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GÊNERO

O INSS utilizará as informações constantes no Cadastro Nacional de

Informações Sociais – CNIS sobre os vínculos e as remunerações dos segurados, para fins de cálculo do salário-de-benefício, comprovação de filiação ao Regime Geral de

Previdência Social, tempo de contribuição e relação de emprego. No mesmo sentido, Decreto 3.048/99, art. 19:

“Os dados constantes do Cadastro

Nacional de Informações Sociais - CNIS relativos a vínculos, remunerações e contribuições valem como prova de filiação à previdência social, tempo de contribuição e salários-de-contribuição.” E também o art. 58 da Instrução Normativa 77/2015:

A partir de 31 de dezembro de 2008, data da publicação do Decreto nº 6.722, de 30 de dezembro de 2008, os dados constantes do CNIS relativos a atividade, vínculos, remunerações e contribuições valem, a qualquer tempo, como prova de filiação à Previdência Social, tempo de contribuição e salários de contribuição.

A obtenção desse cadastro se dá pelo acesso ao MEUINSS do segurado(a) feito pelo próprio ou então pelo patrono/ procurador devidamente constituído, desde que devidamente autorizado por um termo escrito149 .

Para o melhor aproveitamento desse cadastro, é por demais importante ao advogado(a) saber ler e interpretar o CNIS com o “mesmo olhar” do servidor previdenciário, atentando-se para o tipo de filiação no RGPS, relações previdenciárias, vínculos, remuneração e tempo de contribuição. Destaca-se ainda a importância dos indicadores do CNIS, que nada mais são do que indicativos do INSS ao trabalhador, e que refletem na carência, no tempo de contribuição e na aquisição/ manutenção da qualidade de segurado e por conseguinte, na entrega da prestação previdenciária. A seguir, algumas considerações.

3.1. INDICADORES QUE IMPACTAM NA CARÊNCIA E CONTAGEM DO TEMPO DE CONTRIBUIÇÃO

Sem pretensão de esgotar o assunto, e considerando a importância da abordagem quanto à carência e tempo de contribuição, destaco neste artigo alguns indicadores que revelam com antecedência ajustes que o Especialista em Planejamento Previdenciário deve ter ao interpretar o CNIS.

149 A partir Lei Geral de Proteção de Dados (Lei nº 13.709/2018) o profissional deve ter cuidado extremo ao manusear a senha MEUINSS do Segurado, cuja orientação é no sentido de, utilize-a apenas quando da autorização expressa do cliente. PREC-MENOR-MIN – Recolhimento realizado é inferior ao valor mínimo

Este é mais um daqueles indicadores comuns, revelando no caso, que o recolhimento da competência previdenciária foi inferior ao valor mínimo, necessitando do ajuste do complemento para que referida competência seja válida para tempo de contribuição/ carência no caso do segurado contribuinte individual/segurado facultativo.

Nas duas telas acima, situações comuns à execução do Planejamento Previdenciário: anterior ao dia 13.11.2019 o indicador PREC-MENOR-MIN tinha impacto apenas e tão somente aos contribuintes individuais e segurados facultativos, e refletiam duas situações: 1. Alteração de salário mínimo não observada pelo segurado; 2. Remuneração abaixo do salário mínimo não complementada pelo contribuinte individual e o facultativo. O que é posterior a 13.11.2019 poderá se estender também ao segurado empregado, doméstico e avulso, como já relatado anteriormente. Não há um número definido quanto aos indicadores no CNIS, e podemos ainda citar aqueles intitulados “PREC FACULT CONC”, pode significar que por má orientação o segurado inscrito em regime de previdência social está recolhendo concomitante como facultativo, o que é impedido por lei, ou poderá estar atrelado a um vínculo empregatício “SEM DATA FIM”, originando assim uma concomitância passível de regularização. Há ainda os recolhimentos referente aos Planos Simplificados que revelam a opção pela aposentadoria apenas e tão somente por idade (IREC LC 123), cuja recuperação pela aposentadoria por tempo de contribuição poderá vir na forma de recolhimento complementar entre outras situações, oriundas de uma boa análise do planejamento. O fato é, um CNIS com indicadores apontando ausência de vínculos, vínculos em aberto, vínculo com indicativo de exposição a agente nocivos (IEAN) já anunciam a quanto a advocacia especializada pode assessorar positivamente na regularização prévia do documento do segurado, e é a partir dessas possiblidades de acertos no

patrimônio previdenciário do trabalhador/ contribuinte que passamos a expor sobre a o serviço completo na advocacia previdenciária, ou, advocacia full service.

4. ADVOCACIA FULL SERVICE

A expressão estrangeira pode ser traduzida para nosso idioma como sendo uma advocacia completa, de serviço rápido e no contexto previdenciário traz exatamente a possibilidade de, no atendimento ao cliente apurar as hipóteses de correção de informações no CNIS, ajuste nas contribuições previdenciárias, análise de processos indeferidos ou concedidos com inobservância legal, e o resultado proporcionará ao segurado a concessão de uma aposentadoria, a antecipação do direito, o enquadramento da melhor regra de transição.

Ainda permite que se analise formulários técnicos para caracterização de atividade especial, outra hipótese de se antecipar a concessão de uma aposentadoria, e por vezes até mesmo o enquadramento e reconhecimento da aposentadoria especial.

É pelo serviço completo que ao protocolar um benefício de aposentadoria o servidor já toma conhecimento dos vínculos no CNIS que estão em aberto, os documentos que corroboram com referido pedido.

Ainda que não seja para instruir requerimento de aposentadoria, esse serviço “full” poderá agregar valor ao trabalho do profissional que, ainda que conclua pela aposentadoria em 2040, garantirá ao segurado que se mantenha filiado ao regime geral de previdência social, com as competência recolhidas na data certa e no valor mínimo exigido em lei, ou até mesmo poderá assegurar ao trabalhador que seus dados constantes no CNIS estejam atualizados no sistema em qualquer momento.

A advocacia “full service” é vista como aquela advocacia em que o cliente se mantém ao seu escritório, pois sabe que com seu olhar atento os requisitos materiais estarão sempre corretos.

Ah, e sabe aquele exemplo do S.r Joaquim, é nessa advocacia full service que ele fica ciente de como corrigir as competências abaixo do mínimo, de como proceder à atualização do CNIS, e quando e como poderá requerer um benefício devido à situação e análise.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

LIVROS

ARAÚJO, Maura Feliciano. Manual do Planejamento Previdenciário – 1. Ed. / Maura Feliciano de Araújo. – São Paulo: Editora Lujur, 2021;

ROBERT, Malcon. Qualidade de Segurado, período de graça e carência – volume 1 / Malcon Robert. – Teresina: Dinâmica Jurídica, 2019.

LEGISLAÇÃO

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado Federal, 1988.

BRASIL. Emenda Constitucional nº 103/2019. Brasília. DF: Senado Federal, 2019.

BRASIL. Planos de Benefícios da Previdência Social. Brasília. DF: Senado Federal, 1991.

BRASIL. Planos de Custeio da Previdência Social. Brasília. DF: Senado Federal, 1991.

BRASIL. Decreto nº 3.048/99. Brasília. DF: Senado Federal, 1999.

BRASIL. Decreto n° 10.410/2020. DF: Senado Federal, 2020.

BRASIL. Instrução Normativa da Previdência Social nº 77/2015. Brasília. DF: Senado Federal, 1991.

O PAPEL DO MANDADO DE SEGURANÇA NO DIREITO PREVIDENCIÁRIO

Alexsandro Menezes Farineli150

RESUMO O presente artigo aborda a aplicação do mandado de segurança e sua relação jurídica com o direito previdenciário, servindo de fonte para extirpar ilegalidades ocorridas no processo administrativo relativas ao princípio da ampla defesa e contraditório, para observância do devido processo legal, reconhecimento de direitos que podem ser comprovados através de prova meramente documental ou que muitas vezes dispensam tal necessidade, tal como aplicação da jurisprudência já consolidada.

PALAVRAS-CHAVE Mandado de Segurança. Direito líquido e certo, processo administrativo, prova documental, efetividade, celeridade, reabertura de processo administrativo, reconhecimento de direitos.

150 Advogado especialista em direito previdenciário, escritor de livros jurídicos e presidente da comissão previdenciária da OAB São Miguel Paulista. 1. INTRODUÇÃO

O presente artigo trata de situar e demonstrar que o mandado de segurança pode ser uma das melhores opções jurídicas junto ao direito previdenciário, ora para impor celeridade no processo administrativo, reabertura de tarefa, reconhecimento de tempo de contribuição ou de atividade especial onde a prova documental possa amparar a prestação da tutela jurisdicional. A Constituição Federal em vigor prevê em seu artigo 5º, inciso LXIX, a utilização do mandado de segurança pelo indivíduo que se sentir lesado em decorrência de atos ilegais praticados em desfavor mesmo decorrente de abuso de poder da autoridade pública ou qualquer pessoa jurídica que tenha como atribuição o exercício de função pública em suas atividades.

Vejamos:

CONSTITUIÇÃO FEDERAL DOS DIREITOS E DEVERES INDIVIDUAIS E COLETIVOS

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: LXIX - conceder-se-á mandado de segurança para proteger direito líquido e certo, não amparado por “habeas-corpus” ou “habeas-data”, quando o responsável pela ilegalidade ou abuso de poder for autoridade pública ou agente de pessoa jurídica no exercício de atribuições do Poder Público; Cumpre informar que o mandado de segurança também foi regulamentado pela Lei nº 1.533/51 ora revogada pela Lei nº 12.016/2009.

Vejamos a redação da lei nº 12.016/2009

Art. 1o Conceder-se-á mandado de segurança para proteger direito líquido e certo, não amparado por habeas corpus ou habeas data, sempre que, ilegalmente ou com abuso de poder, qualquer pessoa física ou jurídica sofrer violação ou houver justo receio de sofrê-la por parte de autoridade, seja de que categoria for e sejam quais forem as funções que exerça. § 1o Equiparam-se às autoridades, para os efeitos desta Lei, os representantes ou órgãos de partidos políticos e os administradores de entidades autárquicas, bem como os dirigentes de pessoas jurídicas ou as pessoas naturais no exercício de atribuições do poder público, somente no que disser respeito a essas atribuições.

O mandado de segurança surgiu no Brasil na Constituição Federal de 1934 para amparar direitos individuais não amparados pelo já existente “habeas corpus” que até aquela época, era utilizado para conter a atividade do Estado no que se refere ao abuso de poder. Sendo assim, qualquer atividade do Estado que implicasse na violação do direito do cidadão no aspecto das ilegalidades cometidas pelo poder público como já nos referimos, ou seja, no chamado abuso de poder, somente poderia ser impugnado juridicamente através do “habeas corpus” que tinha a função semelhante à do mandado de segurança.

Em 1937 com a vigência da nova Constituição Federal no Brasil, o mandado de segurança até então regulado pela Lei nº 191, foi suprimido do texto constitucional em nítido atraso para o fortalecimento da democracia e garantias dos direitos individuais do cidadão.

De sorte que os nossos tribunais a época insistiam em preservar os demais direitos individuais do cidadão não garantidos pelo “habeas corpus” já que a jurisprudência entendia naquele momento de transição constitucional, que, pelo fato do mandado de segurança não ter sido inserido na Carta Magna de 1937, isso não significava necessariamente, o seu fim em nosso ordenamento jurídico até porque o instrumento em questão estava previsto também na Lei Ordinária nº 191.

O quadro jurídico mudou com a entrada em vigor da Constituição de 1946 já que definitivamente ele foi acolhido em nosso direito, tendo em vista que nesta nova ordem constitucional ele figurou de forma expressa com a mesma função, ou seja, a garantia de direito líquido e certo.

Após este período este passou estar previsto nas Constituições de 1967 e 1969, sendo regulamentado como já dito anteriormente, pela revogada Lei nº 1.533 de 31 de dezembro de 1951, estando hoje previsto em nossa atual Constituição Federal de 1988 e pela Lei nº 12.016/2009.

2. DIREITO LÍQUIDO E CERTO

De Plácido e Silva em sua obra de nome Vocabulário Jurídicoconsidera que o direito líquido e certo referente ao mandado de segurança significa “os fatos apresentados pelo impetrante e que são demonstrados através de documentos ou que, ao menos não sofram impugnações quanto à sua existência”151 .

Direito líquido e certo para Nelson Nery Junior e Rosa Maria de Andrade Nery na obra denominada Código de Processo Civil Comentado (RT - 11ª edição – pag. 1695) é o direito que pode ser comprovado prima facie, por documentação inequívoca que deve ser juntada com a petição inicial do mandado de segurança.

151 DE PLACIDO E SILVA. Vocabulário Jurídico. 15 ed. Rio de Janeiro: Editora Forense. 1999. p. 274

Na visão dos juristas acima mencionados, a matéria de fato e de direito já deve estar comprovada logo de início no processo tendo em vista que não se admite dilação probatória no procedimento do Mandado de Segurança.

Destacam ainda os autores que a complexidade da matéria é irrelevante para a aferição da liquidez e certeza do direito.

3. NATUREZA JURÍDICA DO MANDADO DE SEGURANÇA

Para José Afonso da Silva em sua obra “Curso de Direito Constitucional Positivo (Malheiros - 17ª edição – pag. 448)”, o mandado de segurança é caracterizado como remédio constitucional com natureza de ação civil, posto à disposição dos titulares de direito líquido e certo, lesados ou ameaçados de lesão, por ato de omissão de autoridade pública ou agente de pessoa jurídica no exercício de atribuições do poder público.

O mandado de segurança é considerado para grande parte da doutrina ação de natureza civil de rito sumário especial sendo que o Supremo Tribunal Federal já consolidou entendimento nesta linha de raciocínio.

Em decorrência deste entendimento do STF, qualquer que seja a matéria do ato a ser impugnado, o mandado de segurança terá natureza civil com aplicação das regras do Código de Processo Civil para fins de julgamento. 4. CABIMENTO DO MANDADO DE SEGURANÇA O mandado de segurança previsto na Constituição Federal no artigo 5º LXIX e no artigo 1º da Lei nº 12.016/2009, poderá ser impetrado em favor da pessoa física ou jurídica para proteção do direito líquido e certo não amparado por “habeas corpus” ou “habeas data” na hipótese em que, de forma ilegal, houver abuso por parte da autoridade de qualquer categoria e de qualquer dos poderes públicos em detrimento do impetrante na defesa de seus interesses, neste caso, amparados pela lei.

Podemos entender como ato ilegal, aquele praticado por parte de autoridade que ofende o direito líquido e certo do indivíduo amparadona Constituição Federal.

O mandado de segurança especificamente no direito previdenciário possui finalidades bem específicas, assim, vejamos as palavras do ilustre magistrado e autor Renato Barth Pires:

“De uma forma geral, o mandado de segurança tem aplicação preferencial na correção de ilegalidades ocorridas no processo administrativo. Este tipo de ilegalidade é demonstrável mediante simples prova documental e o provimento jurisdicional que se requer é uma ordem expedida à autoridade impetrada, de forma a afastar a ilegalidade praticada. São casos, portanto, em que o mandado de segurança não só é cabível, mas

também preferível a outros tipos de ação”.152

Desta forma, temos que o INSS se encontra sujeito a ditames constitucionais tais como o devido processo legal, a duração razoável do processo entre outros.

CONSTITUIÇÃO FEDERAL

Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:

III - a dignidade da pessoa humana;

OS DIREITOS E DEVERES INDIVIDUAIS E COLETIVOS

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: XXXV - a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito; LXXVIII - a todos, no âmbito judicial

152 Mandado de segurança em matéria previdenciária: atualizado com o novo código de processo civil, Renato Barth Pires, 1ª edição, São Paulo, Editora Verbatim, 2017, Pág. 126 e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004)

Em face de disposições constitucionais temos que a autarquia previdenciária se encontra devidamente sujeita a estas mesmas normas jurídicas e deve respeitá-las sob pena de estar sujeita as suas consequências legais.

5. CONCEITO DE AUTORIDADE COATORA

A lei dispõe que o mandado de segurança poderá ser impetrado contra uma autoridade coatora, mas o que podemos entender deste conceito? Nossa atual Constituição Federal prevê que o mandado de segurança poderá ser impetrado contra autoridade pública ou agente de pessoa jurídica no exercício de atribuições do poder público ao passo que a Lei nº 12.016/2009 equipara às autoridades, os representantes ou órgãos de partidos políticos, administradores de entidades autárquicas, dirigentes de pessoas jurídicas ou pessoas naturais no exercício de atribuições do poder público.

Desta forma, temos que ato de autoridade é toda manifestação praticada por esta no exercício de suas funções, equiparando-se a elas o agente de pessoa jurídica no exercício de atribuições do Poder Público, assim, será a parte impetrada a autoridade e não a Pessoa Jurídica ou o órgão a que pertença.

Note-se que na expressão: responsável pela ilegalidade ou abuso de poder, faz pressupor que a autoridade coatora é aquela que detém na ordem hierárquica poder de decisão e é competente para praticar os atos administrativos decisórios. Sobre o tema brilhantemente Helly Lopes Meirelles, ensina que:

“Ato de autoridade é toda manifestação ou omissão do Poder Público ou de seus delegados, no desempenho de suas funções ou a pretexto de exercê-las. Por autoridade entende-se a pessoa física investida de poder de decisão dentro da esfera de competência que lhe é atribuída pela norma legal. Deve-se distinguir autoridade pública do simples agente público. Aquela detém, na ordem hierárquica, poder de decisão e é competente para praticar atos administrativos decisórios, os quais, se ilegais ou abusivos, são suscetíveis de impugnação por mandado de segurança quando ferem direito líquido e certo; este não pratica atos decisórios, mas simples atos executórios, e, por isso, não responde a mandado de segurança, pois é apenas executor de ordem superior. (...) Considerase autoridade coatora a pessoa que ordena ou omite a prática do ato impugnado, e não o superior que o recomenda ou baixa normas para sua execução. Não há que confundir, entretanto, o simples executor material do ato com a autoridade por ele responsável. Coator é a autoridade superior que pratica ou ordena concreta e especificamente a execução ou inexecução do ato impugnado e responde pelas suas consequências administrativas; executor é o agente subordinado que cumpre a ordem por dever hierárquico, sem se responsabilizar por ela (...) Incabível é a segurança contra autoridade que não disponha de competência para corrigir a ilegalidade impugnada. A impetração deverá ser sempre dirigida contra a autoridade que tenha poderes e meios para praticar o ato ordenado pelo Judiciário; tratando-se, porém, de simples ordem proibitiva (não fazer), é admissível o writ contra o funcionário que está realizando o ato ilegal, a ser impedido pelo mandado. Um exemplo esclarecerá as duas situações: se a segurança objetiva a efetivação de um pagamento abusivamente retido, o mandado só poderá ser dirigido à autoridade competente para incluí-lo na folha respectiva; se visa à não efetivação desse mesmo pagamento, poderá ser endereçado diretamente ao pagador, porque está na sua alçada deixar de efetivá-lo diante da proibição judicial. Essa orientação funda-se na máxima ‘ad impossibilita

nemotenetur’: ninguém pode ser obrigado a fazer o impossível. Se as providências pedidas no mandado não são da alçada do impetrado, o impetrante é carecedor da segurança contra aquela autoridade, por falta de legitimação passiva para responder pelo ato impugnado. A mesma carência ocorre quando o ato impugnado não foi praticado pelo apontado coator.” (in Mandado de Segurança, 18ª edição, Malheiros editores, págs. 31 e 54/55). em relação a processamento e julgamento de mandados de segurança contra juízes e promotores no que se refere à prática de atos abusivos e ilegais cometidos por eles.

7. DA IMPOSSIBILIDADE DE IMPETRAÇÃO DO MANDADO DE SEGURANÇA

Tão importante quanto saber quando é possível a sua impetração, é necessário saber que lei prevê expressamente situações onde o mesmo não cabível.

Lei 12.016/2009.

Art. 5o Não se concederá mandado de segurança quando se tratar: I - de ato do qual caiba recurso administrativo com efeito suspensivo, independentemente de caução; II - de decisão judicial da qual caiba recurso com efeito suspensivo; III - de decisão judicial transitada em julgado.

6. COMPETÊNCIA PARA PROCESSAMENTO E JULGAMENTO DO MANDADO DE SEGURANÇA

No que diz respeito à competência do Poder Judiciário para processamento e julgamento do mandado de segurança, temos que analisar se a autoridade coatora exerce função federal na forma delegada ou concedida pelo poder público federal conforme dispõe o artigo 2º da lei 12.016/2009.

No que se refere ao mandado de segurança, podemos concluir que a competência para processamento e julgamento é estabelecida pela natureza da autoridade impetrada, ou seja, a qualidade de quem ocupa o polo passivo da relação processual, neste artigo como teremos uma autarquia federal, a competência será da justiça federal.

Devemos nos atentar sobre as regras de competência originária dos Tribunais Pelo que dispõe o artigo 5º da Lei do mandado de segurança, não é possível a sua utilização nas hipóteses em que o ato praticado pela autoridade seja passível de impugnação através de recurso administrativo com efeito suspensivo, independentemente de caução. Neste caso, haverá falta de interesse processual da parte devendo o juiz extinguir o feito sem resolução do mérito tendo em vista que o impetrante poderá prosseguir na via administrativa.

8. POSSIBILIDADES DE UTILIZAÇÃO DO MANDADO DE SEGURANÇA NO DIREITO PREVIDENCIÁRIO

O direito previdenciário possibilita inúmeras situações onde a sua utilização poderá alcançar resultados positivos e de forma mais célere se comparada com ações de procedimento comum, especialmente em época pós-reforma da Previdência Social e com notícias de mais um milhão de requerimentos administrativos represados. Desta feita, podemos chamálo verdadeiramente de “remédio constitucional” porque existem situações que se deixarmos seguir o seu fluxo considerado “normal” estas se perpetuarão pelo tempo. Quem habitualmente lida com os recursos administrativos e demais processos que seguem o rito ordinário, sabe que determinado litígio poderá muito bem ficar por anos aguardando a solução final.

Desta forma se houver a possibilidade de utilização do mandado de segurança no lugar de uma ação de procedimento comum, poderá ser uma ótima solução.

Vejamos algumas situações que comportam a utilização do mandado de segurança: 8.1 ULTRAPASSADO O PRAZO LEGAL PARA RESPOSTA PELO INSS A autarquia previdenciária possui o prazo legal de efetuar o primeiro pagamento do benefício no prazo de 45 dias após a entrega da documentação necessária para sua análise, esta previsão se encontra no artigo 174 do decreto 3048/99.

Cabe destacar que na lei do processo administrativo federal o prazo é de 30 dias para decidir, salvo pedido de prorrogação devidamente justificada.

LEI Nº 9.784, DE 29 DE JANEIRO DE 1999.

Art. 49. Concluída a instrução de processo administrativo, a

Administração tem o prazo de até

TRINTA dias para decidir, salvo prorrogação por igual período expressamente motivada. (grifo nosso)

Entretanto, este prazo raramente é cumprido, uma vez que a autarquia manda aguardar um comunicado em casa.

O prazo concedido é mais do que razoável para que o INSS se manifeste e faça uma primeira análise dos documentos apresentados e se necessitam de complementação ou não.

Devemos ressaltar que nos encontramos na era da tecnologia e muitos dos dados já se encontram devidamente cadastrados pelas empresas através do sistema de conectividade social.

Cabe destacar que o STF em 05/02/2021, homologou acordo entre o INSS e o MPF relativo aos prazos para conclusão dos processos administrativos. O acordo foi homologado por meio do Tema 1.066 (RE 1.171.152/SC), de repercussão geral, e alterou os prazos administrativos.

Vejamos abaixo os prazos administrativos estipulados em comum acordo:

BENEFÍCIO

Bene cio assistencial

Aposentadorias

Aposentadoria por incapacidade permanente (por invalidez)

Salário maternidade

Pensão por morte

Auxílio reclusão

Auxílio por incapacidade temporária (auxílio-doença)

Auxílio-acidente PRAZO

90 dias

90 dias

45 dias

30 dias

60 dias

60 dias

45 dias

60 dias

O início dos prazos acima ocorrerá após o encerramento da instrução do requerimento administrativo, ou seja, a partir da realização da perícia médica e avaliação social, quando necessária, ou a partir do requerimento para a concessão inicial dos demais benefícios.

Cabe inicialmente destacar que tivemos alteração de prazos regularmente previstos em lei, mesmo sem a intervenção do Congresso Nacional, uma que este possui a função típica de legislar.

8.2 EXPEDIÇÃO DE CERTIDÃO DE TEMPO DE CONTRIBUIÇÃO

A expedição de Certidão do Tempo de Contribuição deveria ser algo simples de requerer e fácil para o INSS cumprir, entretanto, não é o que encontramos na prática.

Ressaltamos que inúmeras pessoas que trabalharam em regimes diversos podem aproveitar o período laborado em determinado regime e levá-lo para outro, não podendo fazer uso do mesmo duas vezes ou mais.

Um dos clássicos exemplos destas certidões é a pessoa iniciar a sua vida laboral na iniciativa privada e depois prestar um determinado concurso público e desejar completar o tempo de serviço para se aposentar. Na lei 8.213/91 encontramos a contagem recíproca no artigo 94 e no decreto 3048/99 a partir do artigo 125 e seguintes.

Com apoio nesta previsão legal a jurisprudência vem sendo uma grande fonte de apoio para o segurado quando tem negativa do INSS em fornecer a Certidão de Tempo de Contribuição. 8.3 SUSPENSÃO INDEVIDA DO BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO

A autarquia abusar de seu poder é algo comum em nosso dia a dia, e para isto basta verificarmos as situações nas quais a mesma suspende ou cessa o pagamento dos benefícios de seus segurados sem oferecer a estes a possibilidade do exercício da ampla defesa e do contraditório. Vivemos num Estado Democrático de Direito onde todos possuem a oportunidade de apresentar sua defesa ou a sua própria versão dos fatos, havendo violação deste direito, o mandado de segurança é uma excelente opção.

8.4 DESCONTOS INDEVIDOS NO BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO

Mesmo quando o segurado deve fazer devolução de valores que tenha recebido de forma indevida, o INSS deve respeitar os limites previstos em lei.

A devolução não é simplesmente feita da forma desejada pela Autarquia, ou seja, o segurado possui o amparo do Poder Judiciário para se defender de eventuais ilegalidades.

8.5 REVISÃO E RECÁLCULO DA RENDA MENSAL INICIAL

Algumas espécies de revisão do benefício previdenciário já se encontram pacificadas na jurisprudência e a prova deste direito se faz apenas com a apresentação de documentos, ou seja, é possível realizar através de Mandado de Segurança, quando estivermos diante de uma negativa administrativa quanto a este direito.

8.6 RECONHECIMENTO DE PERÍODO ESPECIAL

Sendo possível a produção de provas documentais para comprovação do período a ser reconhecido como especial, é plenamente possível a impetração do mandado de segurança.

8.7 MANDADO DE SEGURANÇA COMO SUBSTITUTIVO DE RECURSO

Temos que o mandado de segurança pode ser utilizado como substitutivo de recurso, quando da ausência legal de meio específico de ataque para aquela decisão. Detalhamos apenas que não poderá ser aceito de forma irrestrita, uma vez que o próprio writ prevê situações específicas para seu cabimento.

8.8 MANDADO DE SEGURANÇA NOS BENEFÍCIOS POR INCAPACIDADE

Cabe destacar que até mesmo nos benefícios por incapacidade é possível a impetração do mandado de segurança, especialmente quando a discussão se der sobre qualidade de segurado, cumprimento do período de carência ou sua dispensa.

Vejamos esta decisão:

TRF-4 - REMESSA NECESSÁRIA CÍVEL 50023136620214047208 SC 5002313-66.2021.4.04.7208 (TRF-4) Jurisprudência•Data de publicação: 08/10/2021 PREVIDENCIÁRIO. MANDADO DE SEGURANÇA. INDEFERIMENTO DO BENEFÍCIO DE AUXÍLIODOENÇA. CARÊNCIA MÍNIMA. ILEGALIDADE. REABERTURA DO PROCESSO ADMINISTRATIVO. ORDEM CONCEDIDA. 1. Hipótese em que, embora tenha sido constatada a existência de incapacidade laborativa, o benefício de auxílio-doença foi indeferido sob o argumento de ‘falta de período de carência’. 2. Tem a parte impetrante direito à reabertura do procedimento administrativo para que a autoridade coatora analise, de forma fundamentada, o pedido, proferindo decisão com base no conteúdo do procedimento administrativo. 3. Mantida a sentença, que concedeu a segurança para declarar o direito líquido e certo da impetrante de reabertura do requerimento administrativo protocolado sob o n° 1476136664, para a análise do pedido de benefício por incapacidade realizado em 10/09/2020, nos termos do requerimento administrativo, no prazo de 15 (quinze) dias. 9. CONCLUSÃO

Diante da fundamentação acima, temos que o mandado de segurança pode ser um grande aliado para a defesa dos direitos dos segurados junto ao direito previdenciário e em algumas situações poderá ser a melhor estratégia processual.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm;

http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2009/lei/ l12016.htm;

De Plácido e Silva. Vocabulário Jurídico. 15 ed. Rio de Janeiro:

Editora Forense. 1999. p. 274

Meirelles, Hely Lopes, Mandado de segurança, 18ª edição, Malheiros editores, 1997, págs. 54/55

Pires, Renato Barth, Mandado de Segurança em matéria previdenciária: atualizado com o novo código de processo civil, 1ª edição, São Paulo, Editora Verbatim, 2017, Pág. 126

A Portaria do Ministério do Trabalho e Previdência MTP nº 620, de 1º de novembro de 2021 e repercussões nos acidentes COLETIVOS DE TRABALHO.

José Roberto Sodero Victório153

1. INTRODUÇÃO

Os acidentes de trabalho e outras morbidades a eles equiparadas são definidos pela Lei nº 8.213/91 em seus artigos 19 e seguintes. Veja que não é a lei trabalhista que rege sobre a questão, mas a lei previdenciária. Na normativa legal estão definidos: o acidente de trabalho típico, a doença ocupacional dividida entre a doença profissional e a do trabalho, o acidente de trabalho in itinere, causalidade e concausalidade, acidentes do trabalho ocorrido no local e no horário de trabalho e fora do local e fora do horário de trabalho, dentre outras definições.

153 Pós-Doutor em Saúde, Bioética, Meio Ambiente Laboral e Direitos Humanos pela Universidade de Salerno (Itália), Doutor em Ciências Jurídicas e Sociais pela UMSA (Argentina), Mestre em Ciências Ambientais pela Universidade de Taubaté, Pós-Graduado em Direito Empresarial pela Universidade de Taubaté, Professor de Pós-graduação da Faculdade de Direito de Franca, da Faculdade de Direito de Passo Fundo, da Faculdade de Direito de São Bernardo do Campo, da Escola Superior da Advocacia – ESA-OAB, da UNOESTE, da ATAME e do IEPREV, Presidente da Comissão de Direito Previdenciário da OAB SP (2019 a 05/2021), Membro Consultor da Comissão de Direito Previdenciário do CFOAB (2019 a 05/2021), Diretor de Acompanhamento de Acidentes Coletivos do Trabalho do Instituto de Estudos Previdenciários – IEPREV. Os acidentes de trabalho no Brasil têm merecido ao longo dos tempos uma avaliação e análise dimensional e estatística sob o prisma da individualidade do infortúnio laboral.

A análise coletiva do meio ambiente laboral e seus reflexos na saúde do trabalhador, com o viés epidemiológico pode ter melhores resultados não demonstrados na atual sistemática de análise e estudos do infortúnio laboral de forma individual, no foco do trabalhador como um ser apartado da coletividade ambiental do trabalho.

A pandemia do coronavírus abre o espaço para a discussão coletiva da sua contaminação e, portanto, impulsiona uma visão coletiva do meio ambiente de trabalho e prevenções e precauções para a garantia do seu equilíbrio e conseqüentemente da preservação da vida e da saúde do trabalhador.

Na seqüência ante as necessidades econômicas de retorno de atividades profissionais que ainda não têm garantia de salubridade no combate e contenção da expansão pandêmica, discute-se nesta Nota Técnica a Portaria do Ministério do Trabalho e Previdência MTP nº 620, de 1º de novembro de 2021.

Aquela Portaria embora traga em seus considerando abordagem constitucional, citando artigos da Carta Magna como fundamento de suas orientações diz em seu artigo 1º que é proibida a adoção de qualquer prática discriminatória e limitativa para efeito de acesso à relação de trabalho, ou de sua manutenção, por motivo de sexo, origem, raça, cor, estado civil, situação familiar, deficiência, reabilitação profissional, idade, entre outros, ressalvadas, nesse caso, as hipóteses de proteção à criança e ao adolescente, previstas no inciso XXXIII do art. 7º da Constituição Federal, nos termos da Lei nº 9.029, de 13 de abril de 1995, o que nos parece se adéqua aos preceitos e princípios constitucionais. Na seqüência em seu parágrafo 1º, orienta que ao empregador é proibido, na contratação ou na manutenção do emprego do trabalhador, exigir quaisquer documentos discriminatórios ou obstativos para a contratação, especialmente comprovante de vacinação, certidão negativa de reclamatória trabalhista, teste, exame, perícia, laudo, atestado ou declaração relativa à esterilização ou a estado de gravidez. Veja-se aqui a questão da proibição da exigência do comprovante de vacinação. O parágrafo 2º traz a orientação de que se considera prática discriminatória a obrigatoriedade de certificado de vacinação em processos seletivos de admissão de trabalhadores, assim como a demissão por justa causa de empregado em razão da não apresentação de certificado de vacinação. No artigo 4º e seus incisos I e II, a Portaria conclui a questão da proibição à exigência de vacinação de empregados e

de candidatos ao emprego afirmando que o rompimento da relação de trabalho por ato discriminatório, nos termos do art. 1º da presente Portaria e da Lei nº 9.029, de 13 de abril de 1995, além do direito à reparação pelo dano moral, faculta ao empregado optar entre postular a reintegração com ressarcimento integral de todo o período de afastamento, mediante pagamento das remunerações devidas, corrigidas monetariamente e acrescidas de juros legais e a percepção, em dobro, da remuneração do período de afastamento, corrigida monetariamente e acrescida dos juros legais.

O que se indaga é se a Portaria em referência tem o condão de obrigar empregadores em seus termos quanto à questão da vacinação e de impedir que o empregado que não tomar vacina contra COVID possa ser demitido por justa causa?

2. UMA ANÁLISE DO PONTO DE VISTA DO ACIDENTE DE TRABALHO COLETIVO.

Os acidentes do trabalho no Brasil trazem números estatísticos absurdos, do ponto de vista de saúde pública. A prova disso é a apresentação do Anuário Estatístico de Acidentes do Trabalho - AEAT, uma publicação do Instituto Nacional do Seguro Social – INSS, nos quais são apresentados dados sobre acidentes do trabalho, suas principais conseqüências, os setores de atividades econômicas e a localização geográfica de ocorrência dos eventos.

Embora o documento traga consigo a informação de que com os dados ali lançados é possível construir um diagnóstico mais preciso acerca destes acidentes, e propiciar a elaboração de políticas mais eficazes para as áreas relacionadas com o tema, inclusive apresentando ainda estatísticas sobre acidentes segundo a Classificação Internacional de Doenças – CID, mais incidentes por região; além das informações coletadas pelo INSS por meio da Comunicação de Acidente do Trabalho – CAT, informações que têm origem nos benefícios de natureza acidentária concedidos pelo INSS; estatísticas básicas sobre acidentes do trabalho nos municípios brasileiros, contemplando os acidentes por motivo e o número de óbitos causados por acidentes do trabalho, o que permite um detalhamento maior sobre a distribuição espacial dos acidentes no país; um conjunto de indicadores de acidentes do trabalho por setor de atividade e unidade da federação, que permitem mensurar a exposição dos trabalhadores aos níveis de risco inerentes à atividade econômica, permitindo o acompanhamento das flutuações e tendências históricas dos acidentes e seus impactos nas empresas e na vida dos trabalhadores; ainda a tratativa desta questão é sustentada na individualidade do acidente laboral.

As ferramentas e as informações colhidas sobre os acidentes de trabalho no Brasil se fossem utilizadas para uma análise, discussão e conclusões coletivas, certamente nos levariam a construir uma ferramenta de incidências, mortalidades, letalidades e acidentalidades com um viés mais adequado de prevenção.

Ainda somos campeões de acidente de trabalho no mundo. Segundo o Observatório de Segurança e Saúde no Trabalho, de 2012 a 2018 foram 4.503.631acidentes de trabalho registrados no país.

Segundo o mesmo Observatório, no mesmo período, 16.455 desses acidentes resultaram em morte. Também entre 2012 a 2018, apuraram-se 351.796.758 dias de trabalho perdidos, somados todos os dias que as pessoas não trabalharam em virtude de afastamentos previdenciários acidentários. Os gastos estimados de quase 97 bilhões de reais consideraram valores de pagamentos pelo INSS de benefícios de natureza acidentária de 2012 a 2018.

O Observatório também traz os números do SINAN (Sistema Nacional de Agravos de Notificação) que incluem todos os trabalhadores atendidos pelo SUS no período. São mais de dois milhões de atendimentos. O SINAN é alimentado, sobretudo por notificações de casos de doenças e agravos da lista nacional de doenças de notificação compulsória (Portaria MS nº 4/2017). O total inclui os seguintes casos monitorados com ênfase pela Vigilância em Saúde do Trabalhador do Ministério da Saúde: Acidente de Trabalho Grave, Câncer Relacionado ao Trabalho, Dermatoses Ocupacionais, Acidente de Trabalho com Exposição à Material Biológico, Intoxicação Exógena Relacionada ao Trabalho, LER/DORT, Perda Auditiva Induzida por Ruído (PAIR) Relacionada ao Trabalho, Pneumoconioses Relacionadas ao Trabalho, Transtornos Mentais Relacionados ao Trabalho e Acidente de Trabalho Grave envolvendo Crianças e Adolescentes (0 a 17 anos).

Esses números, explica o Observatório, se referem a trabalhadores que laboram ou laboraram com vínculo de emprego, com carteira assinada e no âmbito do Regime Geral da Previdência Social. Não foram incluídos, por ora, exceto quanto ao SINAN (Sistema Nacional de Agravos de Notificação), os servidores estatutários ou trabalhadores informais.

As estatísticas apontam para o quanto se tem, além do reflexo individual e pessoal do acidente do trabalho (incapacidades temporária e permanente, seqüelas biopsicossociais do trabalhador, etc.), a repercussão coletiva, inclusive, econômico-financeira dos infortúnios laborais no Brasil.

A estrutura, portanto, da análise da individualizada dos acidentes do trabalho no país não tem se mostrado adequada,

inclusive porque, caso as avaliações fossem realizadas de forma coletiva estaríamos diante de vários estudos epidemiológicos e certamente com o viés coletivo de prevenção, com a preponderância de conclusões mais adequadas à proteção coletiva de meio ambiente laboral, e conseqüentemente da saúde coletiva do trabalhador em contraposição a um excesso desproporcional de proteção individualizada.

A questão epidemiológica ganhou relevância em tempos de pandemia do coronavírus e talvez traga uma reflexão da saúde coletiva no ambiente laboral como instrumento de avaliação e controle do meio ambiente do trabalho equilibrado. A Organização Mundial da Saúde (OMS) declarou em 30/01/2020, emergência de saúde pública de importância internacional, com base no Regulamento Sanitário Internacional (2005), aprovado pelo Brasil por meio do Decreto Legislativo nº 395/2009 e promulgado pelo Decreto nº 10.212, de 30/01/2020.

A Comissão Interamericana de Direitos Humanos editou a Resolução nº 1/2020 (“Pandemia e Direitos Humanos nas Américas”), que ressalta os impactos diferenciados e interseccionais que a pandemia provoca sobre a realização de direitos econômicos, sociais, culturais e ambientais para certos grupos e populações em situação de especial vulnerabilidade, impondo-se a adoção de políticas que possam simultaneamente prevenir o contágio, garantir o acesso ao sistema de saúde pública e permitir medidas de seguridade social. No Brasil editada a Lei nº 13.979, de 06/02/2020, sobre as medidas para enfrentamento da emergência de saúde pública de importância internacional decorrente do Coronavírus responsável pelo surto de 2019.

O Congresso Nacional aprovou por meio do Decreto Legislativo 6, de 20/03/2020, a decretação do estado de calamidade pública proposto pelo Governo Federal com base na Lei Complementar 101/2000.

Na seqüência foi editada a MP 927 – perdeu a vigência em 19/07/2020 - que dispôs sobre as medidas trabalhistas para enfrentamento do estado de calamidade pública reconhecido pelo Decreto Legislativo nº 6 e da emergência de saúde pública de importância internacional decorrente do coronavírus (COVID-19), e dá outras providências. Aquela MP trouxe talvez a primeira discussão de acidentes coletivos de trabalho em tempo de pandemia pelo coronavírus, já que o seu art. 29 regia que: “Os casos de contaminação pelo coronavírus (COVID-19) não serão considerados ocupacionais, exceto mediante comprovação do nexo causal”. Assim, para que houvesse a caracterização da doença ocupacional por contaminação pelo coronavírus o trabalhador/segurado teria o ônus probatório da relação causal entre a patologia e a atividade laboral. O Plenário do Supremo Tribunal Federal (STF), em sessão realizada por videoconferência em 28/04/2020, suspendeu a eficácia de dois dispositivos da Medida Provisória (MP) 927/2020, que autorizava empregadores a adotarem medidas excepcionais em razão do estado de calamidade pública decorrente da pandemia do novo coronavírus. Por maioria, foram suspensos: o artigo 29, que não considerava doença ocupacional os casos de contaminação de trabalhadores pelo coronavírus, e; o artigo 31, que limitava a atuação de auditores fiscais do trabalho à atividade de orientação. A decisão foi proferida no julgamento de medida liminar em sete Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADIs) ajuizadas contra a MP.

As ações foram ajuizadas pelo: Partido Democrático Trabalhista (ADI 6342), pela Rede Sustentabilidade (ADI 6344), pela Confederação Nacional dos Trabalhadores Metalúrgicos (ADI 6346), pelo Partido Socialista Brasileiro (ADI 6348), pelo Partido Comunista do Brasil (PCdoB), pelo Partido Socialismo e Liberdade (PSOL) e pelo Partido dos Trabalhadores (PT) conjuntamente (ADI 6349), pelo partido Solidariedade (ADI 6352) e pela Confederação Nacional dos Trabalhadores da Indústria (ADI 6354).

O argumento comum era que a MP afrontava direitos fundamentais dos trabalhadores, entre eles a proteção contra a despedida arbitrária ou sem justa causa, mas essencialmente aqui se falava da coletividade dos trabalhadores possivelmente contaminados pelo coronavírus e a possibilidade da caracterização de doença ocupacional. Observem: o art. 29 da MP 927 faz menção à doença ocupacional, como modalidade de acidente do trabalho. Segundo as definições da Lei nº 8213/19, as doenças ocupacionais são divididas entre doenças profissionais e doenças do trabalho. A primeira (doença profissional) tem nexo causal presumido, bastando o cruzamento da Classificação Internacional da Doença – CID 10 com a atividade empresarial, ou seja, Classificação Nacional de Atividades Econômicas - CNAE. Aqui estamos falando do NTEP, nexo técnico epidemiológico previdenciário. A segunda (doença do trabalho) não tem nexo causal presumido havendo a necessidade de se estabelecer o nexo causal, pois não há presunção legal da sua existência, já que há que se verificar a atuação dos agentes agressivos no meio ambiente do trabalho.

Com a devida vênia, a direção do art. 29 da MP 927 estava indicada

aos trabalhadores da saúde (hospitais, clínicas, postos de atendimento médicos, etc.), pois aqui estaríamos tratando da doença profissional, de NTEP, já que no Anexo II, lista C, do Decreto 3048/99, a intersecção da CID 10 B34.2 - Infecção por coronavírus de localização não especificada não aparece com CNAE respectivo. Aliás, nenhuma infecção por agente patogênico aparece no NTEP. No entanto, no Anexo II do Regulamento há uma descrição de agentes patogênicos causadores de doenças profissionais ou do trabalho na forma do art. 20 da Lei 8213/91, e dentre eles estão vírus, bactérias, etc. e o trabalho desenvolvido em hospitais, laboratórios e outros ambientes envolvidos no tratamento de doenças transmissíveis. A tentativa do art. 29 da MP era excluir a vigência do Decreto Regulamentador neste sentido.

Assim, trabalhadores do setor de saúde, por exemplo, que se contaminarem com o coronavírus têm nexo causal presumido e a caracterização como acidente do trabalho, na modalidade doença ocupacional. Perceba-se a extensão desta caracterização da natureza acidentária para o segurado (inexistência de carência, o cálculo mais benéfico do benefício acidentário, a possibilidade do acesso ao auxílio-acidente, as estabilidades no emprego, etc.), no caso dos beneficiários (a pensão por morte com o cálculo mais benéfico), e no caso das empresas (custeio previdenciário empresarial, as possíveis ações trabalhistas, etc.).

De fato, as avaliações acima nos conduzem a entender que estamos fazendo uma análise coletiva dos acidentes do trabalho decorrentes da contaminação pelo coronavírus, em tempos de pandemia.

A questão para por aí? Não. Ainda que os trabalhadores não se ativem em ambiente de saúde, hospitalar ou similar, há a possibilidade da caracterização da doença ocupacional se o meio ambiente do trabalho não tiver a sua salubridade garantida. Na mesma esteira da exposição a quaisquer dos agentes agressivos estabelecidos, por exemplo, na Norma Regulamentadora nº 15 (NR-15), se o ambiente laboral não cumprir as recomendações das atividades sanitárias e tornar o ambiente insalubre há a caracterização. Aqui, evidentemente, há a necessidade da prova do nexo causal. Lembra-se que a Lei nº 8.213/91 obriga o empregador a explicar pormenorizadamente ao trabalhador o risco da atividade a ser exercida. Aliás, deve observar o empregador a Ordem de Serviço estabelecida pela Norma Regulamentadora nº 1 (NR-1). A outra questão é que a Lei nº 8.213/91 (art. 20, §1º, “d”), diz que não é considerada doença do trabalho a doença endêmica adquirida por segurado habitante de região em que ela se desenvolva, salvo comprovação de que é resultante de exposição ou contato direto determinado pela natureza do trabalho.

E a CODVID-19 não seria uma doença endêmica? Alguns conceitos científicos devem ser observados para a resposta da questão: o que é uma epidemia, endemia e pandemia. A epidemia acontece quando há ocorrência em uma região ou comunidade de um número de casos em excesso, em relação ao que seria esperado normalmente.

O número de casos necessários para definir a presença de uma epidemia, varia de acordo com o agente, o tamanho, o tipo e a suscetibilidade da população exposta, o momento e local da ocorrência da doença, dependendo também da freqüência habitual da doença naquela região, durante uma mesma estação do ano.

Ao nível municipal, pode ocorrer quando diversos bairros apresentam certa doença, ao nível estadual, quando diversas cidades apresentam a doença, e ao nível nacional, quando a doença acomete diversas regiões do país. Mas, um pequeno número de casos, que não tenha ocorrido previamente naquela região, já pode ser suficiente para caracterizar uma epidemia. Um exemplo de epidemia é o ebola em 2014, após atingir vários países da África.

A endemia pode ser conceituada como a ocorrência de um agravo dentro de um número esperado de casos para determinada região, naquele período, baseando-se na média histórica de sua ocorrência.

Logo, não está relacionada a uma questão quantitativa, mas sim a uma incidência relativamente constante (típica) de determinada doença naquela região, podendo ocorrer variações sazonais no comportamento esperado para esse agravo. Temos como um exemplo de endemia a dengue no Rio de Janeiro.

Já a pandemia acontece quando uma epidemia atinge vários países de diferentes continentes, se estendendo a níveis mundiais por isso, é o pior dos cenários. Afeta um grande número de pessoas, com transmissão sustentada de novos casos nesses locais.

Mas não há um número fixo de casos ou de países afetados para que a situação seja classificada como pandemia. Um exemplo de pandemia é a que estamos vivendo agora, pelo novo Coronavírus, que foi declarada pela Organização Mundial de Saúde (OMS) no dia 11 de março de 2020, quando o vírus já estava presente em 114 países, de diferentes continentes. Há de se observar ainda a presença da força maior prevista na MP 927, que conjugada com o art. 21, II, “e” da L. 8213/91 equipara ao acidente de trabalho aquele sofrido pelo segurado no local e no

horário de trabalho em conseqüência de força maior. E para finalizar, a possibilidade do acidente in itinere em que a contaminação pode ocorrer no transporte coletivo, no transporte oferecido pela empresa ou mesmo na contaminação ocorrida com transeunte no caminho de ida e volta para o trabalho.

A pandemia de coronavírus tem reflexos em todas as áreas da vida social coletiva e não seria diferente no âmbito dos direitos sociais, em especial no Direito Previdenciário e no Direito do Trabalho.

Nos últimos dias, ante da Portaria MTP nº 620/2021, uma questão polêmica envolvendo a COVID-19 e o ambiente do trabalho, têm provocado diversas discussões e controvérsias entre empregados e empregadores. Mas afinal, o empregado que se recusar a tomar a vacina contra a doença provocada pelo novo coronavírus, pode ser dispensado por justa causa? Isso é juridicamente possível?

3. O CONCEITO DE PORTARIA E SUA APLICABILIDADE.

A Portaria é um documento de ato administrativo de qualquer autoridade pública, que contém instruções acerca da aplicação de leis ou regulamentos, recomendações de caráter geral, normas de execução de serviço, nomeações, demissões, punições, ou qualquer outra determinação da sua competência.

Com relação à portaria, sua natureza jurídica é classificada como sendo ato administrativo ordinário, ou seja, ato que tem como finalidade disciplinar o funcionamento da Administração Pública ou a conduta de seus agentes.

Sendo assim, as portarias devem ser indicadas pelos chefes dos órgãos públicos, que as direciona aos seus subordinados, determinando a realização de atos especiais ou gerais. Logo, elas auxiliam a necessidade do administrador na execução do texto legal. Já que são criadas para regulamentar a prática de uma lei, da Constituição Federal, decreto, regulamento ou outros atos normativos superiores. Contudo, há duas modalidades de portarias: as gerais e as internas. Conforme a finalidade da ordem ou ações a serem executadas, é inserida diante dos critérios abaixo:

portarias gerais são aquelas que tratam de instrução destinada a uma categoria de funcionários ou administrados;

portarias especiais são as que se dirigem a situações e validades jurídicas específicas, geralmente sobre uma pessoa; portarias internas bastante usadas em prefeituras, órgãos públicos e demais setores da administração, são instruções emitidas por autoridade de alto cargo para os seus subordinados; portarias externas é aquela que atenderá a população geral ou uma classe determinada de pessoas.

Portanto, a indagação que se faz é a Portaria poderia vincular e obrigar empregadores e empregados?

3. CONCLUSÃO

O Professor José Cretella Júnior154 ensina que quando dirigida na órbita exterior, ao público, a portaria reúne traços de generalidade e coatividade, mas não de novidade. Ainda segundo o renomado administrativista portaria não inova, não cria, não extingue direitos, não modifica por si, qualquer impositivo de ordem jurídica em vigor. Não dispõe contra legem, mas atua secumdum legem. Interpreta o texto legal com fins executivos. Neste sentido há que se observar o seguinte: a Portaria, nos termos aqui analisados, inclusive quanto à sua extensão seria válida? Com a devida vênia, entendemos que não, eis que encontra vício na ausência de competência, pois ao círculo das atribuições do Ministro do Trabalho e da Previdência criar, extinguir e modificar a Lei em vigência através de Portaria, praticando excesso de poder. Também haveria no caso um desvio de

154 Cretella Júnior, José. Curso de direito administrativo. Ed. revisada e atualizada. Rio de Janeiro, Ed. Forense, 2003, p. 191 finalidade na Portaria, pois direcionado a interesses privados e não ao interesse público, além de ofender o princípio da impessoalidade. Ainda entendemos que há um vício de forma, pois a Portaria não poderia inovar no direito e há ainda um vício no objeto, pois o ato administrativo em tela foi dotado de conteúdo diverso do que a lei autoriza ou determina. Finalmente, observamos o vício quanto ao motivo: há inexistência de fundamento jurídico e sanitário, inclusive sob o prisma do acidente de trabalho coletivo, para o ato que impede que o empregador exija a vacinação de seus empregados ou como dado essencial à contratação. Ainda que houvesse alguma argumentação o fundamento seria falso, incompatível com a verdade real e também é desconexo com o objetivo principal da própria Administração que é conter o avanço da pandemia no Brasil. A invalidação ou anulação dos atos administrativos pode ocorrer pela própria Administração ou pelo Judiciário. Neste caso, a melhor posição deveria ser a própria administração revogar o ato administrativo ante o vício de legalidade. Somos partidários do entendimento de que não se trata de faculdade, mas sim de dever de revogação, conforme estrutura o artigo 37 da Constituição Federal e a própria garantia da segurança jurídica, neste caso inserido no princípio do interesse público.

Caso contrário, a invalidação poderá se dar dentro do controle judicial dos atos administrativos.

De antemão, vale ressaltar que, o STF, nas ADIs (Ação Declaratória de Inconstitucionalidade) 6586 e 6587, decidiu pela constitucionalidade da obrigatoriedade de vacinação. Veja bem, o órgão superior não defende a vacinação forçada, compulsória e sim, a possibilidade de sanções administrativas (a vedação de matrícula em escolas, restrições de entrada em determinados lugares e viagens, por exemplo). Quanto à justificativa ideológica, merece este ponto uma análise mais restrita. Em que pese a Constituição Federal (CRFB/88) prever a proteção da liberdade de expressão e pensamento, o STF já proferiu decisão sobre o direito à recusa à vacinação por questões filosóficas ou religiosas.

A CLT determina, claramente, que nenhum interesse de classe ou particular pode prevalecer sobre o interesse público. Essa premissa permite concluir que o direito da coletividade de receber a vacina prevista em programa nacional de vacinação e aprovada pela ANVISA, deve ser preponderante.

É verdade que o empregador deve incluir nos seus programas ambientais e de medicina ocupacional a vacinação obrigatória de seus empregados, criando no meio ambiente do trabalho condições equilibradas que visem o controle coletivo da pandemia no ambiente laboral. A recusa, a princípio injustificada, do empregado deverá em um primeiro momento ser abordada pelo empregador no sentido de verificar as medidas para esclarecimento, fornecendo todas as informações necessárias para elucidação a respeito do procedimento de vacinação e das conseqüências jurídicas da recusa. No entanto, persistindo a recusa injustificada, o trabalhador deverá ser afastado do ambiente de trabalho, sob pena de colocar em risco a imunização coletiva, e o empregador poderá aplicar sanções disciplinares, inclusive a despedida por justa causa, como ultima ratio, com fundamento no artigo 482, “h”, combinado com art. 158, II, parágrafo único, alínea “a”, pois se deve observar o interesse público, já que o valor maior a ser tutelado é a proteção da coletividade.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

Camisassa, Mara Queiroga. Segurança e Saúde no Trabalho: NRs 1 a 36 comentadas e descomplicadas – São Paulo : Método, 2017.

Cretella Júnior, José. Curso de direito administrativo. Ed. revisada e atualizada. Rio de Janeiro, Ed. Forense, 2003.

Feliciano, Guilherme Guimarães. Costa, Mariana Benevides da. Curso de Direito Ambiental do Trabalho – São Paulo : Matrioska Editora, 2021.

Justen Filho, Marçal. Curso de Direito Administrativo – 3ª Edição – São Paulo : Saraiva, 2008.

Oliveira. Paulo Rogério Albuquerque de. Uma sistematização Sobre a Saúde do Trabalhador: Do Exótico ao Exotérico – São Paulo : LTr, 2011.

Silva, Homero Batista Mateus da. CLT Comentada – 3ª Edição – São Paulo : Thomson Reuters Brasil, 2021.

Sodero Victório, José Roberto. Acidentes Coletivos do Trabalho e a Pandemia do Coronavírus. Aplicação dos Princípios da Precaução e da Prevenção. Utilização da Ação Civil Pública como Mecanismo Judicial de Discussão Coletiva. in A Previdência Social no Brasil Pós Reforma. Coord. Marco Aurélio Serau e outros – Belo Horizonte : IEPREV, 2020

TRANSTORNOS DAS PERÍCIAS E A INDEFINIÇÃO DO PL 3914/20

Mônica Christye Rodrigues da Silva155

RESUMO: Pretende-se fazer uma reflexão sobre o PL 3914/20, que contém propostas de alteração da Lei 13.876/19 e a Lei 8.213/91. Em síntese rápida, esta PL busca garantir o pagamento dos honorários periciais referente as perícias realizadas desde a vigência da Lei 13.876/19 e as realizadas até o prazo de 02 anos (21/09/21), nas ações em que o Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) figure como parte. Pretende a utilização de 10% dos recursos das perícias de ação popular e de 30% do montante dos RPVs e precatórios cancelados e não levantados. O texto recebeu emendas na Câmara, e segue no Senado. Retirado de pauta a pedido de requerimentos, emendas e destaques, segue sem sanção. Esgotado o prazo há dois meses, que determinava o pagamento dos honorários perícias pelo Executivo, o Judiciário segue sobrestando as perícias, diante da recusa dos peritos em prestar seus serviços sem garantia de pagamento. Ao que parece, que os segurados e o judiciário estão na espera do único instrumento que pode, trazer uma solução para o custeio das perícias, ou não, ante a ausência de uma solução orçamentária por quem de direito. Em que pese um aumento considerável e crescente das ações previdenciárias e assistenciais, e estar entre as ações de maior demanda na Justiça Federal, não se verifica a solução ou existência de verba orçamentaria para pagar as perícias não contempladas pelo fim da vigência da Lei 13.876/19, por parte do Conselho Federal de Justiça, ou seja, está sendo depositado neste Projeto de Lei, a salvação orçamentária, por quem não tem a responsabilidade de fazê-la.

PALAVRAS-CHAVE: Perícias previdenciárias; Projeto de Lei 3914/20; Seguridade Social.

155 Advogada, atuaçao da área de Direito do Trabalho, Acidentário, Previdenciário, Empresarial, Família e Sucessões; Especialização em Direito Previdenciário Graduada pela EPD - Escola Paulista de Direito, São Paulo; Presidente da Comissão de Estudos Sobre Perícias Forenses da OABSP. 1. INTRODUÇÃO:

Através deste estudo, pretendese fazer uma reflexão crítica sobre a proposta legislativa e as considerações a certa do Projeto de Lei n. 3914/2020, no que respeita a afronta a Constituição Federal, a justicialidade dos direitos sociais, especialmente no que respeita às perícias previdenciárias e assistenciais. A PL 3.914/20 visa alterar as Leis nº 13.463, de 06 de julho de 2017 e a Lei nº 13.876, de 20 de setembro de 2019, para dispor sobre o pagamento de honorários periciais nas ações que faz parte o Instituto Nacional do Seguro Social.

Este PL foi apresentado à casa legislativa em 23/07/2020, e encontrase com tramitação lenta, tanto quanto polêmica, em razão de inúmeras emendas, que carecem de debate especializado sobre o tema. Vale esclarecer, que o objetivo originário do PL era salvaguardar e prorrogar o prazo previsto de dois anos para pagamento das perícias pelo Executivo. No seu bojo, contém como alternativa o destino de parte dos recursos de ação popular, RPVs e Precatórios, com o fito de garantir ou resolver, provisoriamente, o pagamento das perícias previdenciárias e assistenciais. Assim, almeja-se neste artigo, sem pretensões de esgotar o tema, fazer uma reflexão sobre os transtornos experimentados pelos segurados que dependem da perícia judicial, seja ela médica, social ou biopsicossocial, para comprovar judicialmente a sua ausência de saúde/incapacidade laboral, eis que muitos têm tido o seu benefício suspenso em detrimento da operação “pente fino”.

Em que pese, o PL 3914/20 trazer alternativas orçamentárias para custeio das perícias previdenciárias e assistenciais, estas alternativas não provêm de um estudo aprofundado, não houve pesquisas e dados, e sequer se sabe se atenderá a demanda das perícias, se aprovado for.

Outrossim, é preocupante o fato de que o objeto do PL visa garantir o pagamento dos honorários periciais, nas ações em que o INSS for parte, mas os benefícios que tratam de aposentadoria por tempo de contribuição ao deficiente e o benefício assistencial da LOAS estarão sem cobertura, eis que, com base no texto original do PL, se aprovado, não há como garantir que será realizada a perícia biopsicossocial para a concessão de tais benefícios. A redação não é clara nesse sentido. Se as perícias biopsicossociais estiverem excluídas da cobertura legal por força do PL, estaremos diante de mais um descaso social, em afronta à Convenção de Nova Iorque e mais uma vez, da dependência de uma interpretação literal do julgador. O entrave que envolve o universo das provas periciais é significativo, especialmente as perícias previdenciárias e assistenciais, pois entrelaça os princípios tutelados pelo direito previdenciário, protegidos constitucionalmente. O Estado tem se mantido inerte com relação às questões orçamentaria relativo aos processos judiciais que

tramitam na Justiça Federal. A questão da obrigatoriedade da responsabilidade do custo dos honorários periciais já tinha um fim anunciado pela Lei 13.876/19, mas na contramão, em invés de o Estado gerenciar a questão do orçamento das perícias judiciais, ele coordena a gestão do ente autárquico, suspendendo milhares de benefícios por incapacidade, através do “pente fino” promovendo a judicialização em massa.

2. PROPOSTAS DO PROJETO DE LEI 3914/20 - A SOLUÇÃO ESPERADA PELO PODER PUBLICO OU A SOLUÇÃO QUE SE ESPERA DO PODER PUBLICO?

Em uma breve análise da proposta inicial do Projeto 3914 de 23/07/2020, verificamos que a redação original trouxe as seguintes proposições, com a justificativa de que há Programa de Proteção a Crianças e Adolescentes Ameaçados de Morte (PPCAAM), que há previsão na Lei 10.259/01 para antecipar à conta de verba orçamentária do respectivo Tribunal, dos honorários do técnico nomeado pelo magistrado, quando vencido na causa a entidade pública. Há justificativa de que os atrasos ou a falta de pagamento das perícias judiciais comprometem a manutenção de um quadro de peritos qualificados, interessados, e que a assiduidade no pagamento dos médicos peritos, com remuneração justa e pontual, manterá os profissionais com melhor capacitação, dando maior garantia na decisão judicial. Afirma, que para a produção de prova pericial adequada, o trabalho médico pericial deve ser executado por profissionais capacitados, com análise profunda e conhecimento técnico pautado na ciência, refletindo importante economia para o poder público. Nessa esteira, houve a proposição do PL 3914/20 visando trazer as seguintes alterações: a) Do texto, substituindo o termo “poderá” por “deverá” destinar 10% (dez por cento) do total dos valores da remuneração dos recursos depositados, dos beneficiários dos precatórios ou da RPV. O destino de tais valores visa constituir receitas em favor do Poder Judiciário, para pagamento de perícias realizadas em ações popular; b) O artigo 2º da mesma lei, acrescentou o inciso III, para destinar pelo menos 30% (trinta por cento) dos recursos, para o pagamento de perícias médicas beneficiando quem tem gratuidade judicial no âmbito dos juizados especiais federais. c) O artigo 1º da Lei 13.876/2019, propõe alterar o prazo da garantia de pagamento dos honorários periciais referente às pericias já realizadas e às que venham a ser realizadas, nas ações em que o Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) figure como parte. O Estado ficara responsável pelo pagamento das referidas perícias por prazo indeterminado. d) Na mesma linha, o artigo 3.º, do mesmo diploma, responsabiliza o executivo pelo pagamento de “uma perícia médica por processo judicial”. e) Há a proposta da alteração do artigo 4.º da mesma Lei, para que a designação de uma segunda perícia, possa ser realizada, não mais por determinação apenas de instancias superiores, mas pela instância julgadora, em casos justificados, devolvendo à primeira instância a discricionariedade.

Em que pese a plausibilidade das justificativas e a necessária urgência de garantir o pagamento das perícias previdenciárias, questiona-se se a forma mais adequada para solução orçamentária seria através da propositura de um Projeto de Lei, sem um estudo estatístico científico, sem a participação e sem a autoria do Conselho Federal de Justiça, responsável por gerir tal pasta, como se verifica na justificativa do projeto.

Ao analisar a proposta do projeto, especialmente da redação inicial, concluímos que a solução é provisória, serve para apagar o incêndio, mas as propostas não são plausíveis e definitivas.

Por outro lado, se o Estado atuasse como garantidor dos direitos sociais, promovendo uma gestão eficaz das perícias administrativas na autarquia previdenciária, as judicializações teriam menor expressão. A forma como o Estado tem atuado não parece adequada, uma vez que se observa o aumento dos processos judiciais previdenciários e consequentemente a necessidade da realização de perícias judiciais.

O PL que teve início em 23/07/2020, recebeu emendas para modificar o prazo de vigência da Lei para prolongar a cobertura de pagamento dos honorários periciais pelo Executivo, para imputar ao segurado o pagamento da perícia médica no início do processo, alterar o critério de gratuidade processual diferenciado para os processos que tratam do benefício por incapacidade, criando mais de um critério na legislação.

Tal pretensão, fere o princípio de acesso à justiça, atribui requisito discriminatório ao processo previdenciário em relação aos demais processos, em afronta ao estabelecido no artigo 98 e ss. do Código de Processo Civil.

A ausência de gestão orçamentária, traduz a ingerência da tutela administrativa e judicial, a falta de sensibilidade social, penaliza os mais humildes e sem meios de prover seu sustento, na maioria das vezes, em situação de completa vulnerabilidade.

O Desembargador Paulo Afonso Brum Vaz (2021), descortina, através de informações do CNJ, que atualmente, os benefícios por incapacidade e assistenciais, estão entre o maior contingente de processos previdenciários: “Segundo dados do CNJ, o acúmulo de recursos em ações previdenciárias é o maior responsável pelo congestionamento de processos na Justiça Federal: 40% da demanda nos cinco Tribunais Regionais Federais diz respeito a litígios em que é parte o Instituto Nacional do Seguro

Social (INSS). ( VAZ, 2021)

Vale destacar ainda, que cabe ao Conselho Federal da Justiça, de acordo com a Resolução n.º CJF-Res-2014/00305 de 07 de outubro de 2014, dispor:

“sobre o cadastro e a nomeação de profissionais e o pagamento de honorários a advogados dativos, curadores, peritos, tradutores e intérpretes, em casos de assistência judiciária gratuita, no âmbito da Justiça Federal e da jurisdição federal delegada e dá outras providências.” No artigo 13 da mesma Resolução, encontra-se previsto que os dados extraídos dos relatórios do Sistema AJG/JF tem como objetivo, subsidiar a elaboração orçamentária, o que não parece ter ocorrido, posto que as perícias previdenciárias e assistenciais já estão sendo sobrestadas:

“Art. 13. Sem prejuízo de sua utilização para outros fins lícitos, os relatórios gerenciais extraídos do Sistema AJG/JF destinar-se-ão aos seguintes objetivos: I - Controle das despesas realizadas com recursos destinados à assistência judiciária gratuita; II - elaboração de previsão orçamentária dos exercícios financeiros seguintes. (g.n.) § 1º O controle de despesas realizadas com recursos da assistência judiciária gratuita será feito pelas corregedorias regionais por meio dos relatórios gerenciais extraídos do Sistema AJG/JF, sem prejuízo da possibilidade de solicitação de informações complementares às seções judiciárias, varas e juizados especiais federais, bem como aos juízes de Direito que atuem na jurisdição federal delegada. § 2º As corregedorias regionais extrairão, mensalmente, relatórios gerenciais das solicitações que extrapolarem os valores máximos constantes nas tabelas anexas, identificando-as por juízo e profissional, especialmente para fins de controle das exceções previstas no art. 28, parágrafo único, desta resolução. § 3º Para elaboração da previsão orçamentária, o Conselho da Justiça Federal poderá solicitar aos tribunais regionais federais informações complementares às extraídas do Sistema AJG/JF.

O atraso no sancionamento do Projeto de Lei, já tem refletido em decisões no judiciário, causando um imenso represamento no resultado dos processos em virtude da ausência de orçamento para o pagamento dos experts, conforme segue: “PROCEDIMENTO DO JUIZADO ESPECIAL CÍVEL

Nº 0004071-67.2021.4.03.6312 / 1ª Vara Gabinete JEF de São Carlos AUTOR: P.D.G.P.

REU: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL – INSS D E C I S Ã O - Vistos em decisão. Concedo os benefícios da justiça gratuita, lembrando à parte autora, porém, que tal decisão pode ser reformada a qualquer tempo, caso comprovada a falsidade da declaração de pobreza, sujeitando-a, ademais, às penas da lei (art. 299 do Código Penal). Esclareço à parte autora que, em virtude da ausência de pagamento para perícias designadas após 23 de setembro de 2021, os peritos que atuam neste Juizado solicitaram o bloqueio de suas agendas, acarretando a impossibilidade na marcação de perícias. Sendo assim, no momento, não há disponibilidade de peritos em nenhuma das especialidades dentre aqueles atuantes no quadro deste Juizado. A presente situação foi comunicada pela Presidência do Conselho da Justiça Federal, ao que este Juízo foi informado que, quanto às nomeações de peritos ocorridas após 23/9/2021, os pagamentos respectivos somente poderão ocorrer caso seja aprovada lei autorizando a continuidade do pagamento pelo Executivo, tal como previsto no Projeto de Lei n. 3.914/2020, em tramitação no Senado Federal. Assim, fica a parte autora ciente de que não há previsão para a designação da perícia requerida nos autos. Indefiro o pedido de intimação do INSS para juntada da cópia integral do Processo Administrativo. Providências do Juízo só se justificam diante da impossibilidade da obtenção dos documentos ou da expressa negativa do órgão em fornecê-los e havendo, ainda, a possibilidade de obtenção dos referidos documentos por meio eletrônico. Num. 150365490 - Pág. 1 Publique-se. Intime-se. Registrada eletronicamente.”(g.n.) Verifica-se que uma política pública que visa proteger o cidadão em caso de vulnerabilidade social está sendo aplicada em detrimento de problemas orçamentários. O trabalhador ao longo de sua vida, recolhe para os cofres com o objetivo de que em caso de necessidade venha a pedir a proteção Estatal, vê-se com as portas fechadas por duas vezes. O Estado não cumpre o seu papel de proteção quando suspende injustamente, administrativamente o benefício do cidadão e mais uma vez, quando deveria cumprir o seu papel discricionário e não o faz porque encontra-se com sua estrutura deficitária em decorrência de orçamento, deixando aquele que deveria ser protegido a própria sorte, ainda mais em período de pandemia.

3. EXCLUSÃO DOS BENEFÍCIOS APOSENTADORIA POR TEMPO DE CONTRIBUIÇÃO AO DEFICIENTE E O LOAS – UM EQUÍVOCO NA REDAÇÃO

OU UMA INTENCIONAL EXCLUSÃO NO PL 3914/20

O artigo 5.º, XXXV da Constituição Federal prevê o ingresso em juízo para assegurar direitos ameaçados, garantindo o princípio da inafastabilidade da jurisdicional (art. 5º XXXV) , da gratuidade judicial (art. 5º, LXXIV) , do devido processo legal, bem como o princípio do acesso ao judiciário. Em que pese tais garantias constitucionais, está evidente as restrições ao direito de defesa de direitos fundamentais contidos no PL.

Chama atenção no texto do PL em debate, que a atenção é voltada para a garantia da perícia médica (g.n.), e quando se trata de benefícios previdenciários e assistenciais, não é concebível que os segurados sejam submetidos apenas às perícias médicas, sem sequer submetê-lo à avaliação social, face ao caráter que o próprio benefício exige. Tal compreensão se solidifica, quando as perícias foram consideradas pelo CNJ em sua Resolução 317/2020, como atividades essenciais, em razão dos efeitos da crise ocasionada pela pandemia do Coronavírus. E por perícia judicial, não se pode restringir, apenas como perícia médica.

Por meio desta Resolução, em seu artigo 1.º, paragrafo 5.º, o CNJ estabeleceu as formas de realização da perícia socioeconômica, por meio eletrônico, de forma a garantir e contemplar a sua realização, mesmo naquela situação de pandemia acirrada. Verifica-se que não há um consenso sobre quem deve fazer a avaliação pericial biopsicossocial: • os peritos médicos entendem que por biopsicossocial, é a forma de se avaliar o contexto social e laboral do segurado por ele mesmo, o perito médico; • a legislação é clara, que perícia biopsicossocial contempla a necessidade de aferir a realidade do individuo de modo complexo e interdisciplinar; • já os magistrados necessitam compreender essa nova perspectiva, da necessidade de dois profissionais distintos, e não, entender como suficiente a respostas de quesitos sociais respondidos pelos médicos peritos;

Como bem destaca o renomado Jose Ricardo Costa Caetano, em sua obra Perícia Biopsicossocial:

“Por certo que os peritos médicos não possuem habilidades e competências, muito menos disposição, para enfrentar a realidade social, in locuo, e fazer um detalhado estudo da realidade concreta do cidadão, em sua mediação com o meio ambiente em que vive, suas interpelações pessoais e sociais, sua interação com a comunidade, o acesso às demais políticas de proteção social, suas atitudes, entre outros elementos de igual importância neste contexto. Diante disso, não temos nenhuma dúvida de que a avaliação da incapacidade/ deficiência somente pode ser conhecida e avaliada mediante uma análise mais holística, inter/multidisciplinar, ou seja, biopsicossocial.”

Desta forma, o termo “perícia médica” deve ser substituído por “perícia judicial”, ficando à cargo do magistrado, a designação da especialidade mais adequada ao caso em debate., e assim, garantir a cobertura dos processos onde dependem de avaliação social, ou biopsicossocial.

4. A CRESCENTE JUDICIALIZAÇÃO NOS PROCESSOS PREVIDENCIÁRIOS:

E de notório conhecimento que o destino de muitos cidadãos depende de uma perícia administrativa ou judicial. A prova pericial é necessária tanto quanto tem sido insatisfatória. Assim, cabe ao perito possuir expertise em determinada área de atuação, exercendo o encargo de auxiliar do magistrado com seu conhecimento técnico. Deve ser o Perito quem colaborará com o juízo, analisando o caso concreto à luz da ciência a qual pertence.

É preciso reformular essa modalidade de prova, as perícias, pois ela é a base de maior convicção do Juízo, e ela não pode ser mais tratada como uma chancela, mas é preciso apurar a dignidade do ser humano que está por trás de um segurado. Mas em que pese não haver universalidade de pensamento sobre os critérios especificados pelo PL, existe unanimidade no sentido que a não designação da perícia judicial, a suspensão do processo, é sinal de obstaculização dos direitos do segurado, é sinal de abandono social, pois os benefícios previdenciários são fonte de alimentos e de sobrevivência.

É importante trazer à tona, as origens da crescente judicialização dos processos previdenciários e assistenciais. E nessa linha, o renomado Desembargador Paulo Afonso Brum Vaz, nos ensina:

No relatório A judicialização de benefícios previdenciários e assistenciais, elaborado pelo Instituto de Ensino e Pesquisa (INSPER), por encomenda do Conselho Nacional de Justiça, sobre as causas, os problemas e as políticas públicas indicadas como soluções, apresentado em 20 de outubro de 2020, durante a 320ª sessão ordinária do CNJ, apontou-se o que já se sabia. Conflitos sobre direitos da seguridade social representam mais da metade dos novos processos que ingressam na Justiça brasileira.

A pesquisa revelou que a intensidade e o perfil da judicialização da seguridade social estão relacionados tanto às condições socioeconômicas do local, como ao nível de renda e desenvolvimento do mercado formal de trabalho. Além disso, o aumento do tempo médio de análise de benefícios incentiva a mais nova modalidade de judicialização contra

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