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ECONÔMICO

ou orientação ideológica. A forma de estruturação dos sistemas de proteção social é feita adotando-se parâmetros culturais e políticos. Tem-se na seguridade social, formato mais complexo de proteção, um instrumento de concretização de justiça social e, consequentemente, um método de economia coletiva.

A política social é a ação do Estado que visa atender as necessidades sociais como, por exemplo, habitação, cultura, educação, lazer, saúde, assistência social e previdência social, entre outras, atuando por meio de várias técnicas de proteção social, A política social familiar não pode ser encarada como gasto/despesa, mas sim como investimento a longo prazo. O Estado deve direcionar recursos às necessidades de jovens desempregados, assistência ao idosos, formação de competência (educação ocupacional e instrução em geral), ampliação da proteção à maternidade (no caso brasileiro a implantação da licença-parental).

Há um elo invisível e indissociável entre família e proteção social. A estrutura dos riscos e necessidades sociais é amplamente impactada pela instabilidade na família. As sociedades familiares atuais que formam as atuais sociedades humanas, pelo seu modelo consumista e evolucionista exigem famílias com mais de uma fonte de renda. As estratégias visando a proteção social da família é vital para a manutenção dos sistemas protetivos sociais. Ameaçar a família é ameaçar a sociedade. Assim como ameaçar a proteção social, significa ameaçar a família.

A questão da proteção familiar é tão grande que a Convenção da OIT n. º 183 de julho de 2000 formalizou a licença parental visando o compartilhamento da proteção social entre homens e mulheres de tal forma que se garanta a permanência no mercado de trabalho tanto do homem quanto da mulher. Os países que proporcionam garantia de trabalho às famílias com filhos no momento de educação primária, apresentam melhores taxas de fertilidade. O modelo social implementado em cada país, revela a compatibilização entre produtividade e justiça social. Para a manutenção e expansão do modelo de proteção social, hodiernamente se impõe um diálogo permanente ente o poder executivo, poder legislativo, poder judiciário e população. No Brasil, não há no Regime Geral de Previdência Social, nenhuma espécie de licença compartilhada entre pai e mãe em vida para poder cuidar de seu filho. Este fato prejudica muito o reconhecimento da igualdade de gênero relativo às relações familiares no Brasil e produz efeito jurídico e social inverso ao desejado, tendo em vista primeiramente que estimulará a discriminação da mulher no mercado de trabalho, desencorajando a contratação de mulheres, especialmente em idade fértil, bem como prejudica a relação entre recémnascido e o seu pai, o que impede um melhor empenho da função afetiva do pai.

No Brasil destacamos como avanço a edição do Decreto Legislativo n. º 4.377/2002 que aprovou a Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher, assinada pela República Federativa do Brasil, em Nova York, no dia 31 de março de 1981:

Tendo presente a grande contribuição da mulher ao bem-estar da família e ao desenvolvimento da sociedade, até agora não plenamente reconhecida, a importância social da maternidade, a função dos pais na família e na educação dos filhos, e conscientes de que o papel da mulher na procriação não deve ser causa de discriminação, mas sim que a educação dos filhos exige a responsabilidade compartilhada entre homens e mulheres na sociedade, como conjunto, de forma que para alcançar a plena igualdade entre o homem e a mulher é necessário modificar o papel tradicional, tanto do homem, como da mulher na sociedade e na família. (Sem grifos no original).

No âmbito internacional destaca HORVATH (2004, pp. 61-62) a Convenção n.º 183 da OIT de julho de 2000 estabeleceu as seguintes disposições: a) licença maternidade de pelo menos quatorze semanas, das quais seis deverão ser fruídas obrigatoriamente depois do parto, com exame periódico para estender o período total da licença; b) pagamento de pelo menos 2/3 do salário durante a licença-maternidade, com exame periódico para aumentar o valor do benefício; c) direito a vários períodos de interrupção da jornada diária para amamentação, contagem dessas interrupções como horas de trabalho e remuneração como tal; d) proibição da dispensa durante a gravidez, a licença-maternidade e o período de reingresso ao trabalho, segundo a determinação da legislação nacional, exceto por razões não vinculadas a gravidez, ao parto ou à lactância, com prova a cargo do empregador; e) com o objetivo de proteger a situação das mulheres no mercado de trabalho, as prestações médicas e pecuniárias deverão ser financiadas mediante um seguro social obrigatório ou com recursos de fundos públicos, segundo determinação da legislação nacional; f) desobrigação do empregador custear pessoalmente as prestações pecuniárias devidas às mulheres; g) recomendação de que as contribuições ou impostos que financiam as prestações por maternidade sejam pagas levando-se em conta o número total de empregados, sem distinção do sexo; h) proteção da saúde da mulher grávida ou lactante, com a proibição de realizar tarefas prejudiciais para sua saúde ou de seu filho; i) obrigação de adotar medidas destinadas a garantir que a maternidade não constitua uma causa de discriminação no emprego, incluindo o acesso a este (entre estas, a proibição da exigência do teste de gravidez para admissão).

Uma das principais inovações desta Convenção foi a previsão da licença parental que pode ser definida como direito familial que faculta a possibilidade do pai e ou da mãe de se afastar de suas atividades laborais, parcialmente ou em tempo integral, por um certo período de tempo para criação e educação dos filhos, assegurada a reintegração ao trabalho. A licença parental foi prevista inicialmente na Recomendação n.º 165, da OIT de 1981 e hodiernamente encontra fundamento na Convenção n.º 183 da OIT. A instituição da licença-parental visa a atenuação das desigualdades provenientes dos encargos familiares, a proteção da criança, bem como tornar o pai corresponsável pelos cuidados e educação dos filhos. Nesta medida devemos entender a licença parental como instrumento de proporcionar bemestar aos filhos e equilíbrio entre a vida profissional e a familiar entre homens e mulheres. A duração da licença parental varia de três meses a três anos nas legislações que já a adotam, de acordo com o informe V da Organização Internacional do Trabalho, divulgado em julho de 1999 durante a 87.ª Reunião da Conferência Internacional do Trabalho.

Vários países do mundo têm compreendido que a cobertura legal por meio da concessão da licença-parental irá auxiliar principalmente as mulheres nos encargos da responsabilidade familiar. O compartilhamento da responsabilidade familiar independentemente do gênero ajuda a comunidade internacional e ter uma nova mentalidade social quanto à isonomia entre homens e mulheres e a não discriminação da mulher no mercado de trabalho.

Os seguintes países adotam a licença parental: Alemanha, Austrália, Áustria, Bélgica, Bulgária, Canadá, Chipre, Dinamarca, Eslováquia, Eslovênia, Espanha, Estados Unidos, Estônia, Finlândia, França, Grécia, Holanda, Hungria, Irlanda, Islândia, Israel, Itália, Japão, Letônia, Lituânia, Luxemburgo, Malta, Noruega, Nova Zelândia, Polônia, Portugal, Reino Unido, República Tcheca, Romênia e Suécia. Em Burkina Faso, pais ou mães podem solicitar até seis meses de licença não remunerada (renovável uma vez) para cuidar de seus filhos. No Chade, a licença parental também pode ser usufruída por qualquer dos pais. No Egito, na Guiné e no Marrocos (onde a licença somente é concedida com a concordância do empregador), apenas as mães têm direito a essa licença. Na Mongólia, os pais podem sair de licença não remunerada por até 156 semanas.

Na Coreia do Sul, qualquer dos pais pode usufruir a licença parental por 52 semanas, para cuidar de criança com mais de um e menos de seis anos de idade.

O Nepal concede licença não remunerada por até trinta dias por ano, que pode ser utilizada por qualquer empregado para tratar de assuntos familiares. Além desses países, as Filipinas concedem um tipo específico de licença para pais solteiros, permitindo que se afastem do trabalho por até sete dias por ano”.

Addati, Naomi Cassier e Katherine Gilchrist (2014) enfatizam que:

Os sistemas de licença-parental diferem significantemente de um país para o outro. Existe uma variação considerável em termos de elegibilidade, pagamento, duração, flexibilidade possível no uso, a idade da criança a ser cuidada e a transferibilidade entre os pais. As normas da OIT permitem que estes termos sejam determinados pelos

Estados-membros, em nível nacional.

No Brasil em que pese identifiquemos algumas medidas visando a ampliação da proteção social no âmbito familiar, tais medidas beneficiam em regra, os pais separadamente, nunca em conjunto93 . Urge a adaptação do sistema jurídico pátrio para implantação da licença parental, nos moldes preconizados pela OIT como instrumento de direito humano fundamental, de forma a efetivar a ação afirmativa do Estado, capaz de demonstrar de maneira ampla, o cumprimento do papel de promoção do princípio do bem-estar determinado no artigo 3º da Constituição Federal de 1988.

93 Doutoranda em Direito pela Pontifícia Universidade Católica (PUC-SP) de São Paulo e a Universidade Autônoma de Lisboa. Mestre em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP). Professora e coordenadora de cursos de pós-graduação em Direito. Autora de obras jurídicas. 5. DIGRESSÕES ACERCA DO CONCEITO DE DIREITOS HUMANOS FUNDAMENTAIS

Os direitos humanos e os direitos fundamentais sociais legislativamente podem ser estudados de forma separadas. Sob o ponto de vista teleológico podemos entender direitos humanos como direitos essenciais para a efetivação da dignidade da pessoa humana. Dallari (1998, p. 7) considera que os direitos humanos representam uma forma abreviada de mencionar os direitos fundamentais da pessoa humana. Esses direitos são fundamentais porque sem eles o ser humano não conseguirá existir ou não será capaz de se desenvolver e de participar plena. Por sua vez os direitos fundamentais sociais referem-se às garantias individuais e coletivas previstas e estabelecidas na Constituição e que têm o Estado como seu devedor/prestador. Cada vez mais vem sendo utilizada a expressão direitos humanos fundamentais para se referir aos direitos dignificantes da vida humana.

Os direitos humanos fundamentais, portanto, são conceituados e analisados por diversos tipos de correntes epistemológicas do pensamento jurídicosociológico-filosófico. Assim, para melhor compreender esses direitos, é preciso analisar sua origem e desenvolvimento. De acordo com Marcondes (2019, p. 33), a corrente epistemológica clássica tradicional dos direitos humanos fundamentais considera como nascedouro

dos direitos a Declaração de Direitos do “Bom Povo da Virgínia” de 1776, além da Declaração de Independência dos Estados Unidos do mesmo ano.

A Declaração de Direitos do “Bom Povo da Virgínia” (1776) possui vinte e seis artigos, devendo-se destacar o seu artigo I que afirma que todos os homens são, por natureza, igualmente livres e independentes, e têm certos direitos inatos, quando entram em estado de sociedade, não podendo privar ou despojar seus pósteros, sendo o direito o gozo da vida e da liberdade com os meios de adquirir e de possuir a propriedade e de buscar e obter felicidade e segurança. Tal declaração aponta um caráter jusnaturalista. Perceptível da análise da expressão “por natureza”.

A Declaração de Independência do Estados Unidos (1776)também segue o mesmo caráter jusnaturalista, já que não traz um conjunto de normas organizadas e positivadas, mas determinações sobre os direitos naturais das pessoas. Gizamos o seguinte trecho da Declaração: “Consideramos estas verdades como evidentes por si mesmas, que todos os homens são criados iguais, dotados pelo Criador de certos direitos inalienáveis, que entre estes estão a vida, a liberdade e a procura da felicidade. [...]”.

Destacamos ainda, que além de terem um caráter natural, tais declarações carregam uma enorme carga universalista, isto é, apontam que tais direitos são universais, isto é, são intrínsecos a todas as pessoas existentes.

Com o desenvolvimento do direito e ao se entrar na era juspositivista tais direitos passam a ser expressos no ordenamento jurídico. O grande marco desta etapa foi o Código Civil Francês de 1804 também conhecido como Código Francês de Napoleão que expressa o nascedouro de um novo modelo de organização das leis através de uma perspectiva positivista. Bobbio (1995, p. 63) aponta que o Código de Napoleão teve uma grande influência jurídica na sociedade ocidental nos últimos dois séculos, haja vista que muitos códigos posteriores se basearam no código napoleônico. Os direitos humanos fundamentais inauguram nova fase, marcada pelo positivismo e universalidade com a Declaração Universal de Direitos Humanos de 1948:

Com a Declaração de 1948, tem início uma terceira e última fase, na qual a afirmação dos direitos é, ao mesmo tempo, universal e positiva: universal no sentido de que os destinatários dos princípios nela contidos não são mais apenas os cidadãos deste ou daquele Estado, mas todos os homens; positiva no sentido de que põe em movimento um processo em cujo final os direitos do homem deverão ser não mais apenas proclamados ou apenas idealmente reconhecidos, porém efetivamente protegidos até mesmo contra o próprio Estado que os tenha violado. [...] A Declaração Universal contém em germe a síntese de um movimento dialético, que começa pela universalidade abstrata dos direitos naturais, transfigura-se na particularidade concreta dos direitos positivos, e termina na universalidade não mais abstrata, mas também ela concreta, dos direitos positivos universais. (BOBBIO, 2004, p. 19).

No Brasil, por sua vez, deve-se destacar a promulgação da Constituição Federal de 1988, também conhecida como Constituição Cidadã, que adota como fundamentos a dignidade da pessoa humana (art. 1º inc. III), os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa (art. 1º, inc. IV), além de estabelecer como um de seus objetivos a construção de uma sociedade livre, justa e solidária ( art. 3º, inc. I). Assim, ao nos referirmos à licença parental como direitos humanos fundamentais estamos afirmando que são direitos positivados e universais a cargo do Estado, ainda que com a participação do particular (eficácia horizontal dos direitos fundamentais). Nessa perspectiva, então todos os instrumentos que visam à igualdade de gênero podem ser classificados como direitos humanos fundamentais como a licença parental. 6. A IGUALDADE DE GÊNERO COMO DIREITO HUMANO FUNDAMENTAL

A igualdade de gênero, do ponto de vista da perspectiva positivista do Direito, deve ser reconhecida como um direito humano e também fundamental, haja vista que está fincada e prevista na Constituição Federal de 1988 e também em tratados e convenções internacionais. Ademais, por estar prevista na Magna Carta, o Estado deve ter o dever de fazer proposições que de fato efetivam esse direito.

Desse modo, ressalta-se que Constituição Federal de 1988 reconhece os mesmos direitos e deveres entre homens e mulheres em relação a sociedade conjugal, nos termos do artigo 226, § 5º da Constituição Federal. Ademais, perpassando o reconhecimento da igualdade entre homens e mulheres em relação a sociedade conjugal, a Magna Carta também reconhece no artigo 5º, inciso I da CF, que homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações, nos termos da Constituição. Destaca-se, ainda, que o artigo 227 da Constituição Federal do Brasil garante a proteção à infância, demonstrando que a criança tem o direito de conviver com ambos os pais e crescer de maneira saudável e feliz sem qualquer forma de negligência. Desse modo, tal artigo reconhece a importância da convivência saudável com os genitores de ambos os gêneros.

No âmbito das convenções internacionais destacamos a convenção sobre a eliminação de todas as formas de discriminação contra a mulher de 1979, que já no primeiro artigo, traz a premissa da igualdade de ao prever que a expressão “discriminação contra a mulher” significa toda distinção, exclusão ou restrição baseada no sexo e que tenha por objeto ou resultado prejudicar ou anular o reconhecimento, gozo ou exercício pela mulher, independentemente de seu estado civil, com base na igualdade do homem e da mulher, dos direitos humanos e liberdades fundamentais nos campos político, econômico, social, cultural e civil ou em qualquer outro campo.

A igualdade de sexos é determinada pelo fato de se identificar que tanto o homem quanto a mulher se reconhecem na conjugalidade em situações funcionalmente não diferenciadas, não cabendo a um ou ao outro um papel específico na coordenação e condução das tarefas que compõem a vida familiar. Diante disso, é possível identificar que a igualdade de gênero constitui um direito humano fundamental. A licençamaternidade, o salário maternidade e a licença-paternidade nos moldes que estão previstos no ordenamento pátrio desrespeitam o direito humano fundamental da igualdade de gênero, visto que reforçam os estereótipos da divisão sexual do trabalho de homens e mulheres na sociedade. Portanto, a licença parental possibilitaria que os genitores, independentemente de seu gênero, tenham as mesmas responsabilidades familiares, podendo se ausentar do trabalho para cuidar de seus filhos sem prejuízo de seu emprego. Proteção e efetivação que também encontra firme fundamento nas convenções internacionais .

7. O ARCABOUÇO INTERNACIONAL QUANTO AOS DIREITOS TRABALHISTAS E PREVIDENCIÁRIOS NA PERSPECTIVA DE PROMOÇÃO DA IGUALDADE DE GÊNERO

No âmbito internacional, devese destacar o papel que a Organização Internacional do Trabalho (OIT) tem tido a fim de combater a discriminação de gênero. Ressaltamos o documento denominado Recomendação nº 123 da OIT de 1965 intitulado de Recomendação sobre os trabalhadores com responsabilidades familiares, que enfatizou a complexidade que existe entre a vida pessoal e profissional de uma mulher com responsabilidade familiar, principalmente em relação aos filhos.

Tal recomendação ressalta o papel das políticas públicas de não discriminação do labor feminino que visem esclarecer o papel da mulher que possui trabalho e responsabilidades familiares. Esta recomendação destaca a função da educação como medida necessária para que o homem e a mulher compartilhem as responsabilidades familiares, gerando espaço para que ambos desempenhem melhor as responsabilidades profissionais e familiares.

Posteriormente, de uma maneira mais abrangente e com caráter obrigatório para os países signatários, a Convenção n.º 156 da OIT de 1981, denominada “ convenção sobre a igualdade de oportunidades e de tratamento para homens e mulheres trabalhadores: Trabalhadores com encargos de família” apontam mecanismos para que se efetive a igualdade de oportunidades e de tratamento para os trabalhadores homens e mulheres com responsabilidades familiares. A Convenção tem como principal foco que os países signatários possam adotar políticas nacionais que tragam tutela efetiva aos trabalhadores com responsabilidades familiares, evitando assim, a discriminação entre homens e mulheres no trabalho.

O Brasil, por sua vez, embora seja membro da OIT, não aderiu ao texto da Convenção Internacional n. º 156, não se responsabilizando por um documento de suma importância para a comunidade nacional e internacional. Tal atitude permite a manutenção da discriminação da mulher no ambiente de trabalho que é materializada pelo recebimento de salário menores que homens nos mesmos cargos e funções de trabalho, ou ainda pela preferência das empresas na contratação de trabalhadores homens, visto que socialmente, ainda se tem em mente que a mãe que é a responsável pela educação dos filhos e afazeres domésticos.

Além desses instrumentos da OIT sobre a não discriminação de gênero na divisão do trabalho, deve-se destacar que em 2015, a Assembleia Geral das Nações Unidas adotou a agenda 2030 de desenvolvimento sustentável. As metas para o alcance da igualdade de gênero estão concentradas no objetivo de desenvolvimento sustentável (ODS)5 e transversalizadas em outros 12 (doze) objetivos globais, devendo-se destacar alguns deles, como o que trata da necessidade de reconhecimento e valorização do trabalho de assistência doméstico não remunerado por meio da disponibilização de serviços públicos; Da necessidade da criação de infraestrutura e políticas de proteção social, bem como a promoção da responsabilidade compartilhada dentro do lar e da família. Além disso, destacamos o dispositivo que afirma a necessidade de se garantir a participação plena e efetiva das mulheres e a igualdade de oportunidades para a liderança em todos os níveis da vida política, econômica e pública.

Tendo como base tais recomendações internacionais, a licença parental constituiria, caso regulamentada pelo ordenamento pátrio, um instrumento legal para efetivar o direito humano fundamental de igualdade de gênero.

8. CONCLUSÃO

Em países que se encontram em processo de envelhecimento populacional como o Brasil, há necessidade de se incrementar os benefícios que garantam a existência normal da família, visando a continuidade do pacto de gerações. A tendência ao crescimento da participação da mulher no mercado de trabalho mostra que a família deve ser cada vez mais objeto de preocupações analíticas e de formulação de políticas públicas. Pode-se atingir certos objetivos com muito mais eficácia se, ao invés de focarmos o indivíduo em si, este for visualizado no contexto da família;

A licença parental é um importante mecanismo a ser implementado no Brasil, a fim de efetivar a igualdade entre homens e mulheres não só no âmbito do direito do trabalho e previdenciário, mas também na seara privada da vida doméstica familiar.

Tal prestação diminui a discriminação da mulher em relação ao homem no ambiente de trabalho, bem como aporta a mesma responsabilidade de ambos os gêneros com as obrigações domésticas e com os cuidados dos filhos.

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A AÇÃO CIVIL PÚBLICA NA DEFESA DOS BENEFÍCIOS PREVIDENCIÁRIOS

Luiz Gustavo Boiam Pancotti94 Heloísa Helena Silva Pancotti95

RESUMO Este texto pretende apresentar premissas para a construção de uma base para a propositura das tutelas coletivas em sede de benefícios previdência social na sua vertente difusa. A experiência brasileira tem indicado que as demandas do direito previdenciário têm sido predominantemente individuais, apesar de sua natureza metaindividual ou difusa. Considerando que os riscos sociais na contemporaneidade são cada vez mais complexos, bem como a fluidez das contingências sociais cobertas, o direito previdenciário deve desenvolver uma nova dogmática, incorporando técnicas dos direitos difusos e coletivos, para produzir decisões mais uniformes e justas. O artigo concluiu incluindo o Direito Previdenciário entre os ramos do Direito Difuso, e apresentando premissas para a teorização de uma tutela coletiva previdenciária.

PALAVRAS-CHAVE Tutela coletiva previdenciária, direitos difusos e teoria dos riscos.

94 Professor Adjunto do Curso de Direito na disciplina de Direito da Seguridade Social da Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul – UEMS, Campus Paranaíba/MS Doutor em Direito Previdenciário pela PUC/SP e Pós-Doutor em Direito na Universidade Estadual do Norte do Paraná – UENP

95 Doutoranda vinculada ao Programa de Pós-Graduação em Ciências Jurídicas da UENP- Universidade Estadual do Norte do Paraná. Professora de Direito da Seguridade Social, Advogada, Escritora Jurídica. 1. INTRODUÇÃO

O que se pretende com o presente trabalho é desenvolver o estudo e a pesquisa acerca da natureza metaindividual dos benefícios previdenciários e da sua tutela coletiva na sua vertente difusa. O interesse pelo tema decorre da transição da sociedade de massa para uma sociedade de risco e dos instrumentos processuais que desempenham um papel de importância definitiva na efetividade do direito, bem como no processo de aplicação do direito.

Não obstante a grande questão que se depara na transição da sociedade de massa, dividida em classe, para a sociedade de risco é o descompasso entre as promessas constitucionais e as possibilidades de sua realização, uma vez que o Estado Social não prescinde de um poder político forte, de um lado e, de outro, a desconfiança/descompromisso coletivo e individual com o seu projeto constitucional. Isto porque, se assim concebidos, produziria uma situação de incerteza sobre os perigos sociais, nem sempre abarcados pelo Estado Constitucional fortalecendo a exclusão social.

Assim, diante da fluidez das contingências sociais protegidas, bem como à inexistência de uma orientação interpretativa segura sobre determinados assuntos, vislumbra-se a necessidade de uma prestação jurisdicional coletiva a fim de garantir uma função social mais efetiva sob o viés administrativo. Com isso, o INSS irá tomar as suas decisões em conformidade com as orientações jurisprudenciais já consolidadas. O trabalho está dividido em três partes: na primeira, a definição de interesses metaindividuais; na segunda, enunciação dos postulados básicos do direito difuso e por fim a defesa dos benefícios previdenciários em ações coletivas.

2. INTERESSES METAINDIVIDUAIS OU TRANSINDIVIDUAIS

Os interesses se denominam transindividuais porque superam, transcendem o indivíduo, ultrapassando o limite da esfera de direitos e obrigações de cunho individual96. O panorama dos direitos e interesses desta ordem transindividual, por afetarem o direito posto individualista até então existente, exigiu a busca de instrumentos jurídicos adequados, isto é, instrumentos próprios

96 Os principais exemplos da legislação brasileira sobre o mérito: A Lei n.º 11.770 de 2008 que instituiu o programa empresa Cidadã ampliou o direito à licença-maternidade para 60 dias às servidoras públicas e às empregadas de empresas que aderirem ao programa. Esta mesma lei garantiu para os homens que trabalham em empresas do Programa Empresa Cidadã, licença paternidade de 20 dias. A Lei n.º 10.421 de 2002, trouxe a licença-maternidade para adotante e guardiã somente para a adoção ou guarda judicial de crianças de zero a oito anos de idade, posteriormente a Lei n.º 13.509 de 2017 garantiu à adotante e à pessoa que obtém a guarda de crianças e adolescentes de até dezoito anos no período total da licença estipulada por lei. A Lei n.º 12.873 de 2013, ao incluir o art. 71-B na Lei n.º 8.213 de 1991, possibilitou o recebimento do salário-maternidade ao cônjuge sobrevivente em caso de morte da mãe do recémnascido ou de seu abandono pelo tempo restante da licençamaternidade. A Lei n.º 13.536 de 2017 garante as bolsistas de pesquisa o direito ao salário-maternidade. Além disso, a Lei n.º 13.257/2016 assegura o direito do pai acompanhar a gestante por até dois dias em consultas e exames pré-natal.

que propiciassem o seu exercício efetivo e diferenciado, surgindo assim legislações que tutelassem os interesses das massas atingidas por relações plúrimas. Neste sentido, emergem fundamentalmente duas grandes espécies de interesses reconhecidos pelos ordenamentos jurídicos contemporâneos: os individuais e os transindividuais ou metaindividuais.

O marco jurídico do estudo brasileiro do direito metaindividual está no artigo de Mauro Cappelletti97, onde se discute o abismo entre a dicotomia público e privado, que foca a complexidade das relações sociais contemporâneas e a falta de um instrumento jurisdicional apto a dar a devida resposta. Na realidade, a complexidade da sociedade moderna, com intricado desenvolvimento das relações econômicas, dá lugar à situação nas quais determinadas atividades podem trazer prejuízos aos interesses de um grande número de pessoas, fazendo surgir problemas desconhecidos às lides meramente individuais98 .

Mauro Cappelletti, ao problematizar a questão da legitimação das ações coletivas, informa que de forma tradicional o problema é resolvido na simplicidade daquilo que é reservado ao direito privado ou público, sendo este subdividido naquilo

97 Celso Antonio Pacheco Fiorillo. Curso de Direito Ambiental Brasileiro (São Paulo: Saraiva, 2003), p. 06.

98 Mauro Cappelletti. Formações Sociais e interesses Coletivos diante da justiça civil (Revista de Dirieto Processual Civil, São Paulo, Editora Revistas dos Tribunais: 1977), 128/159. que é reservado ao povo ou ao Estado. Renato Alessi99 elaborou uma classificação dos interesses públicos como o geral da coletividade e o interesse público propriamente dito, sendo aquele o interesse do estado enquanto pessoa jurídica e este o interesse comum da coletividade, na defesa dos valores públicos que devem ser promovidos pela coletividade.

Estes interesses sociais, ou seja, aqueles promovidos pela sociedade podem ser exteriorizados por qualquer cidadão, individualmente ou associado, mesmo que não invoque o interesse público, intentando uma ação em defesa de seu próprio interesse subjetivo ou de categorias e de classes (saúde e ambiente do trabalho, medidas de proteção à infortunística, qualidade de vida do trabalhador, desemprego em massa, assistência médica, enquadramento profissional na Classificação Brasileira de Ocupações, etc.).

Assim, no que se refere em determinadas situações ou riscos sociais, vislumbra-se que não há na atualidade um instrumento apto a corrigir ou reparar a ocorrência de determinados danos, em razão da própria impossibilidade técnica de retornar àquela situação no status quo ante.

Não obstante nossa legislação já fizesse referência aos direitos e interesses metaindividuais, a defesa

99 Ob. cit. 130. destes interesses sociais se consolidaram definitivamente com a edição do Código de Defesa do Consumidor (Lei 8.078, de 11 de setembro de 1990), que os classificou em direitos e interesses difusos, coletivos e individuais homogêneos. De acordo com Kazuo Watanabe100 , um dos autores do anteprojeto da Lei 8.078/90, a tutela coletiva abrange dois tipos de interesses ou direitos: a) os essencialmente coletivos, que são os “difusos”, definidos no inc. I do parágrafo único do art. 81, e os “coletivos” propriamente ditos, conceituados no inc. II do parágrafo único do art. 81; b) os de natureza coletiva apenas na forma em que são tutelados, que são os “individuais homogêneos”, definidos no inc. III do parágrafo único do art. 81.

Assim, temos duas espécies de direitos essencialmente coletivos - ou direitos coletivos lato sensu - que são os direitos coletivos strictu sensu e os direitos difusos. Os direitos individuais homogêneos possuem particularidades que os diferenciam dos interesses individuais e os excluem da classificação de interesses essencialmente coletivos, como se verá adiante.

No decorrer deste artigo, buscarse-á demonstrar o caráter difuso que a atuação da previdência social possui em se tratando de benefícios, realizando de

100 Renato Alessi. Sistema istituzionale del diritto amministratitivo italiano (Milano: Giuffrè, 1960), 197198. forma pontual a diferença entre a defesa dos direitos coletivos e a defesa coletiva de direitos101 .

2.1. DIREITOS COLETIVOS LATO SENSU

Preliminarmente, antes de aprofundar na noção de direito difuso, mister salientar que por questão de política legislativa, a lei brasileira adotou para a tutela coletiva a classificação tripartida fulcrada na distinção de interesses difusos, coletivos e individuais homogêneos102 .

Diante da inexistência de consenso doutrinário sobre a tutela do direito coletivo, no conceito do interesse difuso o legislador preferiu adotar conceitos que lhe pareciam mais adequados ao Código de Defesa do Consumidor. Essencialmente, os interesses individuais homogêneos103 foram encarados como direito coletivo pelo ordenamento pátrio para dar amparo normativo às class action

101 Ada Pellegrini Grinover. O Código Brasileiro de Defesa do Consumidor comentado pelos autores do Anteprojeto. (Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1991), p.457.

102 Teori Albino Zavascki. Defesa dos direitos coletivos e defesa coletiva de direitos. (RF, nº 329), 1995.

103 Art. 81. A defesa dos interesses e direitos dos consumidores e das vítimas poderá ser exercida em juízo individualmente, ou a título coletivo. Parágrafo único. A defesa coletiva será exercida quando se tratar de: I - interesses ou direitos difusos, assim entendidos, para efeitos deste código, os transindividuais, de natureza indivisível, de que sejam titulares pessoas indeterminadas e ligadas por circunstâncias de fato; II - interesses ou direitos coletivos, assim entendidos, para efeitos deste código, os transindividuais, de natureza indivisível de que seja titular grupo, categoria ou classe de pessoas ligadas entre si ou com a parte contrária por uma relação jurídica base; III - interesses ou direitos individuais homogêneos, assim entendidos os decorrentes de origem comum. (grifo nosso).

que, embora inspirada no direito norteamericano, obteve na legislação nacional contornos próprios. Verifica-se que a doutrina de vanguarda aponta certa ambiguidade entre os interesses difusos e coletivos, uma vez que ambos sugerem a noção do que é extenso, de que, por serem extensos seriam aplicáveis a muitas pessoas.

Note, porém, que o Código de Defesa do Consumidor, no caput do artigo 81, dispõe que a defesa coletiva será exercida quando se tratar de direitos e interesses difuso, coletivo ou individual homogêneo. Destarte, são interesses que a ordem jurídica protege e que dispõe de instrumentos para sua satisfação, interesse configurador do direito subjetivo, se atribuível a um sujeito determinado104 . Ademais, cumpre salientar que a Carta Fundamental ao elencar as atribuições do Ministério Público, no artigo 129, inciso III diz que cumpre ao órgão a defesa de outros interesses difusos e coletivos. Por fim, cumpre salientar que a orientação jurisprudencial do Supremo Tribunal Federal diferencia as expressões difusos e coletivos105 .

Observe-se, no entanto, que não há pretensão de divergir da classificação adotada pela lei, mas far-se-á um agrupamento entre os interesses para fins científicos, dada a identidade de algumas

104 Os interesses individuais homogêneos não são interesses essencialmente coletivos, mas possui um viés coletivo em razão da forma em que eles são tutelados, definidos no inciso III do artigo 81 do CDC.

105 Édis Milaré. Ação Civil Pública: Lei 7347/85 – 15 anos. (São Paulo: Editora Revistas dos Tribunais, 2002), 57. características, com a análise das distintas peculiaridades que as diferenciam uma da outra.

Destarte, para melhor análise do tema proposto, passa-se ao estudo dos respectivos conceitos de forma pontual e clara.

2.2. DIREITO PREVIDENCIÁRIO EM SEDE DE INTERESSES DIFUSOS

Difusos são interesses indivisíveis, de grupos indetermináveis de pessoas, entre as quais existe um vínculo fático muito preciso. Trata-se de um feixe de interesses individuais ligados por pontos em comum106. Interesses difusos são os

106 “A CF confere relevo ao Ministério Público como instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis (CF, art. 127). Por isso mesmo detém o Ministério Público capacidade postulatória, não só para a abertura do inquérito civil, da ação penal pública e da ação civil pública para a proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente, mas também de outros interesses difusos e coletivos (CF, art. 129, I e III).

Interesses difusos são aqueles que abrangem número indeterminado de pessoas unidas pelas mesmas circunstâncias de fato e coletivos aqueles pertencentes a grupos, categorias ou classes de pessoas determináveis, ligadas entre si ou com a parte contrária por uma relação jurídica base. A indeterminidade é a característica fundamental dos interesses difusos e a determinidade a daqueles interesses que envolvem os coletivos. Direitos ou interesses homogêneos são os que têm a mesma origem comum (art. 81, III, da Lei 8.078, de 11-9-1990), constituindo-se em subespécie de

direitos coletivos. Quer se afirme interesses coletivos ou particularmente interesses homogêneos, stricto sensu, ambos estão cingidos a uma mesma base jurídica, sendo coletivos, explicitamente dizendo, porque são relativos a grupos, categorias ou classes de pessoas, que conquanto digam respeito às pessoas isoladamente, não se classificam como direitos individuais para o fim de ser vedada a sua defesa em ação civil pública, porque sua concepção finalística destina-se à proteção desses grupos, categorias ou classe de pessoas. As chamadas mensalidades escolares, quando abusivas ou ilegais, podem ser impugnadas por via de natureza indivisível, de que sejam titulares pessoas indeterminadas e ligadas por circunstâncias de fato. O artigo 81, inciso I do Código de Defesa do Consumidor diz que difusos são os interesses ou direitos transindividuais, de natureza indivisível, de que sejam titulares pessoas indeterminadas e ligadas por uma circunstância de fato. Assim como os direitos coletivos, os interesses difusos são também de natureza indivisível. A grande diferença, entretanto, é que os titulares destes direitos são pessoas indeterminadas e que se encontram ligadas por uma situação de fato, enquanto as outras pessoas que figuram como titulares dos direitos coletivos e estão por isso estão ligados entre si por uma relação jurídica. Mancuso107 de forma cristalina

de ação civil pública, a requerimento do Órgão do Ministério Público, pois ainda que sejam interesses homogêneos de origem comum, são subespécies de interesses coletivos, tutelados pelo Estado por esse meio processual como dispõe o art. 129, III, da CF. Cuidando-se de tema ligado à educação, amparada constitucionalmente como dever do Estado e obrigação de todos (CF, art. 205), está o Ministério Público investido da capacidade postulatória, patente a legitimidade ad causam, quando o bem que se busca resguardar se insere na órbita dos interesses coletivos, em segmento de extrema delicadeza e de conteúdo social tal que, acima de tudo, recomenda-se o abrigo estatal. Recurso extraordinário conhecido e provido para, afastada a alegada ilegitimidade do Ministério Público, com vistas à defesa dos interesses de uma coletividade, determinar a remessa dos autos ao Tribunal de origem, para prosseguir no julgamento da ação.” (RE 163.231, Rel. Min. Maurício Corrêa, julgamento em 26-2-1997, Plenário, DJ de 296-2001.) No mesmo sentido: AI 559.141-AgR, Rel. Min. Marco Aurélio, julgamento em 21-6-2011, Primeira Turma, DJE de 15-8-2011; RE 514.023-AgR, Rel. Min. Ellen Gracie, julgamento em 4-12-2009, Segunda Turma, DJE de 5-22010; RE 511.961, Rel. Min. Gilmar Mendes, julgamento em 17-6-2009, Plenário, DJE de 13-11-2009.

107 Hugo Nigro Mazilli. A defesa dos interesses difusos em juízo: meio ambiente, consumidor e outros interesses descreve que os interesses difusos se encontram numa ordem crescente de coletivização, baseados nos diversos planos de titularização, ordenando os interesses de menor titulares para os maiores. E assim o demonstra:

Sob este enfoque, caminha-se desde os interesses individuais (suscetíveis de captação e fruição pelo indivíduo isoladamente considerado), passando pelos interesses sociais (interesses pessoais do grupo visto como pessoa jurídica; da, mais um passo, temos os interesses coletivos), que depassam as esferas anteriores, mas se restringem a valores concernentes a grupos sociais ou categorias bem definidos; no grau seguinte temos o interesse geral ou público (referido primoridialmente à coletividade representada pelo Estado e se exteriorizando em certos padrões estabelecidos, ou standards sociais, como Bem comum, Segurança Pública, Saúde Pública). Todavia, parece que há ainda um grau de escala, isto é, haveria certos interesses cujas características não permitiriam, exatamente, sua assimilação a essas espécies. Referimo-nos aos interesses difusos108 .

Portanto, para o autor, os interesses difusos ultrapassam o interesse público ou geral, pois existe um alto índice de

difusos e coletivos. (São Paulo: Saraiva, 2001), 07.

108 Rodolfo Camargo Mancuso. Jurisdição Coletiva e Coisa Julgada – teoria geral das ações coletivas. (São Paulo: Revistas dos Tribunais, 2006), 68.

desagregação ou de atomização que lhe permite designar um número indefinido de indivíduos e cada qual deles ao mesmo tempo109 . Para Mancuso110, neste mister, o primado recai em valores de ordem social, como o bem comum, a qualidade de vida, os direitos humanos, justiça social, bem estar, proteção social, dentre outros. A fluidez destes valores, em razão da volatilidade sobre a sua dimensão e intensidade de aplicação, atrai a marca da impessoalidade, pois se cuida de aferir qual a postura mais oportuna e conveniente dentre um leque de alternativas, aglutinadas nos diversos grupos sociais interessados, naquilo que se pode chamar de conflitualidade intrínseca. Em matéria previdenciária é possível vislumbrar interesses conflituosos entre si ao se deparar com o reajuste anual dos benefícios da previdência social, em que um lado se verifica o postulado da manutenção do valor dos benefícios em contraponto com a regra da contrapartida. O interesse difuso é intrinsicamente conflituoso sempre devendo buscar o equilíbrio baseado na sua natureza e na responsabilidade ética. Exemplifico: a defesa do segurado em juízo face ao regime de previdência social pode repercutir, diante de uma determinada de lesão, beneficiários identificáveis. Nesta perspectiva, estamos diante da ofensa a interesses individuais111

109 Mancuso, Jurisdição Coletiva e Coisa Julgada, 69.

110 Mancuso, Jurisdição Coletiva e Coisa Julgada, 69

111 Mancuso, Jurisdição Coletiva e Coisa Julgada, 111. e se vários forem os segurados, teremos os chamados interesses individuais homogêneos112. Assim como na tutela ao meio ambiente - interesse difuso por excelência - é possível identificar um morador - sujeito de uma relação – que seja prejudicado diante de uma lesão específica em razão de uma construção irregular feita pelo seu vizinho113 . Por outro lado, e é este o ponto nodal do presente artigo, se houver ofensa à natureza molecular do benefício previdenciário em questão, em potencial prejuízo a qualquer tipo ou espécie de beneficiários da previdência social114, será

112 Interesse individual é o interesse cuja fruição se esgota no círculo de atuação de seu destinatário. Se o interesse é bem exercido, só o indivíduo disso se beneficia, em caso contrário, só ele suporta os encargos (in, Mancuso, Jurisdição Coletiva e Coisa Julgada, 41). Exemplos: indeferimento de concessão do benefício, revisão de benefício, contagem de tempo de serviço, etc.

113 Como ocorreu na Ação Civil Pública nº 98.03.028182-8, AC 28182 SP, de relatoria do Juiz Convocado Alexandre Sormani, julgado em 25/03/2008, que decidiu sobre a obrigatoriedade do INSS ao corrigir os benefícios previdenciários pelo índice de 147,06% para aqueles que eram mantidos até março de 1.991, data inicial do período base para apuração de tal corrosão monetária, aplicando-o a partir de 1º de setembro de 1.991, mas deduzindo o percentual de 79,96% já computado (Portaria MPS nº 302 de 20 de julho de 1.992). Recentemente a

Ação Cívil Pública registrada sob o nº 0004911-

28.2011.4.03.6183, tramitada na 1ª Vara Previdenciária da Subseção Judiciária de São Paulo do TRF da 3ª Região cujo objeto foi impor ao Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), em âmbito nacional a obrigação de fazer no sentido de proceder, no âmbito administrativo, a revisão dos benefícios previdenciários concedidos antes da vigência dos novos tetos do Regime Geral de Previdência Social estabelecidos pelo art. 14 da Emenda Constitucional 19 e 20/1998 e pelo art. 5° da Emenda Constitucional n° 41/2003, que tenham sidos calculados sob outros limites, conforme decidido pelo Supremo Tribunal Federal nos autos do Recurso Extraordinário n° 564.354.

114 Nos termos do artigo 14, § 1º da Lei 6.938/81, é possível compreender responsabilidade como sendo a conseqüência decorrente do não cumprimento de uma obrigação. No instante em que alguém se obriga perante suficiente uma só demanda coletiva, cuja sentença, nos termos do artigo 103, I, do CDC, fará coisa julgada erga omnes115 . Exemplo disto se verificou nas ocasiões em que os homossexuais brasileiros que viviam em regime de união estável homoafetiva não eram considerados dependentes do RGPS. Em razão desta indeterminação subjetiva que cerca os interesses difusos, configura-se a chamada titularidade aberta, ou seja, podem ser titulares da ação corpos intermediários116 da sociedade civil, indivíduos isolados ou o Ministério

outrem a uma conduta positiva ou negativa e não cumpre, arcará com as implicações decorrentes de tal ato. Desta forma, as condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas, independentemente da obrigação de reparar os danos causados (artigo 225, §3º da CF/88).

115 Como prevê a concessão de liminar na Ação Civil Pública nº 2000.71.00.009347-0, do Tribunal Regional da 4ª Região, da Subseção Judiciária de Porto Alegre, onde a ação foi originada por denúncia da organização não-governamental Nuances, em 24 de setembro de 1999, perante o Ministério Público Federal em Porto Alegre, alegando que o INSS violava direitos humanos, a igualdade e a livre expressão sexual ao indeferir administrativamente pedidos de pensão previdenciárias para companheiros do mesmo sexo. Foi então um Inquérito Civil Público pelo Ministério Público Federal, onde o superintendente do INSS justificou o indeferimento pois “não é devida a concessão desses benefícios em casos de relação homossexual”. Baseado em tais fatos, o Ministério Público Federal ajuizaram ação civil pública, pedindo que o INSS passasse a considerar o companheiro ou companheira homossexual como dependente preferencial de mesma classe dos companheiros heterossexuais, passando a conceder a pensão por morte e o auxílioreclusão, além de expedir ato administrativo nesse sentido. A partir de então, tal direito é garantido, encontrando-se atualmente previsto na Instrução Normativa INSS/PRES n.º 45 de 06 de agosto de 2010, nos artigos 25; 45, §2º; 322 e 335.

116 Ada Pelegrini Grinover. Código de Defesa do Consumidor: comentado pelos autores do anteprojeto. (Rio de Janeiro: Forense Univeresitária, 1998), 626-633. Público117. Assim, diante da nossa proposta pergunta-se: quais os homossexuais brasileiros que vivem em regime de união estável homoafetiva que dependerão de um benefício previdenciário futuramente? Quais os cônjuges varões que enviuvaram de uma segurada especial da previdência social após a promulgação da Constituição Federal de 1988, mas antes da promulgação da Lei 8.213/91? Não há como identificá-los. Na prática, os operadores do direito têm fragmentado os interesses difusos coletivizando-os, ou seja, atribuindo apenas a um segmento da sociedade, como moradores de um bairro, um Município, um ou mais Estados, ou no nosso caso, beneficiários do RGPS. Quando isto ocorre há um desvirtuamento do interesse difuso para transindividual atomizando os conflitos em pequenos blocos, quando o objetivo do legislador é submeter à apreciação nuclear do direito protegido na sua configuração molecular118 para fornecer uma tutela jurisdicional mais efetiva.

Assim, os interesses difusos são interesses metaindividuais que, não tendo atingido o grau de agregação e organização necessário à sua afetação institucional junto a certas entidades ou órgãos representativos dos interesses já socialmente definidos, restam em estado fluído, dispersos na sociedade civil como

117 Cappelletti. Formações Sociais e interesses Coletivos diante da justiça civil, 147.

118 Art. 6º. Ninguém poderá pleitear, em nome próprio, direito alheio, salvo quando autorizado por lei.

um todo, podendo, por vezes, concernir certas coletividades de conteúdo numérico indefinido119 . É neste mister que se defende a natureza dos benefícios previdenciários como de interesse difuso. Com efeito, a nossa proposta é de demonstrar a abertura subjetiva do universo dos segurados da previdência social brasileira como sujeitos indetermináveis, já que não se pode identificar quem será acometido pela contingência deflagradora da concessão do benefício. Os interesses difusos estão soltos, desagregados, disseminados entre segmentos sociais, mais ou menos extensos, não existindo um vínculo jurídico básico, mas exsurgem de aglutinações contingenciais, normalmente contrapostas entre si120 . Na seara previdenciária se verificam a conflitualidade máxima ao se deparar com interesses contrapostos entre si

119 Na realidade física a matéria não existe sem movimento, componente essencial do ser, assim a ontológica deveria nos dizer que nada existe, pois o que constantemente se move nunca é o mesmo e se nunca é o mesmo não pode existir. Mas seria absurdo afirmar que nada existe. É forçoso reconhecer que as coisas existem, há uma permanência, uma estabilidade, como atributo da estrutura. A estabilidade própria das estruturas decorre da harmonia e do equilíbrio dos seus elementos constitutivos segundo uma ordem geral. Ordem é a disposição certa dos seres. Sua causa material consiste nos elementos distintos, múltiplos que a compõe; sua causa formal é a disposição dos elementos no conjunto para que façam parte do todo conforme a sua natureza e a razão de ser da ordem, a sua causa final, é justamente o fim para cuja consecução os elementos múltiplos passam a constituir uma unidade. A ordem é algo que se acrescenta à ausência de ordem, tem existência primordial, antecede a desordem, entendida como sendo a ordem que não queremos: “Damos o nome de ordem à ordem que nos convém e o nome de desordem à ordem que não nos convém”. (Goffredo da Silva Telles. O Direito Quântico. (São Paulo: Max Lemonad, 1985), 59-67)

120 Mancuso, Jurisdição Coletiva e Coisa Julgada, 115. no grupo de massa dos beneficiários da Previdência Social com o interesse público secundário do Estado na gestão do erário público, circunstância observada dentro do postulado da seletividade (risco e necessidade). Por sua vez, a conflituosidade deriva basicamente de uma situação de fato, quais sejam: as contingências sociais. Isto é, a circunstância fática que ligam estas pessoas ao bem indivisível é justamente a ocorrência de um acontecimento no mundo fenomênico, devidamente amparado por lei, que reclama a proteção social, natureza indivisível da relação difusa, já que o segurado não pode, via de regra, cindi-la.

3. AÇÃO CIVIL PÚBLICA PREVIDENCIÁRIA

De acordo com as lições de Mancuso , diz-se processo coletivo quando a finalidade perseguida é a tutela de um interesse metaindividual, não bastando para tal configuração processual a circunstância de figurarem dentre os colegitimados ativos os entes políticos e o Ministério Público. Pugna-se o caráter coletivo a ser tutelado, onde a prestação jurisdicional a ser prestada não poderá ser fracionada ou concedida individualmente, exigindo uma manifestação uniforme do Poder Judiciário aplicável a todos que se encontram naquele status jurídico. Ao contrário do processo civil individualista, o processo coletivo busca a defesa dos interesses transindividuais, pertencentes a toda comunidade, ou a grupo de classe de pessoas indeterminadas, baseada na concepção de transformação da realidade social.

Gregório Assagra de Almeida descreve o processo coletivo como um instrumento fundamental no Estado Democrático de Direito, onde a atividade jurisdicional assume um papel importante, pois assume uma função social fundamental como órgão transformador da realidade social, conferindo-lhe efetividade aos direitos e garantias sócias constitucionais fundamentais.

Por outro lado, de acordo com as lições de José Antônio Savaris temos um direito processual previdenciário, pois; (...) a lide previdenciária possui um caráter único, com um feixe de problemas específicos que devem receber um tratamento normativo diferenciado daquele proposto pelo processo civil clássico.

Posteriormente, o mesmo autor aponta as principais características do direito processual previdenciário, enfatizando que o processo civil clássico deverá ceder espaço à realidade previdenciária, como exigência do devido processo legal em contraponto à adequada tutela jurisdicional a partir das seguintes características fundantes da lide previdencial, qual seja: a fundamentalidade do bem jurídico previdenciário, a presunção de hipossuficiência econômica e informacional, a existência de uma suposta contingência social que o coloca em situação de necessidade, e o caráter público do instituto de previdência. O segurado que não recebe a prestação jurisdicional que determine a concessão do benefício, que na verdade faz jus, persiste indevidamente a situação de ameaça à subsistência e à dignidade humana. Em razão disto, o mencionado autor conclui que o direito individual fundamental à segurança social é de fato indispensável para o exercício das liberdades individuais negativas e nada deve em importância ao direito fundamental da liberdade física, razão pela qual o modelo processual civil clássico não é adequado. Conforme pudemos demonstrar, fica por demais claro que o processo civil clássico, individualista, não possui mais a aptidão de tutelar determinadas categorias de interesses, caracterizados por disputas de classe dentro de uma sociedade de risco. As ações individuais, direcionadas à jurisdição singular não respondem às necessidades atuais de forma homogênea. O processo coletivo possui a aptidão de resolver questões de larga dimensão e profundidade, decorrentes de uma sociedade de risco, constituindo um modelo de prestação jurisdicional onde uma única resposta judiciária possa resolver conflitos de grande magnitude, de maneira homogênea, evitando decisões fragmentadas de forma heterogênea. Com isto, busca-se a prestação jurisdicional adequada com efetividade do acesso à justiça qualitativa e quantitativa, destacando-se à função social do processo. Assim, é lícito afirmar que o

acesso aos interesses metaindividuais à justiça trouxe uma conotação políticosocial para o âmbito da função judicante, antes limitada a resolver crises jurídicas individuais, com a subsunção do fato à norma de regência, em um ambiente subjetivamente delimitado, através de um método simples de silogismo, amparada pelo efeito de imunização da decisão pela coisa julgada. As lides de jurisdição metaindividual são definidas pelo seu conteúdo comportando resposta judicial unitária e solidária, onde há um núcleo comum. De acordo com esta perspectiva, as ações coletivas lato sensu podem ser exercidas por meio do Mandado de Segurança Coletivo, Mandando de Injunção, Ação Popular e Ação Civil Pública. Diante desta nova vertente aqui apresentada, é imperioso reconhecer que é necessária a todas as pessoas envolvidas no exercício da jurisdição coletiva a adoção de novas concepções utilitaristas destinadas a resolverem novas questões sociais, relativizando a aplicação de conceitos técnicos e determinadas formalidades da lei processual civil clássica, flexibilizando os requisitos de admissibilidade processual pra enfrentar o mérito do processo coletivo, como por exemplo a atuação dos Sindicatos como legitimado para a propor a ação coletiva dispensando-o do requisito préconstitutivo para a sua formação (art. 82, § 1º, IV do CDC); a concessão de tutelas de urgência com fixação de astreintes; a adoção de qualquer modalidade de ação e provimento a ser pretendido, desde que metaindividual, como por exemplo o Mandado de Segurança, etc. Propormos nesta ocasião a definição de direito processual coletivo previdenciário como um ramo do direito do direito processual, formado por um conjunto de regras e princípios específicos, destinados a resolver lides coletivas decorrentes da aplicação in concreto dos benefícios previdenciários na sua vertente difusa. Portanto, quando houver ofensa à natureza molecular do benefício previdenciário em debate, que acarrete prejuízo a todos os segurados da previdência social de forma indiscriminada, o direito processual coletivo previdenciário será o ramo do direito a informar a jurisdição coletiva, por meio das várias espécies de ações coletivas que informam o nosso ordenamento jurídico. O objeto material do processo coletivo previdenciário é o próprio mérito decorrente da afirmação do direito, isto é, a proteção social adequada, considerado neste trabalho como bem previdenciário difuso. Por se tratar de um interesse destinado a toda coletividade, a indisponibilidade do seu conteúdo tornase uma de suas características. Razão pela qual não se admite renúncia por parte de qualquer legitimado ativo das ações coletivas, ou transação que implique em risco o respectivo direito coletivo. Observa-se, porém, os titulares do direito material coletivo não se identificam com os legitimados ativos para a propositura da ação coletiva. Com efeito: sua disponibilidade se limita ao conteúdo processual do litígio, pois titulares do interesse material são os indivíduos, ainda que metaindividualmente considerados. Acredita-se que por medida de cautela, seja na hipótese da não promoção da Ação Civil Pública ou da não viabilidade de sua propositura, em respeito ao artigo 9º, §§, da Lei 7.347/85, é indispensável a remessa destes para o Conselho Superior do Ministério Público, para homologar ou rejeitar-se por sua promoção. A partir deste raciocínio, permitase concluir em apertada síntese que (i) todos os co-legitimados podem desistir da ação coletiva uma vez proposta; (ii) todos eles podem assumir a titularidade ativa em caso de abandono ou desistência de qualquer dos outros; (iii) o Ministério Público não é automaticamente obrigado a assumir a promoção da ação nos casos de abandono ou desistência por qualquer dos legitimados. A transação, definida como forma de solução da lide pela autocomposição por meio de concessões recíprocas, veda o legitimado coletivo conduzir o processo por meio de concessões quanto ao direito coletivo por ele tutelado propriamente dito. Situação outra se opera na transação sobre a forma de cumprimento da obrigação decorrente da lesão ao direito coletivo a ser protegido, o que se admite. Neste mister que se observa os Termos de Ajustamento de Conduta que será estudado em item próprio. 4. CONCLUSÃO

O principal propósito deste artigo é fixar o Direito Previdenciário como um ramo do direito difuso. A partir desta premissa, a finalidade prática almejada é de difundir Tutela Coletiva Previdenciária, propiciando instrumentos adequados para a efetividade da prestação jurisdicional. Com efeito: o acesso à justiça se reveste no interesse de uma coletividade, permitindo a legitimação por parte de representante adequado, portador em juízo de interesses e direitos, classe de pessoas. A utilização da tutela coletiva na seara previdenciária resultará em maior efetividade da prestação jurisdicional, pois garantirá aos beneficiários da Previdência Social, sejam estes presentes ou futuros, maior segurança jurídica diante das eventuais ilegalidades perpetrada pelo instituto autárquico na expedição de suas instruções normativas. Com isso, evitase a proposituras de várias demandas decorrentes do mesmo objeto, com o emprego de inúmeros processos versando sobre as mesmas controvérsias de forma fragmentária. Para isto, busca-se afirmar que a dicotomia entre Direito Público e o que seja Direito Privado, está ultrapassada. Isto porque em um Estado tipicamente esculpido em uma finalidade social não se permite uma visão estritamente individualista, cunhada em um critério privado, sem observar as categorias de pessoas que compõe o núcleo social.

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