejou seus raios contra a soberba, vício que de virtudes se alimenta; descobriu-a no recesso de nossos corações, e perseguiu-a em suas metamorfoses: os sacramentos acometeram-na, com bravura santa, e a humildade, vestida de saco, cingidos os rins de corda, pés descalços, cabeça coberta de cinza, olhos baixos e lacrimosos, fez-se uma das primeiras virtudes dos fiéis.

This article is from: