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BRASILEIRA
from Revista Científica da Escola Superior de Advocacia: Direito Previdenciário na Atualidade - Ed. 38
by ESA OAB SP
financiamento previdenciário pois, se pensamos no déficit migratório53, e considerando que um dos principais motivos da migração é por razões socioeconômicas, então haverá menos disponibilidade de pessoas em idade laboral, causando problemas para financiar sistemas que dependem de trabalhadores formais. Sobre o envelhecimento populacional e a inversão da pirâmide social é decadente para sistemas de repartição, pois haverão menos trabalhadores ativos que passivos, gerando desequilíbrio financeiro. Neste mesmo sentido, o auge das tecnologias e sua aplicação para assegurar melhores condições de vida e maior longevidade, também necessitará de mais recursos para garantir o pagamento de benefícios por períodos mais prolongados. Estas razões levaram a mudanças de diversas ordens: substitutivas, que fecham o sistema público e abrem espaço para um privado (Chile em 1980 e Bolívia em 1997); paralelas, que não fecham o serviço público previdenciário, mas o modifica parametricamente e cria em paralelo o sistema privado para competir
53 Professor da Faculdade de Direito de Ribeirão Preto – USP (FDRP/USP). Doutor em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo- PUC-SP. Graduado e mestre em Direito pela Universidade Metodista de Piracicaba - UNIMEP. Pós-graduado em Direito Tributário pela Pontifícia Universidade Católica de Campinas - PUC -Campinas. Líder do grupo de pesquisa GEDTRAB, da FDRP/ USP, cadastrado no CNPq sob o nome de “ A transformação do Direito do Trabalho na sociedade pós-moderna e seus reflexos no mundo do trabalho”. Membro do grupo de pesquisa RETRABALHO, Rede de grupos de pesquisas em Direito e Processo do Trabalho (CNPQ). Presidente da Comissão de Cultura e Extensão da FDRP/USP (2019/2021), Presidente do Programa de Pós-Graduação da FDRP/USP (2021/2023). Autor de artigos e livros na área. com o público (Peru em 1992); mistas, conformado por um programa público, que não está fechado para novos filiados e que concede benefícios básicos (primeiro pilar), sendo estes benefícios complementados com um programa privado (segundo pilar) (Argentina em 1994, Uruguai em 1995 e Costa Rica em 2001); e as paramétricas, como é o caso brasileiro, que mantêm os sistemas totalmente públicos e introduzem modificações relacionadas com o cálculo e acesso aos benefícios (amplia a idade de aposentadoria, aumenta a vida laboral, modifica a carência, fator previdenciário etc.).
Não obstante, estas reformas buscam reduzir a cobertura, sendo menos generosos com os benefícios ao invés de buscar outras formas de custeio, que possibilitem manter o nível de cobertura com novas formas de financiamento. Destarte, não é absurdo pensar que o discurso econômico vem em primeiro lugar, caminhando junto às tendências reformistas de corte de cobertura, justificadas na deficiência de custeio, quando o tema é a construção e a materialização do direito à previdência social, que continua sendo discutida sobre o ponto de vista financeiro e não como direito. Não que o aspecto financeiro para financiar o conteúdo prestacional deste direito fundamental não seja relevante, porque sim o é. E tem-se total consciência do que significa o custo dos direitos54 neste árduo trabalho democrático de construção securitária. Mas visualizá-lo
54 Quando existem mais pessoas em saindo que entrando no país. apenas desde esta perspectiva é minimizar a importância do discurso dos direitos na tentativa de construir o sistema ideal. É o que se passa a analisar em seguida.
3. PREVIDÊNCIA SOCIAL COMO DIREITO HUMANO E FUNDAMENTAL: RESGATANDO O DISCURSO DOS DIREITOS
Como segunda parte desta análise precisa-se resgatar a natureza do direito à seguridade social, que inclui a tutela previdenciária, para poder trazer à tona a compreensão do objeto que se busca reformar constantemente, e trata-lo conforme o seu núcleo essencial (dentro da perspectiva de direito sócio fundamental). Ainda que se visualizou a prevalência do discurso econômico na história da construção e reformas securitárias, não se pode esquecer que a seguridade social é reconhecida como direito humano. Os direitos humanos são “as condições da existência humana que permitem ao ser humano funcionar e utilizar plenamente os seus dons de inteligência e consciência para satisfazer as exigências fundamentais impostas pela sua vida espiritual e natural”55(SOLAR ROJAS, 2000, p. 21–22). O objetivo dos direitos humanos é efetivar a justiça social, que segundo o preâmbulo da Constituição da OIT, é o único caminho para alcançar a paz social.
Os direitos humanos representam verdadeiro esforço internacional para
55 Para mais detalhes ver (HOLMES; SUNSTEIN, 2011) e (PERSSON; TABELLINI, 2005) poder formular base mínima de direitos que alcance a todas as pessoas, como verdadeira lógica do direito a ter direitos(HERRERA FLORES, 2009, p. 23). Independentemente de todas as críticas que o universalismo e a ideologia por vezes descontextualizada dos direitos humanos56 podem trazer, eles seguem representando um processo necessário para a luta pela dignidade humana. Sendo assim, a comunidade internacional entende que a busca pela segurança/seguridade é parte da condição de existência que permite a outorga de dignidade às pessoas, sendo a seguridade medida de justiça social para alcançar a paz social. Logo, o artigo 22 da Declaração Universal de Direitos Humanos de 1948 determina que:
Art. 22 - Todo ser humano, como membro da sociedade, tem direito à seguridade social, à realização pelo esforço nacional, pela cooperação internacional e de acordo com a organização e recursos de cada Estado, dos direitos econômicos, sociais e culturais indispensáveis à sua dignidade e ao livre desenvolvimento da sua personalidade.
Esta declaração, ainda que com caráter de soft law57orienta os Estados na sua regulação e adoção de políticas públicas, consagrando a necessidade
56 Tradução livre do original em espanhol.
57 Para crítica completa nesta matéria ver (HERRERA FLORES, 2005).
de segurança/seguridade como eixo fundamental da atuação estatal.
Outras referências, seja como soft law ou hard law, aparecem consagrando o direito humano à seguridade social, tais como a Declaração Americana dos Direitos e Deveres do Homem de 1948, art. XVI; Convenção nº 102 da OIT, sobre Seguridade Social de 1952; Pacto Internacional Direitos Econômicos, Sociais e Culturais de 1966, art. 2º e art. 9º; Convenção Americana sobre Direitos Humanos de 1969, art. 26; e Recomendação nº 202 da OIT de 2012, sobre pisos mínimos de proteção social. Enquanto direito humano, a seguridade social carece de proteção pelas atuações judicias disponíveis no ordenamento interno (ROBLES, 1997, p. 20 e ss.), o que se soluciona pela via do reconhecimento como direito fundamental, consagrando o que é visto pela comunidade internacional como intangível, inalienável e imprescritível, no ordenamento interno (LEDESMA, 2004, p. 4 e 5).
A universalidade e distanciamento dos aspectos culturais e da idiossincrasia interna aos Estados, que é próprio dos direitos humanos, se reduz no momento em que há a sua incorporação à ordem constitucional, modificando o status do direito humano para direito fundamental.
Neste ínterim, mesmo sendo direito fundamental, não perde sua conexão com o plano internacional, devendo observar os princípios próprios dos direitos humanos de segunda dimensão que compreendem o princípio de complementariedade e interdependência dos direitos humanos, no sentido de que os direitos humanos existem em um mesmo conjunto de direitos que se complementam e para que se goze de um direito humano em plenitude, é preciso gozar de todos os demais; princípio da primazia da disposição mais favorável à pessoa humana (princípio pro homine), que determina a necessidade de buscar a melhor interpretação dos direitos humanos para sua aplicação mais favorável às pessoas; princípio da progressividade, pois são direitos graduais, contando com o Estados para garantir a melhoria gradual do desfrute de tais direitos; princípio da irreversibilidade, pois os Estados não podem piorar a condição de gozo e garantia dos direitos humanos; princípio da adequação aos critérios estabelecidos pelos órgãos internacionais competentes, pois o conteúdo destes direitos humanos deve corresponder à forma que efetivamente rege no plano internacional; e o princípio da auto execução ou auto aplicabilidade, já que os direitos humanos, independentemente da sua dimensão, têm aplicabilidade imediata e podem ser exigidos do Estado(BARBAGELATA, 2008, p. 7 e ss.). O Estado brasileiro reconhece o direito à seguridade social como direito fundamental, estabelecendo-o como parte da Ordem Social, que objetiva o bem-estar e a justiça social (art. 193), o que compatibiliza esta arquitetura com a ordem internacional dos direitos humanos. Ademais, a define como conjunto integrado de ações de iniciativa dos Poderes Públicos e da sociedade, destinadas a assegurar os direitos relativos à saúde, à previdência e à assistência social (art. 194). Com esta estrutura, resta difícil compreender que os argumentos econômicos prevaleçam sobre a configuração do direito humano e fundamental pois, ao invés de buscar a progressividade, eficiência, e atuar no favor da complementariedade e interdependência e da irreversibilidade, o discurso apocalíptico da insustentabilidade do sistema tem sido utilizado constantemente para justificar a redução da cobertura por meio de reformas paramétricas ao longo da nossa história previdenciária.58
Ao invés de sustentar e centralizar
58 Segundo Mazzuoli(2020, p. 116 e 117), há normas de Direito Internacional não obrigatórias, que deixam aos destinatários certa margem de apreciação no que toca ao cumprimento de seu conteúdo. Por esta razão, por soft law (direito plástico, direito flexível ou direito maleável) entende-se todas as normas menos constringentes, seja porque não possuem o status de “normas jurídicas”, seja porque os seus dispositivos não geram obrigações de direito positivo aos Estados. Logo, estas normas carecem de elementos que garantam a sua efetiva aplicação, servindo muito mais para regulamentar futuros comportamentos dos Estados, norteando sua conduta e dos seus agentes, além de estabelecer programa de ação conjunta, mas sem pretender enquadrar-se no universo das normas convencionais, cujo traço principal é a obrigatoriedade de cumprimento do que ali ficou acordado. o discurso reformista nos fatores que realmente são prejudiciais ao sistema de repartição solidário, como é o brasileiro, e que são certos, precisa-se resgatar o discurso dos direitos e encontrar os caminhos para que a previdência seja mais inclusiva (trabalhadores informais, não trabalhadores etc.) e garanta cobertura que permita a existência digna com o sistema securitário.
Se há cada vez mais informalidade, é preciso encontrar formas de obter contribuições sociais sem depender do mercado formal de trabalho. Se há tendências de envelhecimento da população, é preciso encontrar alternativas ou complementos à repartição para reequilibrar a menor presença de trabalhadores.
Enfim, o que se pretende é determinar que as alternativas ao custeio precisam ser o enfoque, visando a concretização do direito humano e fundamental à seguridade social (neste viés previdenciário), e não deteriorar o sistema mantendo os erros no custeio que estava pensado para a lógica do pleno emprego (nunca alcançado), da formalidade (cada vez menos frequente) e do financiamento imediatista (repartição sem pensar em poupanças pelos excedentes – como a capitalização parcial coletiva).
Tanto é possível pensar nestas formas alternativas para preservar as taxas de
substituição59 e manter o foco no direito, muito mais que no aspecto meramente econômico, é que alguns países estão provando iniciativas de contribuição sobre consumo, como o caso da China e Espanha. A Startup Pensumo, por exemplo, utiliza o slogan: “sua compra diária, sua pensão futura”. Ainda que esta startup se conforme como medida de previdência complementar, esta iniciativa idealizou formas de custeio por esta mecanismo, como na China que inaugurou o Plano de Regulação e Gestão das Pensões por Consumo (PCPC) (COMUNICAE.ES, 2021). Claramente esta discussão foge do escopo deste trabalho, mas pretendese alertar sobre alternativas viáveis que precisam começar a ser implementadas para consagrar sistemas mais inclusivos e financeiramente sustentáveis, que permitam realismo na consagração do direito prestacional à previdência social, com progressividade e com miras à
59 Ver, por exemplo no ano de 1995, onde a lei nº 9.032, os cálculos dos benefícios foram alterados, houve unificação das alíquotas do benefício de auxílio acidente, fim da possibilidade de conversão do tempo especial em comum, entre outras modificações; no ano de 1998, em que a EC nº 20 reformou o RGPS, extinguiu a aposentadoria por tempo de serviço e estabeleceu outras diretrizes para os demais regimes; no ano de 1999 em que Novamente houveram modificações substantivas no cálculo dos benefícios e foi introduzido o fator previdenciário (Lei nº 9.876); no ano de 2003, com a Emenda Constitucional nº 41 houveram reformas no Regime Próprio de Previdência Social (RPPS) com reflexos no RGPS; e no ano de 2019, com a Emenda Constitucional n.º 103, com a extinção da aposentadoria por tempo de contribuição, aumento da idade mínima de aposentadoria para a mulher (62 anos), modificação nos valores e acesso da pensão por morte, modificação no cálculo dos benefícios (sem possibilidade de descarte dos 20% menores salários de contribuição), implementação da idade mínima para a aposentadoria especial, mudanças na natureza de verbas trabalhistas, desconsiderando seu caráter remuneratório e debilitando o custeio previdenciário (Lei n.º 13.467/2017, art. 457 da CLT), entre outro. consagração de todos os princípios de direitos humanos de segunda dimensão.
4. CONCLUSÃO
A América Latina é marcada por crises econômicas que tiveram importantes consequências na garantia de direitos prestacionais.
As discussões no surgimento e na reforma dos sistemas securitários na região acompanham os modelos de crescimento econômico e austeridade, sem autonomia e orientados para o cumprimento dos objetivos macroeconômicos, considerando a seguridade social com um gasto a ser controlado.
Ademais, outros fatores apontados pela doutrina estão conectados com o discurso fatalista/apocalíptico que pretende obter apoio popular ou apenas o conformismo para modificar o sistema, ofertando benefícios menos vantajosos. Estes fatores englobam o aumento da informalidade, a globalização, o surgimento de novas formas de trabalho que geram zonas grises, a longevidade, a diminuição na taxa de natalidade, as migrações, entre outros.
Não obstante, independentemente deste discurso, não se pode excluir dos debates a característica da seguridade social como direito humano e fundamental, no sentido de obter a justiça social e materializar a paz social. Por estas razões, alternativas devem ser encontradas para ampliar e diversificar o custeio, e não reduzir simplesmente os benefícios, tendo em conta que existem importantes e interessantes experiências que se orientam nesse sentido.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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Tatiana Conceição Fiore de Almeida60
RESUMO Entre projetos reformistas que pretendem resolver um dos maiores entraves ao desenvolvimento brasileiro, qual seja a falência econômica do setor público, e entre as mirabolantes estratégias, vira e mexe resvalamos na Capitalização da Previdência, através de uma polpuda cesta de ações mais valorizadas do mercado e sua autonomia para poder ser planejada em longo prazo, a estrutura baseada em equilíbrio orçamentário e a prática atuarial de considerar separadamente subgrupos populacionais com marcantes diferenças em seus níveis e estruturas de mortalidade. Enquanto que a Previdência Social implica as transferências intergeracionais que se fundamentam na existência e manutenção de uma solidariedade e dinâmica estatística-demográfica.
PALAVRAS-CHAVE Sistemas Previdenciários; Repartição simples; Capitalização Total; Sistemas Mistos; Solidariedade Intergeracional e Impacto do Princípio da Solidariedade.
60 Equivalente ao que se ganhava em atividade laborativa com respeito ao benefício obtido. Exemplo: se certa(a) trabalhador(a) ganhava salário de R$ 3.000,00 e recebe aposentadoria no valor de R$ 2.250,00 há taxa de substituição de 75%, pois o benefício representa 75% do que ele(a) recebia em atividade. 1. INTRODUÇÃO
Muito se fala Capitalização e Repartição Simples – aliás este tema que nunca saiu de pauta, ressurgiu e ganhou novos contornos o diálogo nos debates da Reforma da Previdência Social, quando o Ministro da Economia Paulo Guedes, tentou incluir na proposta enviada ao Congresso em fevereiro de 2019, a previsão de um regime de capitalização, sob a justificativa de que: “A capitalização é uma espécie de poupança que o próprio trabalhador faz para assegurar a aposentadoria no futuro, enquanto que o regime atual é o de repartição, pelo qual o trabalhador ativo paga os benefícios de quem está aposentado”. O que o Governo Federal não contou à Nação é que o projeto de reformista de capitalizar a previdência social tratava de um projeto de reforma fiscal que pretendia resolver um dos maiores entraves ao desenvolvimento brasileiro, a falência econômica do setor público. O objetivo aqui não é discutir o projeto em si, o que mereceria até um comentário especial ousando comparar com as tentativas anteriores, mas apenas abordar responsabilidade social, da Previdência, sob a perspectiva do impacto da solidariedade intergeracional. Ao migrarmos de Repartição Simples para Capitalização, a pergunta que me faço é, diante da dinâmica demográfica, qual o Custo desta transição?
E diante de uma comparação teórica entre as características do sistema de repartição simples e o de capitalização total, e examinando alterações específicas que podem afetá-los como os índices de mortalidade e fecundidade, se de fato essa proposta serviria para “democratizar” o sistema previdenciário, “acelerar” o ritmo de crescimento e “estimular” o aumento de produtividade.
E dentro de todo esse conjunto de análises tenho realizado conjecturas sobre um sistema misto, que incorpora na sua forma de estruturação, aspectos desses dois modelos de sistemas previdenciários.
2. O IMPACTO DA SOLIDARIEDADE INTERGERACIONAL NA DINÂMICA DO REGIME DE REPARTIÇÃO SIMPLES E DE “CAPITALIZAÇÃO.
O Princípio da solidariedade consiste na responsabilidade coletiva das pessoas entre si na realização das finalidades do sistema e envolve o concurso do Estado no seu financiamento.
Nos termos do artigo 3º, inciso I, da Constituição Federal de 1988, o qual preceitua que constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil, o de construir uma sociedade livre, justa e solidária; para garantir o desenvolvimento nacional; erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais; com a finalidade de promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.
Importante destacarmos que embasado no artigo 8º, da Lei n.º 4 de 16 de janeiro de 2007, o princípio da solidariedade concretiza-se: no plano nacional, no plano laboral e no plano intergeracional.
No plano nacional, através da transferência de recursos entre os cidadãos, de forma a permitir a todos uma efetiva igualdade de oportunidades e a garantia de rendimentos sociais mínimos para os mais desfavorecidos; no plano laboral, através do funcionamento de mecanismos redistributivos no âmbito da proteção de base profissional; e no plano intergeracional, através da combinação de métodos de financiamento em regime de repartição e de capitalização.
Desta feita, importante esclarecer que a solidariedade deverá assumir papel subsidiário e não exclusivo, como panaceia de eventuais insustentabilidades.
Ouso aqui até a reproduzir Carlos Marti Buffil, quando o In Derecho de Seguridad Social – Las prestaciones, Madri, 1964, p. 46/7; quando diz: “[...] Realmente se o estado assumir de forma integral a solução dos problemas econômicos individuais, mantendo por intermédio das prestações previdenciais a mesma renda que o segurado recebia antes da ocorrência da contigência, o sentimento de responsabilidade individual ficará debilitado”. Lembrando o que diz Mose Casteliano, em La sicurezza sociale e le improvvisazioni in Revista “Previdência Sociale” apude Ercole Screbo. Condições e limites da seguridade social, revista “Previdência Social”, INPS, n.º 14, 1969, p. 50. “[...] o excesso de seguridade social reduziu os trabalhadores a assistidos passivos, prontos a imprecar contra qualquer pagamento de impostos e reclamando sempre um aumento de prestações, outorgadas com o aparente caráter de gratuidade”.
No âmbito do direito previdenciário, não obstante o estado social tenha o papel de garantir aos seus membros um nível adequado de realização dos direitos à segurança social e, para tanto, deva sempre levar em conta o princípio da solidariedade intergeracional; os demais atores que participam do sistema também tem o dever de observar tal princípio.
Isso porque a concessão banalizada de benefícios, sem a observância de critérios preestabelecidos prejudica diretamente não somente o próprio sistema securitário, mas também outros setores da sociedade uma vez que implica em certa medida na falta de recursos para a garantia de direitos como saúde, educação, habitação etc..
Se a previdência social, por sua natureza, é técnica-científica desenvolvida com vistas nas gerações futuras, compreendo que os recursos amealhados devem ser preservados por décadas, e para tanto seria necessários planos em longo prazo, tomando como base a dinâmica demográfica, e expertise matemáticofinanceiro, atuaria e estatística, - e isso não aconteceu, nem está acontecendo.
O modelo de 1923 (Eloy de Miranda Chaves), baseado na Alemanha de 1883, pensado por Otto Von Bismarque envelheceu no pós-guerra diante do processo de industrialização e urbanização. O modelo de 1954, da Inglaterra de 1942, escrito pelo Willian Beveridge, descrito na LOPS, foi incapaz de suportar as transformações econômicas e sociais supervenientes, de modo que os pequenos superávits autorizaram a criação de novos benefícios, obrigando a Constituição de 1967 a dispor sobre a precedência do custeio e défcits determinaram a majoração da alíquota ou da base de cálculo.
Digo isso, pois desde a implantação da experiência chilena se pretende a privatização segmental, parcial ou total da previdência social, compromissados com o lucro, objetivando tão somente benefícios de risco programados, sob o regime financeiro de capitalização, baixa ou nenhuma solidariedade num país onde uma parcela significativa da população não tem capacidade contributiva, assistencializando ainda mais o sistema previdenciário. A pressão social é legitima, porém contrária aos interesses da distribuição de rendas e riquezas, sendo um abissal retrocesso em matéria de proteção social, se em 1970, tínhamos uma complexa estrutura industrial e um mercado urbano crescente integrado, mas com baixos salários, pobreza absoluta e concentração da renda; em 1988 observamos uma alteração dinâmica do mercado de trabalho, com ampliação da informalidade; em 1990 o Brasil do crescimento e da mobilidade social parece ter desaparecido, esvanecendo o sonho de uma melhor distribuição de renda e de uma sociedade mais justa, reforçou o discurso neoliberal para a reforma da previdência, sob forte justificativa da grave situação financeira do sistema de proteção social, aglomerado no Sistema Nacional de Seguridade Social.
Em todas as reformas da previdência, o apego a dados econômicos, de altas taxas de desemprego, comprometendo a arrecadação das receitas de contribuição, aumenta de despesas com programas sociais, problemas com equilíbrio atuarial na relação contribuintes – beneficiários, e dados demográficos de taxa de fecundidade / envelhecimento populacional, versus taxa de mortalidade, fragilizou os princípios da proteção previdenciária, entre eles o da Solidariedade, na modalidade intergeracional.
A solidariedade intrageracional é pressuposto da solidariedade intergeracional. Enquanto solidariedade horizontal, diante de situações de crise econômicofinanceira, destaca-se como extremamente importante para diminuir o fracasso do papel estatal na realização dos direitos econômicos, sociais e culturais. Nesse contexto, para que tal solidariedade possa atuar de forma mais efetiva, essencial que sejam estimuladas praticas de transparência e de publicidade por parte do poder público.
A solidariedade intergeracional, uma vez que representa uma dimensão mais recente de solidariedade, tem intrínseco vínculo com a sustentabilidade, a qual é condição inerente não só para a existência do meio ambiente, mas também para a previdência.
Para o direito previdenciário o raciocínio é que os recursos custeados devem ser utilizados racionalmente para que a previdência social consiga alcançar da melhor forma possível o seu escopo mesmo com a limitação de recursos financeiros.
A equidade intergeracional tem três dimensões: a filosófica; a jurídica; a política. A dimensão filosófica da equidade intergeracional desenvolve a teoria da responsabilidade, cujo arquétipo é o da responsabilidade parental, para explicar como é necessário um (novo) imperativo categórico que ultrapasse a noção kantiana de dignidade da pessoa humana e de solidariedade com o outro, baseada em uma (nova) responsabilidade, ínsita à existência do próprio ser e em relação não só à vida humana;
A dimensão jurídica da equidade intergeracional, assenta três princípios: o da diversidade das opções; o da conservação da qualidade; o da conservação do acesso. A observância desses princípios é fundamental à existência e desenvolvimento das futuras gerações.
Ambos se aproximam quando defende essa necessidade de um dever de cuidado das futuras gerações e seus recursos, o que implica em um compromisso ético-jurídico, o qual se traduz em uma palavra – responsabilidade, e é exatamente aqui que a equidade intergeracional tem na ideia-chave da ética da responsabilidade e de um dever para com o futuro, como seu fundamento ético-filosófico.
As questões envolvendo a equidade intergeracional são debatidas tanto no plano da Teoria Geral do Direito como no próprio Direito Previdenciário sobre a necessidade de nossa geração, sendo a beneficiária do legado transmitido pelas gerações passadas, tornar-se a guardiã do que é “capitalizado” pelo sistema para as gerações futuras.
Já a equidade intergeracional política recai sobre o interesse nas futuras gerações. Falar em futuras gerações, sobre pessoas indeterminadas, que não estão aqui ainda e não se sabe quando estarão, suscita uma série de problemas, principalmente quando se adentra o campo do Direito, por natureza pragmático e imediatista. Como conferir direitos a quem não tem existência nem representação? E por que razão a humanidade, também pragmática e imediatista, se preocuparia em assegurar tais direitos?
Há distintas teorias sobre justiça intergeracional, a de John Rawls situa os contratantes originais, aqueles que definirão os princípios de justiça estruturadores da sociedade, atrás de um véu de ignorância, sem qualquer informação a seu próprio respeito ou acerca dos demais; ao lado dela há a utilitarista de agir sempre de forma a produzir a maior quantidade de bem-estar, por Jeremy Bentham e John Stuart Mill; a do liberalismo lockeano onde qualquer poder estatal que não garantisse a vida dos cidadãos e o direito à propriedade privada não seria legítimo; a da reciprocidade indireta cooperação condicional de acordo com as normas; de Brian Barry; a das vantagens mútuas, onde todos podem sair ganhando (Gauthier); a do suficienticismo a qual devemos melhorar a situação de todos, de Brundtland; e a do igualitarismo revisitado, de Ronald Dworkin e Hannah Arendt.
As razões são diversas, mas da matriz constitucional, de onde tudo decorre com repercussão nas políticas públicas relativas aos objetivos da seguridade, observamos que é da gênese do liberalismo igualitário, descende a estrutura de princípios liberais à proteção social, com princípios de ordem neoliberal e de ordem neoconstitucional.
O Sistema Nacional de Seguridade Social é antagônico, entre o princípio de igualdade equitativa de oportunidades, e o da justiça social, isso porque, a democracia liberal, haurida no liberalismo igualitário, pressupõe o desenvolvimento como liberdade exigindo como corolário a liberdade individual como comprometimento social, mas com os fins e os meios do desenvolvimento para o sentido coletivo; e partindo da concepção de democracia política tem-se através do trabalho e livre iniciativa, vincula as políticas públicas do Estado do bem-estar social à produção de resultados políticos concretos que ratifiquem o critério de justiça social constitucional.
Tudo isso justifica o porquê vigora no Regime Geral da Previdência Social brasileiro o regime previdenciário de repartição simples (pay as you go), de filiação obrigatória, e pressupõe que quem está trabalhando paga os benefícios dos aposentados e pensionistas atuais. Logo, as gerações vindouras suportarão as aposentadorias da geração de agora.
Esse regime está fundamentado, portanto, numa situação demográfica de significativa reposição populacional, na qual a base da pirâmide etária será sempre proporcionalmente mais larga do que o vértice. O Sistema de repartição simples estrutura-se a partir de equilíbrios orçamentários de períodos transversais (imediatos), onde parte da renda dos ativos é revertida aos aposentados, enquanto que o sistema de capitalização total baseia-se em equilíbrios orçamentários longitudinais (em longo prazo), onde os pagamentos efetuados por todos os participantes são e empregados na constituição de um fundo necessário para os pagamentos das obrigações futuras relativas a contingências ou eventos não programados, que tenham probabilidade periódica de ocorrência.
É importante esclarecer que as contingências sociais são os eventos que impedem que o segurado possa manter o sustento próprio e o de sua família, e neste caso os eventos não programados seriam acidente, invalidez, morte e reclusão. Todavia, nem sempre a lei é clara na diferenciação dos dois regimes, igualando, por vezes, benefícios não-programados aos previsíveis.
No regime de capitalização (funding), cada pessoa forma um fundo (individual ou coletivo) em que são investidos pecúlios, destinados exclusivamente à sua aposentadoria. Wladimir Novaes Martinez faz a seguinte diferenciação entre o sistema de repartição e o sistema de capitalização: “Assim, frequentemente, o regime de capitalização é o próprio do neoliberalismo, enquadrado como poupança individual e disponível, da iniciativa privada, para o plano do tipo de contribuição, com baixo nível de solidariedade, hodierno e com tendência a se universalizar. Bom para as prestações programadas. Por outro lado, o regime de partição simples, ideologicamente seria social-democrático, técnica previdenciária, de iniciativa estatal, para o plano do tipo benefício definido, com elevada solidariedade, ultrapassado no tempo e com tendência a desaparecer. Própria das prestações programadas”.
A grande questão previdenciária que é discutida hoje se encontra na manutenção dos regimes de repartição.
Algumas correntes postulam a conversão total para um regime de capitalização (tendo o Chile como paradigma), outras pugnam por um sistema misto; outras pela manutenção absolta dos regimes de repartição. No caso específico da reforma previdenciária no Chile (1981), substituiu-se o sistema tradicional por um novo programa privado compulsório, totalmente capitalizado e administrado por entidades privadas, as Associações de Fundos de Pensão (AFPs), sendo o sistema público uma opção de second-best destinado às camadas mais pobres da população.
O grau de solidarismo do regime de repartição é patentemente maior em relação ao regime de capitalização.
Por isso, ponderando-se de uma forma sociológica, o regime de repartição equilíbrio orçamentário imediato e a capacidade de englobar toda a população o que o tornava bastante atrativo, a composição etária da população jovem como a do Brasil em comparação aos demais países europeus, e nos Estados Unidos, logo após o término da segunda guerra, ponto este que mudou visto o Brasil ser um país envelhecente, sob o prisma da taxa de natalidade/ fecundidade, digo isto, pois equilíbrios orçamentários implicam em transferências intergeracionais, que se fundamentam na existência e manutenção de uma solidariedade intergeracional, por sua vez no sistema de capitalização não ocorrem transferências inter e intrageracionais, devido a uma estruturação baseada em equilíbrios orçamentários e à prática atuarial de considerar separadamente subgrupos populacionais com marcantes diferenças em seus níveis e estruturas de mortalidade.
Diante deste cenário o sistema de capitalização começa ganhar contornos atrativos, e vendáveis a população, pois este é mais viável a inclusão de indivíduos com mais idades mais avançadas a partir do cálculo de um prêmio, proporcionalmente mais elevado.
Não-obstante, a despeito dos entraves demográficos e até mesmo laborais (o mercado informal prejudica o Regime Geral da Previdência Social, pois quem trabalha informalmente não contribui, mas vai precisar se aposentar), cabe ressaltar existe a possibilidade de coexistência dos regimes de repartição e capitalização.
Lembremos somente que, mesmo no campo de um regime puro de repartição, deve ser postada a égide legal no sentido de obstar a redução dos benefícios a valores que impossibilitem a subsistência de um ser humano.
As diretrizes que regem a Previdência Social estão pautadas no parágrafo único do art. 3º da Lei n.8.212/91, e do art. 2º da Lei n. 8.213/91, que são: - universalidade de participação nos planos previdenciários, mediante contribuição; - valor da renda mensal dos benefícios, substitutos do salário-de contribuição ou de rendimento do trabalho dos segurados, não-inferior ao do salário mínimo; - cálculo dos benefícios, considerando-se os salários-de-contribuição, corrigidos monetariamente; - preservação do valor real dos benefícios; - previdência complementar facultativa, custeada por contribuição adicional; uniformidade e de equivalência dos benefícios e serviços às populações urbanas e rurais; - seletividade e distributividade na prestação dos benefícios; - irredutibilidade do valor dos benefícios de forma a preservar-lhes o poder aquisitivo; - caráter democrático e descentralizado da administração, mediante gestão quadripartite, com participação dos trabalhadores, dos empregadores, dos aposentados e do Governo nos órgãos colegiados.
As recentes reformas pelas quais vêm passando o sistema previdenciário brasileiro refletem os múltiplos aspectos (gestões irresponsáveis, com utilização de critérios políticos na designação de gestores, mercado informal crescente, demografia etc.) que permeiam essa seara e que confluíram nos últimos tempos.
Entendendo que tanto o sistema hodierno oficial quanto o privado podem conviver sem problemas, isto é, um regime, não inviabiliza o outro; ao contrário, um complementa o outro. O regime de repartição possui um entrave financeiro, a abordagem atuarial e financeira deve ser levada em conta quando sopesamos o quanto a sociedade produz e contribui, e quanto pode ser pago aos aposentados; ficando claro que esses critérios de abordagem não podem servir de fonte exclusiva de uma análise previdenciária, sob pena de efetuarmos uma análise muito limitada.
A política econômica e tributária é também deletéria à manutenção das contribuições previdenciárias, segundo um contexto de falta de preservação e incentivo ao emprego e às contratações, digo isto, pois o Governo peca gravemente ao sobrecarregar as empresas de pequeno porte, porque é notório que são essas empresas as que mais empregam. Por conseguinte, não deveria haver sobrecarga, e sim incentivos que permitissem maiores investimentos e contratações, esse número mais elevado de contratações acarretaria, além do desenvolvimento do País, um maior aporte de recursos à Previdência Social por meio de contribuições. Todavia, preferem instituir uma verdadeira “derrama” na qual desde 1995 a carga tributária vem subindo drasticamente em relação ao nosso PIB, que, aliás, tende a diminuir a arrecadação, pois engessa a economia (o que podemos dizer é que sofremos os impactos desse efeito “cascata” na cadeia produtiva). O déficit previdenciário está intimamente tão profetizado, em breve será uma realidade. Quando ligado à política governamental falha. Como a Lei n. 8.212/91, art. 16, prevê que a União tem o dever de contribuir para Previdência Social, mediante os recursos adicionais do Orçamento Fiscal, a fim de cobrir eventuais insuficiências financeiras, o Tesouro Nacional acaba por suprir o déficit previdenciário. Isso significa que o País responde por parte dos custos previdenciários, e não somente os segurados. Esse custeio geral dos benefícios não é errado, diante da nossa Constituição, que levanta a égide da guarida social, é evidente que o Estado teria a obrigação de assumir eventuais déficits previdenciários provenientes de receitas menores do que despesas com aposentados, e o faz por meio de repasses a população. O empecilho a essa assunção dos custeios por parte de toda a população se manifesta no pélago de recursos que por vezes são despendidos. O gasto estatal com previdência tem como limite a inviabilização do desenvolvimento do País. Assim, não se pode permitir que os atuais padrões dos aposentados do Regime Geral da Previdência Social piorem. Nesse ponto, a Previdência Privada oferece um apoio marcante na manutenção dos atuais ganhos dos aposentados.
Em análise sobre a importância do enquadramento benefício previdenciário às necessidades humanas, o art. XXV da Declaração Universal dos Direitos Humanos, de 10 de dezembro de 1948: cria um laço utópico, e igualitário a nossa Constituição de 1988, quando diz: “Todo homem tem direito a um padrão de vida capaz de assegurar a si e sua família, saúde e bem-estar, inclusive alimentação, vestuário, habitação, cuidados médicos e serviços sociais indispensáveis e direito à segurança em caso de desemprego, doença, invalidez, viuvez, velhice ou outros casos de perda dos meios de subsistência em circunstâncias fora de seu controle”.
O equilíbrio financeiro e atuarial previsto no art. 201 da Constituição tem por escopo garantir a subsistência autônoma do Regime Geral da Previdência Social, sem a ocorrência de déficit.
Da mesma forma, o equilíbrio do empreendimento previdenciário privado também depende da observância dos cálculos financeiros e atuariais. Na Previdência Privada, esse equilíbrio é mais necessário, pois a União não está vinculada ao seu custeio, haja vista o notório caso de falência da Mongeral que é emblemático. Os contribuintes ficaram desamparados.
Aliás, é justamente esse equilíbrio financeiro e atuarial, a ser aplicado em todo o ambiente previdenciário, que erige uma espada de Dâmocles, sobre a fronte dos estudiosos do Direito Previdenciário e da Previdência em geral. Isso porque essa regra que pressupõe o equilíbrio do sistema amiúde afronta certos princípios universais do ser humano, tais como a solidariedade e a generosidade.
Devemos ainda considerar a fonte empírica da dinâmica demográfica, e as taxas de fecundidade e mortalidade.
É muito penosa a delimitação previdenciária circunscrita aos limites dos princípios matemático-financeiros do equilíbrio atuarial. Afinal, temos como estereótipo de beneficiário de qualquer regime de previdência o idoso, a pessoa que merece um tratamento diferenciado e especial dentro da sociedade.
Se a população é estável e não há crescimento salarial, o sistema de repartição simples é equivalente ao regime de capitalização total quando a taxa de crescimento populacional for igual à taxa de juros real, pois nesta situação ambos os sistemas proverão aos seus participantes a mesma taxa de retorno e o mesmo prêmio.
Isto é, o prêmio será igual se ambos os sistemas possuírem a mesma taxa de benefício e o sistema de repartição simples for baseado em taxas de benefícios fixas e prêmios variados. Partindo desse contexto, uma elevação ou de crescimento populacional ou de taxa de juros real resulta em um aumento da taxa de retorno e uma diminuição do prêmio tornando, respectivamente, um dos sistemas mais atraente para o contribuinte.
Para uma situação de crescimento salarial, caso a taxa de juros real seja igual a taxa de crescimento da população, e ocorra crescimento dos salários, então o sistema de repartição simples é mais vantajoso, pois sua taxa de retorno será igual ao crescimento populacional + 2 e o prêmio continuará igual, em contrapartida, no sistema de capitalização total o prêmio crescerá e a taxa de retorno cairá, pois a taxa de juros efetiva será igual a taxa de juros real -2. Em verdade, o regime de repartição simples é mais adaptável às variações do custo de vida do que o regime de capitalização mais vulnerável aos riscos inerentes às oscilações financeiras e econômicas.
A meu ver, existe um fator peculiar no Brasil que serve de subsídio à tese da manutenção do regime de repartição do Regime Geral da Previdência Social e jamais poderia ser olvidado: numerosas cidades brasileiras sobrevivem às custas dos benefícios do INSS. Realidade esta que ganhou destaque durante a pandemia frente às contingências sociais na área da assistência social: a pobreza extrema, o desamparo, e as Contingências sociais na área da saúde: a doença, a necessidade de medicamentos (inclusive de alto custo) e as necessidades sociais em termos preventivos (campanhas de vacinação, campanhas para prevenção de contágio e disseminação da doença), entre outras.
CONCLUSÃO
Em 2021, considerando cada região são provenientes dos benefícios do INSS, representando, portanto, a sobrevivência de populações inteiras.
Dessa forma, com relação à coexistência de regimes (público de repartição, e privado de capitalização), não procede a idéia de que o contexto demográfico do aumento da população idosa, conjuntamente com um decréscimo da taxa de fecundidade, obstaria totalmente a manutenção de um regime de repartição estatal, pois o Estado poderia arcar com um déficit (plausível) de cunho social que possibilite u m ganho oficial de subsistência aos aposentados. Entretanto, deve haver um suporte externo (uma válvula de escape) que complemente a renda auferida com o benefício previdenciário estatal. O regime de repartição deve figurar como uma garantia certa de subsistência do segurado na velhice (ou em outras contingências determinadas, como a invalidez). O envelhecimento da população, a queda da natalidade, o desemprego, e o crescimento dos mercados informais, estes são fatos que aumentam as despesas com benefícios e reduzem receitas de contribuições. Para enfrentar esses desafios é necessário buscar soluções baseadas no conceito clássico de Seguro Social, raiz da previdência, que difere da assistência e da poupança individual (capitalismo). Pela perspectiva da dinâmica demográfica, a solidariedade intergeracional nos impõe a responsabilidade de atualização periódica da legislação previdenciária, importante para incorporar tempestivamente novos aspectos sócios demográficos da população.
Sem pretender me alongar a respeito, limito-me a registrar uma preocupação especial que é a expansão do chamado modelo previdenciário chileno (um misto de caderneta de poupança com Fundo de Garantia por Tempo de serviço e elimina a solidariedade inerente ao Seguro, e principalmente à modalidade especial dele que é a Previdência Social), que vários países sul-americanos adotaram sem alterações substanciais, e quando isso ocorre à sociedade retroage, quer na natureza humana, quer na ordem social e econômica.
Ao versar sobre a solidariedade intergeracional é primordial que se conserve as opções das futuras gerações, bem como a qualidade dos benefícios e serviços da seguridade e o acesso a estes. Não obstante seja evidente a importância do princípio da solidariedade intergeracional no âmbito do direito previdenciário, a teoria da solidariedade intergeracional encontra limites como a ausência de representatividade política dos interesses das gerações futuras, a inexistência de imputação de responsabilidade das gerações futuras relativamente às precedentes; a impossibilidade de atestar com certeza a inocuidade e irreversibilidade de certas condutas; a dificuldade de explicar a necessidade de se modificar ou eliminar hábitos em nome de interesses hipotéticos das gerações vindouras. Por fim, um regime integral de Seguridade, não os enfraqueceria os impulsos individuais e atenuaria a livre iniciativa para conseguir um mais elevado nível de vida, mas contribuiria para aumentar algumas tendências que induzem o indivíduo à indolência, em consequência de um nível médio que lhe é providencialmente oferecido pela comunidade. Também eliminaria o princípio mutualista de seguro e enfraqueceria notavelmente o impulso pessoal para enfrentar o risco futuro com o sacrifício atual. Além disso, estancaria a fonte da economia individual, necessária ao progresso econômico. Sendo assim, é preciso fortalecer o senso de responsabilidade, que parece no momento apagar-se como miragem da seguridade universal. Tal miragem, de fato, enfraquece notavelmente os motivos que estimulam o homem a intensificar o seu trabalho e se arrisca a transferir alguns conceitos do campo da sociologia para a mitologia.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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O AMOR NOS TEMPOS DO STF
Márcia Hoffmann do Amaral e Silva Turri61
RESUMO O tema das famílias simultâneas ou paralelas retorna, na atualidade, como objeto de reflexão de juristas, filósofos, sociólogos, antropólogos, psicólogos, psicanalistas, escritores, jornalistas e tantos outros. O artigo pretende meditar sobre aspectos relacionados ao assunto a partir de entendimento recente do Supremo Tribunal Federal.
PALAVRAS-CHAVE Direito previdenciário, união estável, casamento, concomitância, interpretação.
61 Doutoranda pela UBA; Representante Brasil Cielo Laboral; Articulista Latin-Iuris, Coordenadora do núcleo de Seguridade Social da ESA.OAB/SP (2019-2021); Coordenadora da pós em Compliance Trabalhista e SST, pelo Centro Universitário Metropolitano de São Paulo (FIG-UNIMESP); Relatora da 4ª Turma de Benefícios da CAASP (2019-2021); Membro da Comissão de Direito Previdenciário da OAB/SP (2019-2021); C.E.O do ITC.TFA, Fundadora da Advocacia Tatiana Fiore d’Almeida, Professora, Autora. 1. INTRODUÇÃO
“Maioria dos ministros reafirma que Brasil é monogâmico”.62 Foi com essa chamada que a CNN Brasil noticiou que o plenário virtual do Supremo Tribunal Federal decidiu, por seis votos a cinco,63 que “amantes [sic] não têm direito de receber pensão por morte”. Expressões como o “Brasil é monogâmico” e “amantes não têm direito [...]” padecem de rigor técnico, mas é interessante observar sua força persuasiva perante o público em geral. Como destaca Jorge Larrosa Bondía,64 professor na Universidade de Barcelona, “as palavras produzem sentido, criam realidades e, às vezes, funcionam como potentes mecanismos de subjetivação”. E continua:
Eu creio no poder das palavras, na força das palavras, creio que fazemos coisas com as palavras e, também, que as palavras fazem coisas conosco.
As palavras determinam nosso pensamento porque não pensamos com pensamentos, mas com palavras, não pensamos a partir de uma suposta genialidade ou inteligência, mas a partir de nossas palavras. E pensar não é somente “raciocinar”
62 Juíza Federal, Mestre e Doutora em Ética e Filosofia Política pela Universidade de São Paulo.
63 CNN Brasil, 15 dez. 2020. Disponível em: https://www. facebook.com/watch/?v=130271778769978. Acesso em: 18 nov. 2021.
64 Julgamento do Recurso Extraordinário 1.045.273/SE, leading case do Tema 529. ou “calcular” ou “argumentar”, como nos tem sido ensinado algumas vezes, mas é, sobretudo, dar sentido ao que somos e ao que nos acontece. E isto, o sentido ou o sem-sentido, é algo que tem a ver com as palavras (LARROSA BONDÍA, ibid., p. 21).
Descrer do poder e da força das palavras significa ignorar, por exemplo, a quantidade assombrosa de relações duradouras que começaram a partir de um eu te amo! O Supremo Tribunal Federal não afirmou, ao decidir o conflito de interesses veiculado no Recurso Extraordinário 1.045.273/SE, que o comportamento do brasileiro médio65 é essencialmente monogâmico. Tampouco cuidou dos amantes ou do suposto direito dos amantes, no sentido comezinho do termo.66 Não obstante, é de amor, no fundo, que se trata. Tanto a situação subjacente ao Tema 529, noticiada pela CNN Brasil, quanto à do Tema 526. E tantas outras configurações familiares plúrimas com as quais nos deparamos no cotidiano. Arranjos que falam, em suma, de amor.
Amor. Tão pequena, esta palavra. Palavra bela, preciosa. Sentimento forte e inacessível. Quatro
65 LARROSA BONDÍA, J. Notas sobre a experiência e o saber de experiência. Revista Brasileira de Educação, Rio de Janeiro, ANPEd, n. 19, p. 20-28, Abr. 2002.
66 Valho-me da expressão brasileiro médio por analogia à ficção jurídica do homem médio: “o homem adulto, senhor de seus atos, consciente racionalmente do que faz (FERRAZ JUNIOR, 2003).