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BENEFÍCIOS PREVIDENCIÁRIOS
from Revista Científica da Escola Superior de Advocacia: Direito Previdenciário na Atualidade - Ed. 38
by ESA OAB SP
a demora da autarquia em responder às solicitações dos segurados. A demora é relacionada à redução do quadro de pessoal técnico e de procuradores do INSS.
A pesquisa é muito importante porque coletou dados em uma amostragem de 9.253.045 processos administrativos e 593.772 concessões em decorrência de decisão judicial do período entre dezembro de 2018 e dezembro de 2019, assim como dados administrativos agregados para os dez anos anteriores; dados de gestão processual da Justiça de 9.027.825 processos judiciais de 2015 a 2019; textos de decisões judiciais referentes a 1.334.814 processos de 2015 a 2018; e entrevistas semiestruturadas com 47 representantes dos sistemas de justiça e previdenciário.”
Os números que envolvem os benefícios previdenciários merecem destaque, desde a fase administrativa até a judicial, como bem destacou Paulo Brum Vaz em recente artigo: “Em relação ao atraso no exame ‘’dos pedidos na via administrativa, estimase que hoje existam cerca de 2 milhões de pedidos represados no INSS, sendo 1,3 milhão com mais de 45 dias. Esse” número foi impulsionado pela reforma previdenciária de 2019 (EC nº 103), que desencadeou verdadeira corrida ao INSS para diversos fins: requerimento de certidões, benefícios, contagem de tempo de contribuição, etc. Depois, a partir de março de 2020, a pandemia da COVID-19 fez com que esses números subissem assustadoramente com o fechamento do INSS para atendimento presencial.”
E os números não param por aí, como citado no mesmo artigo, pois a cada ingerência da autarquia, reflete na consequente judicialização, contrariando o estigma de que a questão é orçamentaria:
“É paradoxal a situação da judicialização para poder judicializar, a chamada “dupla judicialização”. Diante da demora do INSS em analisar na via administrativa os requerimentos formulados, o segurado é obrigado a impetrar mandado de segurança para suprir a omissão, porquanto a resposta administrativa é necessária, segundo um entendimento a partir da necessidade de prévio requerimento reconhecida pelo STF no precedente vinculante do RE 631.240, Tema 350, julgamento concluído em 2016. Por conta disso, estima-se que houve um incremento médio em torno de 300% nos mandados de segurança impetrados na Justiça Federal. Dados do Tribunal Regional Federal da 3ª Região mostram que, em 2019, esse aumento seria de 284%, passando de 4.832 para 16.805. O testemunho mais evidente da judicialização da Previdência Social está em que as concessões na via judicial têm aumentado consideravelmente. Para alguns benefícios, oito (8) entre dez (10) segurados obtiveram o benefício judicialmente. Esse reflexo da judicialização, tal como ela mesma, revela uma patológica inversão dos papéis funcionais do INSS e do Poder Judiciário. A partir da análise realizada até o momento, verificamos que o gargalo da desproteção social alarga significativamente. A conduta estatal é protetiva ou de exclusão? Depreendese, então, que há um descaso com a população necessitada. Estamos diante de problemas sociais e jurídicos concretos, temos argumentos suficientes para inaugurar um estudo profundo, trazer à debate, os percalços trazidos pela ineficaz malha pericial previdenciária e sua relação orçamentária.
5. CONCLUSÃO
O bem jurídico tutelado pelo direito previdenciário é a vida, a saúde, a subsistência imprescindível para a sobrevivência da população. Os benefícios previdenciários têm caráter alimentar, necessitam, portanto, de celeridade processual. Constata-se ao longo do trabalho a importância da realização da prova pericial, o quanto ela é importante para o deslinde da capacidade laboral, tanto no âmbito administrativo como judicial. A realização da prova pericial é essencial para que possa elucidar alguns fatos técnicos, como por exemplo a capacidade ou incapacidade laboral do trabalhador, ela servirá de apoio ao magistrado, para que ele se sinta seguro na hora de julgar.
A limitação trazida no texto do PL, acerca da realização de uma única perícia, se aprovado nesses temas, deixando a cargo de uma decisão excepcional de uma ou de qualquer instância julgadora, cerceia o jurisdicionado não somente ao acesso ao Judiciário como também à Justiça propriamente dita.
Há de se indagar, ainda, como serão realizadas as perícias biopsicossociais já constantes na LC n. 142/2013 (Aposentadoria Especiais do Deficiente), bem como dos benefícios assistenciais da LOAS (Lei n. 8742/1993). Há de se perguntar, ainda, acerca do descumprimento da Lei n. 13146/2915 (Estatuto do Deficiente), que em seu artigo segundo, parágrafo segundo, aponta a perícia biopsicossocial como forma de verificação da incapacidade duradoura (dois anos ou mais).
Estas são algumas das indagações e reflexões que queremos trazer à baila, pois estarão em jogo a vida de milhares de jurisdicionados, à maciça parcela de vulneráveis e hipossuficientes, que necessitam unicamente dos benefícios por incapacidade e outros similares, para proverem seus sustentos.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BRUM VAZ, Paulo Afonso. A Judicialização dos benefícios previdenciários por incapacidade: da negativa administrativa à retração judicial. Revista da Escola da Magistratura do TRF da 4.ª Região n.º 18, Páginas 11-32, 28-07-2021.
CAETANO COSTA, Jose Ricardo. Perícia Biopsicossocial Aplicabilidade, Metodologia, Casos Concretos, 1. Ed., Ed. Juruá, 2018.
CRIMES PREVIDENCIÁRIOS: LESIVIDADE X ADEQUAÇÃO
Ricardo Alves Bento156
RESUMO O Direito Penal brasileiro reconheceu a necessidade de criminalização das condutas lesivas cometidas em prejuízo da seguridade social, buscando proteger a previdência social, assistência social e saúde no Estado Democrático de Direito. Inicialmente, traçaremos uma evolução paradigmática da lesividade das condutas típicas segundo o mandato constitucional de criminalização, reconhecendo o assento constitucional da proteção deste bem jurídico. Desta forma, faremos uma necessária adequação destes crimes na proteção dos bens jurídicos-penais, para que se cumpra a proteção que a Constituição Federal determinou. Ao final, discorrendo sobre incursões na norma penal incriminadora, objetiva a pretendida harmonia entre a lesividade e adequação do tipo penal, inclusive com incursões desta modalidade delitiva no Direito Processual Penal.
PALAVRAS-CHAVE Crimes previdenciários – Direito Penal – Seguridade Social – Necessidade – Adequação.
156 Advogado. Especialista, Mestre e Doutor em Direito Processual Penal – PUC/SP. Professor Assistente do PósGraduação da PUC/SP na área de Direito Processual Penal. Professor da Escola Paulista da Magistratura do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo. Coordenador de Combate à Corrupção da Ordem dos Advogados do Brasil, Seccional São Paulo (2019/2020). 1. INTRODUÇÃO
O presente artigo tratará sobre legitimação constitucional da criminalização de condutas que violem a seguridade social, reconhecidamente, um bem jurídico penal que deve ser tutelado no Estado Democrático de Direito brasileiro.
Inicialmente, considerando a dignidade da pessoa humana como fonte constitucional para a criminalização dos crimes contra a seguridade social, firmando o fundamento humanista como paradigma a construção dos valores da sociedade brasileira.
Será valorada a base normativa da lesividade supra individual dos crimes previdenciários, buscaremos elementos críticos para a busca da adequação da proteção do Direito constitucional previsto no Artigo 194 da Constitucional Federal.
Nos crimes previdenciários, trataremos das variáveis inseridas no tipo penal que possam impossibilitando a proteção efetiva dos bens jurídicos penais, em paralelo com o exercício do direito de defesa dos acusados desta forma delitiva.
Ainda mais que pela tipificação da conduta lesiva a seguridade abarcada em contexto de norma penal em branco, descumpre o mandamento constitucional de proteção dos bens mais essenciais à coletividade, visto que depende de normatização administrativa para a definição da tipicidade delitiva.
Trataremos acerca da aplicação do princípio da insignificância nos delitos previdenciários, demandando ao legislador, a determinação de critérios normativos definidos para tal fim, sob pena de criação de tipos penais indefinidos, restringindo a pretensão punitiva estatal. Ao final, apresentar indagações acerca da utilização da norma penal incriminadora como política de prevenção geral e específica delitiva, como paradigma existente na criação de formas delitivas dignas para a deflagração da instrução criminal. Reconhecendo no Direito Penal como última norma de proteção de sociedade em face da criminalidade crescente, que demanda a instrumentalização da norma penal incriminadora para que atenda aos princípios informadores da preservação dos bens jurídicos, evitando assim que seja valorado como meio para recolhimento exclusivo de recebimento de contribuições.
Inclusive fazendo incursões no processo penal descrito para exercício da punição de condutas penais previdenciárias e a eficácia da decretação de medidas cautelares em sede de investigação. Desta forma, buscando a eficácia no reconhecimento da lesividade das condutas cometidas contra a previdência social, abarcando a defesa da coletividade em cumprimento com o direito constitucional preservado em prol da coletividade.
2. MANDATO CONSTITUCIONAL DE CRIMINALIZAÇÃO DE CONDUTAS DE INTERESSE DO ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO. NECESSIDADE DE REVISITAÇÃO PERIÓDICA.
A Constituição Federal brasileira de 1988 concretizou direitos, garantias e liberdades constitucionais como ponto de partida do cumprimento da priorização do fundamento constitucional da dignidade da pessoa humana.
Em verdadeiro trinômio de declaração, instrumentalização e liberdades dos cidadãos brasileiro, na busca da proteção constitucional. Neste arcabouço normativoconstitucional, reconhecemos um amplo campo de preservação legal do cidadão como destinatário principal da norma fundamental na construção do Estado de Direito.
Neste contexto normativo, reconhecemos no Direito Penal o instrumento normativo eficaz com função primordial da proteger bens jurídicos mais fundamentais para a convivência harmônica entre as pessoas.
A missão inicial do Direito Penal na Constituição Federal é cumprir os mandatos constitucionais de criminalização de condutas, inicialmente visando a proteção das pessoas. Tal garantia de tipificar condutas lesivas a bens jurídicos, impõe ao legislador a revisitação periódica dos crimes, valorando se ainda estão inseridas no conceito de tensão e necessidade social.
Respeitamos a conceituação residual no Direito Penal, porém diante a lesividade da conduta dos crimes previdenciários, se apresenta necessária a adequação para cumprimento de sua missão constitucional.
No contexto atual, se releva necessário a revisitação destes bens, afastando os crimes fora absorção na realidade constitucional, e inseridos novas condutas dentro das expectativas dos cidadãos.
Visto que condutas que por ventura se apresentavam como crimes em 1940, podem não ter a mesma lesividade encontrada no ano de 2021. Podemos citar, por exemplo, o delito de adultério que é reconhecido, à época como forma de proteção de eventual bem jurídico, que no contexto atual não se encontra como candente de ser criminalizada, diante total falta de harmonia com a realidade.
Nos permitimos a considerar a natureza normativa dúplice no Direito Penal, primeiro a preservar condutas e bens jurídicos em decorrência da prevenção geral da norma penal incriminadora. E a segunda, com missão de punir os infratores na lei penal, cumprindo assim a prevenção específica da norma penal.
Precisamos outorgar ao Direito Penal a missão primordial no ordenamento jurídico pátrio, como uma barreira normativa final da sociedade, evitando que este seja utilizado de forma indistinta e não comensurado.
Recordando que sempre que idealizamos que determinada conduta deve ser criminalizada, devemos ter como ponto de partida o reconhecimento e valoração inicial de que existe assento constitucional para tal tipificação.
Finalmente, para que uma conduta seja criminalizada deve ter um mandato constitucional de que tal bem seja criminalizada, observando o devido processo legislativo.
3. CRIMES PREVIDENCIÁRIOS. LEI 9983/2000. INCLUSÃO NO CÓDIGO PENAL. NECESSIDADE DE HARMONIZAÇÃO DO CONTEÚDO DE DIREITO MATERIAL.
A edição de normas de natureza penal deve percorrer, indubitavelmente, o devido processo legislativo que obriga aos seus autores a necessária harmonia das normas penais constitucionais e infraconstitucionais.
A necessidade de criminalização de condutas deve estar solidificada na lesividade dos bens jurídicos penais emanadas pela Constituição Federal brasileira de 1988, para a contextualização da infração penal e suas características no arcabouço normativa nacional.
A criminalização dos delitos previdenciários buscou proteger a seguridade social enquanto bem jurídico de interesse supra individual no Estado Democrático de Direito.
Nos permitimos a tecer considerações acerca das variáveis inseridas no tipo penal, que não outorgam segurança jurídica, seja a sociedade ou para o próprio acusado da prática delitiva, visto que, calcada em conceitos penais variáveis, não atingem a missão constitucional que lhes foi outorgada.
Uma constatação que deve ser feita é acerca da inclusão dos crimes previdenciários no contexto do Código Penal e sua necessária harmonização com as normas de direito material.
Ora se o legislador infraconstitucional cumpriu o mandato constitucional de criminalização de condutas que violem o bem jurídico descrito pela Seguridade Social, deveria analisar preceitos normativos para evitar conflitos e ocorrências de crimes de dependam de regulamentação.
Ousamos ainda mencionar que se essas condutas estão inseridas no Código Penal, devemos analisar de igual forma sua harmonia com o Código de Processo Penal.
O que pode ser analisado pela leitura dos tipos penais de crimes previdenciários, dentre eles, o crime de apropriação indébita previdenciária,
o crime de inserção de dados falsos em sistema de informações, o crime de sonegação de contribuição previdenciária é a evidente tentativa do legislador que caso ocorram fatos que possam impedir o prosseguimento da ação, que seja essa obstada. É compreensivo que seja mitigado o direito de punir estatal em determinadas condutas, porém é inegável que a utilização não estratégica do Direito Penal certamente conduz ao descrédito da prevenção geral da norma penal incriminadora, ressaltando exclusivamente a intenção arrecadadora do legislador, não priorizando a eficácia da preservação dos bens jurídicos essenciais aos cidadãos no Estado Democrático de Direito.
Ao final, o legislador migrou do conceito inicialmente descrito na Lei 8212/91 que utilizava a expressão “seguridade social”, para abarcar a expressão “previdência social”, em princípio, menos abrangente. Melhor técnica legislativa seria a preservação da expressão “seguridade social” visto sua maior abrangência.
Ainda pelo fato de ser crimes caracterizados por ser norma penal em branco, que depende de complementos e regramentos feitos pela Autoridade Administrativa poderá determinar o valor mínimo para ajuizamento de execuções fiscais, como questão passível de extinção de punibilidade, não prevista expressamente no Código Penal.
A falta de caracterização completo do tipo penal, gerando ocorrência de norma penal em branco, descumpre o preceito constitucional da proteção da seguridade social.
4. ESTELIONATO PREVIDENCIÁRIO E APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA.
Um questionamento que surge com grande frequência é fato do legislador constitucional tendo reconhecido como fonte normativa descrita no Artigo 194 da Constituição Federal, e se poderia se aplicar o princípio da insignificância nos delitos de estelionato previdenciário.
A natureza supra individual das condutas descritas no delito do estelionato previdenciário, destaca o grande número de pessoas que são lesadas em decorrência da prática individual do agente infrator. Neste sentido, apresentadas essas premissas de lesividade descrita, se discute acerca da aplicação do princípio da insignificância nestes casos, reconhecendo, em princípio, a pequena ofensividade desta conduta.
Nos permitimos a discorrer no sentido da impossibilidade da insignificância ou pequena lesividade da conduta do estelionato previdenciário, haja vista que tal recurso eventualmente desviado comporia um grande acervo financeiro destinado ao custeio coletivo da seguridade social. A insignificância implica na ausência de tipicidade delitiva, querendo crer que, não seria essa a intenção do legislador constitucional.
Ousamos afirmar pela impossibilidade do reconhecimento do estelionato privilegiado previsto no §1º do Artigo 171 em detrimento do previsto no §3º do Artigo 171 do Código Penal, haja vista que, outras formas de possibilidade de que o agente seja submetido a instrução criminal já foram oferecidas pelo legislador, justamente, para que somente os casos efetivamente substanciais cheguem em fase de sentenciamento pela Autoridade Judicial competente.
Os prejuízos suportados na seguridade social devem ser mensurados de forma meticulosa, sem prejuízo de possibilidade de pagamento até o oferecimento de denúncia, como anteriormente se discutia no caso de pagamento de obrigação financeira mediante fraude até a acusação formal proposta pela titular da ação penal. A insignificância penal deve ser aplicada em ocasiões de pequena reprovabilidade de conduta do agente, que consumada sua conduta lesiva, possa reparar o prejuízo ou dano causado, podendo ainda ser valorado a implicação financeira do bem jurídico penal violado.
A violação descrita no estelionato previdenciário se revela composta por alto grau de reprovabilidade, visto que, o prejuízo financeiro concretizado pelo erro e fraude da conduta, implicarão em representativo desfalque no acervo financeiro do sistema previdenciário.
A aplicação do princípio da insignificância do estelionato previdenciário deve o montante financeiro como ínfimo para o reconhecimento de tal benesse penal e não depender da critérios administrativos.
O Superior Tribunal de Justiça, em Acórdão de lavra da eminente Ministra Maria Thereza de Assis Moura registrou que somente pode ser reconhecido o estelionato privilegiado, descrito no Artigo 171, §1º do Código Penal, se o montante à lesão, ao tempo do crime, era inferior a um salário-mínimo à época dos fatos157, diferentes dos critérios administrativos elencados para início de uma execução fiscal. Neste sentido, segundo orientação dos Tribunais Superiores em casos de montantes superior ao descrito acima, não se aplicaria o princípio da insignificância, não trancando a ação penal contra o acusado, posto que, a conduta descrita no estelionato previdenciário ofenderia patrimônio público, a moral administrativa e a fé pública.
157 Superior Tribunal de Justiça, 6ª Turma, RHC 30.225, relatora Ministra Maria Thereza de Assis Moura, DJE 27/09/2013).
Concluímos tecendo a respeitosa e humilde crítica que, segundo a disposição da norma penal específica, enquanto norma de natureza material, não está descrita a possibilidade de consideração do critério do salário-mínimo para a aplicação da citada benesse penal.
5. NECESSIDADE DE HARMONIZAÇÃO DOS CRIMES PREVIDENCIÁRIOS E O PROSSEGUIMENTO PERSECUTÓRIO COM O PROCESSO PENAL.
A intenção do legislador infraconstitucional ao abarcar os crimes previdenciários no Código Penal, buscou atingir determinada harmonia legislativa evitando assim interpretações divergentes, possivelmente ocorrida em diplomas jurídicos distintos. Nos permitiremos a apresentar situações em que a possibilidade de suspensão do prosseguimento persecutório pode implicar em irreversibilidade das garantias do sujeito, quando iniciada a investigação policial. Como mencionado, a Lei 9983/2000 inseriu as condutas lesivas à Previdência Social no rol de crimes descritos no Código Penal. Devendo haver a coerência do legislador para que reconhecendo a possibilidade de reversão da acusação até o oferecimento da denúncia, não sejam decretadas medidas que se revelem irreversíveis como veremos.
Observamos que, o Juiz de Direito pode deixar de aplicar a pena, se o acusado for primário e de bons antecedentes, desde tenha promovido o pagamento da contribuição social previdenciária, e ainda ao valor determinado pela previdência social como mínimo para ajuizamento da execução fiscal.
Neste cenário, devemos considerar que, iniciada a investigação policial pela respectiva Autoridade, este pode segundo seu critério, observado os indícios de autoria e materialidade, determinar o indiciamento do acusado, busca e apreensão, e eventual, diante a possibilidade de continuidade delitiva, até mesmo a prisão preventiva.
Tais medidas são de natureza, inegavelmente, severas que podem ser determinadas segundo a peculiaridade do caso. Devemos avaliar que, pela leitura dos tipos penais, é evidente que o legislador prevê hipóteses para que a ação penal não prossiga nos seus regulares termos seguintes.
Pensamos que, diante a provisoriedade do prosseguimento da ação penal, e condições para que ocorra a extinção da punibilidade do agente caso efetue à previdência social, deve igual forma, deve ser ponderada a determinação do indiciamento que apresenta pouca contribuição a persecução penal, haja vista que, essa poderá ser objeto de punição, conforme demonstrado
Ainda mais grave no caso de decretação de prisão preventiva, no caso de continuidade delitiva, possivelmente ocorrendo a prisão do agente até o oferecimento de denúncia, e diante o pagamento das contribuições até a denúncia, com sua colocação em liberdade.
Pedimos permissão para apresentar o presente questionamento e oferecendo elementos baseados nos princípios da proporcionalidade e razoabilidade, para que não ocorra o indiciamento e prisão preventiva em crimes previdenciários, ressalvada a hipótese de consunção penal com delitos de maior gravidade.
Também nos crimes previdenciários deve ser ponderado que as medidas cautelares processuais penais, ainda que seja instrumentos estatais de persecução penal, deve também proteger e preservação a liberdade tanto do acusado e da vítima, neste caso, a previdência social.
6. CONCLUSÃO
A conclusão do presente artigo será feita de forma concatenada, apta a demonstrar quais foram as abordagens feitas acerca do tema “crimes previdenciários”, esperando oferecer argumentos para forte debate acerca da melhor estruturação dos referidos crimes e adesão ao preceito constitucional: 1. A Constituição Federal brasileira elencou no Artigo 6º o direito do cidadão brasileiro, de natureza social, a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o transporte, o lazer, a segurança, e a previdência social.
2. Neste sentido, ficou declarado o direito a previdência social, como fonte de proteção jurídica normativa, dependendo da instrumentalização via garantias constitucionais para atingimento deste paradigma.
3. A ordem social prevista no título VIII, capítulo II da Carta Magna elencou a Seguridade Social como conjunto de ações e políticas para assegurar os direitos à saúde, à previdência e à assistência social.
4. A criminalização dos crimes previdenciários atende ao destaque que o legislador constitucional outorgou ao tema previdência social, identificando como bens-jurídicos penal de importância aos cidadãos brasileiros.
5. Os crimes previdenciários inseridos no contexto da Lei 9983/2000, abarcados no corpo normativo do Código Penal, cumpre o mandato constitucional de criminalização, reconhecendo a natureza difusa deste delito, visto que, é financiada por toda a sociedade.
6. O custeio da seguridade social, em especial, a previdência social é o bem jurídico penal protegido pelos crimes previdenciários, não impedindo que seja submetido a uma revisitação periódica, para melhor adequação entre o paralelo da lesividade e adequação.
7. A aplicação do princípio da insignificância nos crimes previdenciários, em princípio, depende da determinação da Autoridade Administrativa, do valor mínimo para que seja promovida execução fiscal, nos termos do inciso II do § 3º do Artigo 168-A e II do § 2º do Artigo 337-A ambos do Código Penal. 10. Ao final, devemos avaliar a necessidade de criação de um microssistema legislativa para melhor proteger o bem jurídico da seguridade social, com conteúdo de direito material, processual penal e execução penal, sob pena, de como ocorrido atualmente, nos depararmos com tais incongruências.
8. Por se tratar de norma pena em branco, cuja consumação dependente de regulamentação da Autoridade Administrativa, a tipicidade fica ao critério desta, inclusive por decorrência ao reconhecimento da insignificância ao caso concreto.
9. As medidas cautelares decretadas pela Autoridade Policial em crimes previdenciários devem ponderar as circunstâncias delitivas, dentre elas, autoria, materialidade, primariedade do agente e bons antecedentes, visto que, podendo ocorrer o pagamento do débito até o início da ação penal.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ALEXY, Robert. Teoria dos direitos fundamentais. Trad. Virgílio Afonso da Silva. 2ªed. 4ª tiragem. São Paulo: Malheiros, 2015.
ANDRADE, Vander Ferreira da. A dignidade da pessoa humana – valor fonte da ordem jurídica. Rio de Janeiro: Editora Cautela, 2007.
BACIGALUPO, Enrique. Princípios de derecho penal – parte general. 5ªed. Madrid: Akal edit, 1998.
BRUNO, Anibal. Direito penal. Rio de Janeiro : Forense, 1959.
JESUS, Damásio E. de. Direito penal. 8. ed. São Paulo : Saraiva, 1983
MACIEL FILHO, Euro Bento. Crimes Previdenciários. São Paulo: Juarez de Oliveira, 2004.
PIERANGELLI, José Henrique. Códigos penais do Brasil: evolução histórica. Bauru : Jalovi, 1980
OS CÁLCULOS DA NOVA PENSÃO POR MORTE, APÓS A EC Nº 103/19
Viviane Masotti158
Palavras-chave: previdência, pensão por morte, retrocesso social, acumulação de
1. INTRODUÇÃO
A previdência social tem por objetivo garantir a seus segurados a cobertura contra eventos que afetem sua capacidade de trabalho e, consequentemente, provoquem uma redução de ganhos, dificultando sua sobrevivência e de sua família.
Como bem observado por Armando de Oliveira Assis (1963, p.64), (...) no seguro social há apenas uma coisa segurada: o salário do trabalhador, ou melhor, a remuneração obtida pelo segurado no exercício de sua profissão, visto que o seguro tem por missão fundamental assegurar os meios de subsistência das classes sociais mais desprotegidas. (...) Com tais medidas se tornou bem definida a finalidade do seguro social, que é a de proporcionar segurança econômica, diante das vicissitudes da vida, aos partícipes da sociedade que não dispõem de recursos suficientes para se resguardar através dos atos de previdência individuais e voluntários.
158 Advogada, Mestre em Direito das Relações Sociais PUC/SP Essa garantia se concretiza através da concessão de benefícios, ao próprio segurado ou a seus dependentes. O benefício de pensão por morte destina-se a proteger os dependentes dos segurados do RGPS, contra a redução ou ausência de remuneração que permita sua subsistência, após a morte do segurado instituidor. Como nos lembra Marisa Santos, “só entram em cena os dependentes quando sai de cena o segurado. E isso acontece apenas em 2 situações: na morte ou no recolhimento à prisão.” (2011, p.278) A proteção previdenciária obtida com a pensão por morte ultrapassa a pessoa do segurado para atingir, de modo mais amplo, o conjunto de seus dependentes diretos, sua família. Com a substituição da remuneração, antes percebida pelo segurado no exercício de sua atividade profissional, pela prestação pecuniária, deveria ser possível manter a subsistência da família, que dependia economicamente deste. É sobre este objetivo protetivo que deve ser centrada qualquer análise das características do benefício de pensão por morte.
A análise da evolução legislativa da Previdência Social nos mostra avanços e retrocessos da proteção aos direitos sociais.
Na pensão por morte, essa variação ocorre em relação aos dependentes possíveis beneficiários, o valor da renda mensal e a duração do benefício. A Lei nº 13.135, de 17 de junho de 2015, trouxe alterações significativas nas regras de concessão e na duração do benefício da pensão por morte, para o exercício dos direitos dos cônjuges ou companheiros sobreviventes à proteção previdenciária. Vale destacar a tentativa de redução também do valor da renda mensal inicial desse benefício, conforme redação da Medida Provisória nº 664, de 30 de dezembro de 2014, não aprovada quando convertida na Lei nº 13.135. No entanto, ressurge das brasas com a Emenda Constitucional nº 103 de 12 de novembro de 2019 e provoca, em conjunto a outras regras novas, imenso retrocesso.
Por ser um direito sempre em formação, que busca o atingimento dos objetivos do bem-estar e justiça social, e em razão das variações que o risco social pode apresentar ao longo do tempo, nada obsta o desenvolvimento de mudanças normativas. Contudo, para que sejam alcançados os objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil, dispostos no art. 3º da Lei Suprema, tais reformas devem ter caráter ampliador, numa função impeditiva do retrocesso social. (ZUBA, 2013, p. 139)
2. EVOLUÇÃO DA PROTEÇÃO CONTRA A MORTE DO SEGURADO
A Lei Eloy Chaves, publicada em 24 de janeiro de 1923, é considerada a base, o marco legal, da Previdência Social no Brasil, embora tivesse alcance restrito aos ferroviários.
Até agora, os funcionários das ferrovias do país não têm nenhuma garantia para seus dias de velhice e para arrimo de sua família em caso de morte. É verdade que em algumas companhias existem sociedades beneficentes com ação limitada a socorros médicos e medicamentos, mas isso não basta. Estamos em novos tempos. As classes menos favorecidas aspiram mui justamente a um maior quinhão de vida e de conforto. Cumpre atendê-las com espírito liberal e amigo159. (grifo nosso)
O benefício de pensão por morte era garantido aos dependentes do segurado que tivesse mais de 10 anos de serviço nas empresas ferroviárias. Eram possíveis beneficiários os dependentes, na ordem da sucessão hereditária: a viúva, o viúvo inválido, os filhos e os pais e irmãs solteiras. O valor da pensão variava de 25% a 50% da aposentadoria recebida ou a que teria
159 https://www12.senado.leg.br/noticias/especiais/ arquivo-s/primeira-lei-da-previdencia-de-1923-permitiaaposentadoria-aos-50-anos Agência Senado, acessado em 27/11/2021 direito. Não era permitido acumular duas ou mais pensões e aposentadorias. O segundo marco legal da previdência no Brasil é o Decreto nº 3807 de 26 de agosto de 1960, a Lei Orgânica da Previdência Social (LOPS). A partir desta lei houve a unificação nas regras dos planos de benefícios das diversas Caixas de Aposentadoria e Pensões, fundos de previdência organizados por categorias profissionais. Em 1966 houve a criação do INPS (Instituto Nacional de Previdência Social, atual INSS), agregando os institutos e centralizando a responsabilidade pela concessão e manutenção dos benefícios previdenciários. Na LOPS, a garantia previdenciária contra o risco “morte do segurado” dependia de carência, quantidade mínima de 12 (doze) contribuições. O valor da pensão era composto de uma parcela familiar igual a 50% (cinquenta por cento) do valor da aposentadoria que o segurado recebia ou da que receberia se estivesse aposentado por invalidez, mais a parcela de 10% por cada dependente habilitado, limitado a 5, ou seja, com o benefício limitado a 100% (cem por cento) da base de cálculo.
Não era possível a percepção conjunta de duas ou mais aposentadorias, mas a LOPS nada previa quanto à acumulação de aposentadoria com pensão. Também nada previa sobre recebimento de duas pensões por morte. No caso de pensão por falecimento de cônjuge, não seria mesmo possível o acúmulo, pois na vigência da LOPS, a quota da pensão se extinguia por um novo casamento da mulher. Aliás, caso não houvesse novo casamento a pensão seria vitalícia.
A justificativa para a pensão por morte vitalícia, paga ao cônjuge sobrevivente, era a menor participação da mulher no mercado de trabalho. A posição de “dona de casa” ou trabalhadora do lar, sem emprego formal que lhe garantisse o sustento por conta própria, e muitas vezes sem a necessária formação ou qualificação para uma inserção tardia nesse mercado, invocava tal vitaliciedade da proteção social.
(….), la desaparición de una persona provoca una situación de necesidad en aquellas personas que tenían una dependencia económica con el sujeto causante 2. Se podría decir que en la actualidad este tipo de prestaciones, especialmente la pensión de viuvedad, se encuentra menos justificada ya que las costumbres han variado sustancialmente. Y así, la mujer hasta hace pocos años solía depender económicamente del trabajo del marido y de ahí surgió la causa de la pensión de viudedad, ya que salvo excepciones (determinadas incapacidades del viudo), tal pensión estaba destinada exclusivamente a la viuda. Con ese planteamiento era posible presumir la existencia de una real situación de necesidad de la mujer cuyo marido fallecía, puesto que se producía el cese de los medios económicos con que éste atendía a la subsistencia de su mujer. De forma, que lo que se trata de proteger es la subsistencia de las personas que sobreviven al sujeto causante, y cuyas prestaciones denominamos de supervivencia. (ORRICO, 2009, p. 376)
O mesmo raciocínio pode explicar os motivos pelos quais, desde a LOPS, a dependência econômica é presumida para os dependentes da classe I, os filhos menores ou inválidos, a cônjuge mulher e o cônjuge homem se inválido. Note-se que a presunção de dependência econômica está relacionada à capacidade de trabalho, ou seja, à capacidade de obtenção de renda para subsistência por conta própria.
A Constituição Federal de 1988 trouxe pelo menos duas alterações positivas para os beneficiários da pensão por morte: não exigir que o dependente do sexo masculino fosse inválido para ter direito ao benefício e a garantia de que o valor mensal não seria inferior ao saláriomínimo.
O piso mínimo no valor dos benefícios é, provavelmente, o maior avanço alcançado na legislação previdenciária.
A Convenção nº 102 da Organização Internacional do Trabalho, que define as normas mínimas da seguridade social, foi aprovada na 35ª reunião da Conferência Internacional do Trabalho (Genebra — 1952), e entrou em vigor no plano internacional em 27 de abril de 1955. No Brasil ela foi aprovada através do Decreto Legislativo nº 269/2008 e ratificada em 15 de junho de 2009. No que se refere à garantia mínima de cobertura contra o risco morte, a Convenção traz a previsão de que o “total da prestação....deve ser suficiente para garantir à família do beneficiário condições de vida sadias e adequadas160”. Atualmente nenhum benefício que substitua a renda do segurado pode ter valor inferior ao salário-mínimo, conforme disposição constitucional e incorporado à legislação de benefícios como princípio previdenciário.
Constituição Federal, Art. 201. A previdência social será organizada sob a forma do Regime Geral de Previdência Social, de caráter contributivo e de filiação obrigatória, observados critérios que preservem o equilíbrio financeiro e atuarial, e atenderá, na forma da lei, a:
160 https://www.ilo.org/brasilia/convencoes/ WCMS_235192/lang--pt/index.htm Acessado em 27/11/2021. § 2º Nenhum benefício que substitua o salário de contribuição ou o rendimento do trabalho do segurado terá valor mensal inferior ao saláriomínimo.
Lei nº 8213/91, Art. 2º A Previdência Social rege-se pelos seguintes princípios e objetivos: VI - valor da renda mensal dos benefícios substitutos do salário-decontribuição ou do rendimento do trabalho do segurado não inferior ao do salário-mínimo;
De certa forma, a garantia do salário-mínimo como piso do benefício previdenciário atende melhor as normas mínimas trazidas pela Convenção nº 102 da OIT. Resta garantir que o valor do saláriomínimo nacional seja suficiente para garantir a subsistência dos beneficiários de forma plena, com condições dignas. Mas esta é uma questão de política pública e econômica.
A Lei nº 8213/91 regulamentou as garantias trazidas pela Constituição Federal de 1988, com destaque para: • O aumento de 50% para 80% na parcela relativa à família, permanecendo 10% para cada dependente, até o máximo de 2 (duas); • A redistribuição das cotas partes cessadas para os dependentes remanescentes, de modo a não permitir a redução do benefício.
• A aposentadoria por invalidez passa a equivaler a 70% do salário de benefício, mais 1% desse salário para cada ano de contribuição do segurado, limitado a 30%. Se a invalidez fosse acidentária a alíquota seria de 100% do salário de benefício.
• O cônjuge sobrevivente não perde o direito ao benefício se casar novamente, mas não pode cumular duas pensões por morte de cônjuge, podendo optar pela mais vantajosa. O valor da pensão variava de acordo com o tempo de contribuição do segurado caso ele não fosse aposentado. Pois a base de cálculo para a renda mensal da pensão era a aposentadoria que o segurado recebia na data do óbito, ou a aposentadoria por invalidez a que teria direito nessa data.
A Lei nº 9.032/95 alterou as alíquotas utilizadas para o cálculo da renda mensal inicial dos benefícios de pensão por morte e de invalidez para 100% do salário de benefício. Para situações em que havia apenas um dependente, um acréscimo de 20% no valor do benefício, em comparação com a legislação anterior. Outras alterações importantes na legislação previdenciária, ocorridas com a Emenda Constitucional nº 20 de 1998, e a Lei nº 9876 de 1999, não afetaram o benefício de pensão por morte. A não ser indiretamente, ao afetarem o valor das aposentadorias programadas que seriam base de cálculo no eventual falecimento de seus beneficiários.
Dessa forma, desde a Lei nº 9.032/95, havia uma distorção na proteção previdenciária. O segurado “morto antes de aposentar”, possivelmente detentor de pouco tempo de contribuição, “valia mais” que o segurado “morto já aposentado”, principalmente se optante de uma aposentadoria por tempo de contribuição proporcional ou se sujeito à incidência de fator previdenciário no cálculo da renda mensal inicial. Ou seja, havia uma tendência de o segurado jovem, com menor tempo de contribuição ao regime previdenciário, com filhos menores e cônjuge jovem, gerar um benefício de maior valor e por mais tempo, do que geraria um segurado já aposentado com idade superior. Uma das questões muito criticadas era o pagamento vitalício do benefício de pensão por morte para o cônjuge ou companheiro sobrevivente. A evolução da sociedade e das condições de saúde e longevidade do ser humano provocaram algumas distorções nas regras de concessão dos benefícios, com potencial para afetar a sustentabilidade do sistema a longo prazo, entre eles a pensão por morte.
Alguns fatos da sociedade atual que afetariam a sustentabilidade do sistema seriam, por exemplo: • Segurado aposentando jovem e vivendo por mais tempo;
• O aumento dos divórcios com garantia de pagamento de pensão alimentícia para um dependente cuja expectativa de sobrevida pode também ser maior, posto que o art. 76, §2º, garante ao cônjuge divorciado ou separado judicialmente ou de fato que recebia pensão de alimentos, igualdade de condições com os dependentes do inciso I do art. 16 (exceto na presunção de dependência econômica). • Os segurados com múltiplos casamentos, e famílias, gerando maior quantidade de dependentes, com faixas etárias diversas e consequente duração majorada do recebimento do benefício, tanto em relação a filhos quanto em relação a cônjuges/companheiros e excônjuges/companheiros com sobrevidas distintas
Daí justificar-se na sustentabilidade do sistema a principal alteração no direito ao benefício de pensão por morte, trazida pela Lei nº 13.135 de 17 de junho de 2015, para os dependentes cônjuges e companheiros: a extinção da vitaliciedade do benefício e o estabelecimento de um prazo de duração de acordo com a idade do dependente na data de falecimento do segurado instituidor. Já que a dependência econômica de cônjuges e companheiros é presumida, a provisoriedade do direito tenderia a compensar eventuais distorções, principalmente ao considerar a participação ativa de ambos os cônjuges no mercado de trabalho.
Sin embargo, se trata de una presunción iuris et de iure, por cuanto que, exista o no la necesidad, al no precisarse su demostración, se presume que el cónyuge sobreviviente se encuentra en situación de necesidad independientemente de la realidad o no de la misma. De hecho, en nuestros días es más frecuente que se tenga más de una única fuente de ingresos debido a la creciente incorporación de la mujer al mundo laboral. Por ello, al producirse el fallecimiento de cualquiera de los cónyuges, el supérstite no se encuentra, la mayoría de las veces, en la situación de necesidad de otra época en que la Seguridad Social tenía que cubrir en la medida de sus posibilidades, las rentas que dejaba de aportar el sujeto causante. (ORRICO, 2009, p. 376)
A nova pensão por morte, definida pela Lei nº 13.135/2015, inaugura a provisoriedade do benefício para cônjuges e companheiros “jovens”, definindo faixas etárias com duração progressiva do benefício, mantendo um período de percepção para que o cônjuge sobrevivente possa manter-se enquanto se recoloca ou se reposiciona no mercado de trabalho.
Além disso, para o cônjuge ou companheiro como dependente, condiciona o recebimento da pensão por prazo superior a 4 meses, ao cumprimento cumulativo de dois requisitos: 18 contribuições mínimas vertidas pelo segurado instituidor e mínimo de 2 anos de casamento ou união estável; à situação de invalidez ou deficiência do cônjuge/companheiro sobrevivente, ou à origem acidentária do óbito do segurado instituidor.
A realidade do momento que vivemos é que as mulheres estão efetivamente inseridas no mercado de trabalho, apesar das dificuldades da chamada “jornada dupla”, já que permanecem presentes também na criação dos filhos e na administração da casa, conciliando seus papéis de mãe e trabalhadora.
O fato de tornar-se viúva afeta o equilíbrio desta situação, inclusive porque atualmente é mais frequente que cônjuges/companheiros dividam as tarefas, tanto caseiras quanto da criação dos filhos. Mas provavelmente não seria motivo determinante para o afastamento do mercado de trabalho.
Assim, nos parece que as alterações da Lei nº 13.135 são ajustes em busca da sustentabilidade do sistema, que não significariam um retrocesso da proteção social, a não ser que se discutam os prazos da duração do benefício de acordo com as faixas etárias dos cônjuges ou companheiros sobreviventes. Não se pode afirmar o mesmo das alterações trazidas pela Emenda Constitucional nº 103/19, eivadas de verdadeiro retrocesso social.
3. A PENSÃO POR MORTE APÓS A EC103/19
A Emenda Constitucional nº 103 de 12 de novembro de 2019 é a maior reforma do sistema previdenciário dos últimos anos. Foram alterados desde as regras aquisitivas de direito às aposentadorias aos cálculos de renda mensal inicial. Regras de transição complexas foram criadas para a concessão de aposentadorias programadas. E em nosso tema de estudo, os benefícios de pensão por morte, regras excessivamente restritivas de direito estão vigentes desde 13 de novembro de 2019.
A renda mensal inicial de um benefício previdenciário é calculada pela multiplicação de uma alíquota sobre uma base de cálculo (salário de benefício). A EC103/19 alterou a forma de cálculo do salário de benefício.
Até então este era calculado de acordo com o art. 3º da Lei nº 9876/99 para os segurados filiados ao RGPS antes de sua vigência (regra de transição) e pelo art. 29 da Lei nº 8213/91 com a redação dada por esta lei para os segurados filiados a partir de 26/11/99. Art. 3o Para o segurado filiado à
Previdência Social até o dia anterior à data de publicação desta Lei, que vier a cumprir as condições exigidas
para a concessão dos benefícios do Regime Geral de Previdência Social, no cálculo do salário-de-benefício será considerada a média aritmética simples dos maiores salários-decontribuição, correspondentes a, no mínimo, oitenta por cento de todo o período contributivo decorrido desde a competência julho de 1994, observado o disposto nos incisos I e II do caput do art. 29 da Lei no 8.213, de 1991, com a redação dada por esta Lei.
Art. 29. O salário-de-benefício consiste:
II - para os benefícios de que tratam as alíneas a, d, e e h do inciso I do art. 18, na média aritmética simples dos maiores salários-de-contribuição correspondentes a oitenta por cento de todo o período contributivo. § 2º O valor do salário-de-benefício não será inferior ao de um saláriomínimo, nem superior ao do limite máximo do salário-de-contribuição na data de início do benefício. Constituição Federal). Com essa forma de cálculo era possível desconsiderar os 20% menores salários de contribuição nesse período e eliminar distorções no histórico contributivo causado por vínculos em que a remuneração era baixa. Estes salários eram desconsiderados no cálculo da média, mas ainda eram considerados tempo de contribuição. A EC103/19 definiu como período básico de cálculo o período contributivo “desde a competência julho de 1994 ou desde o início da contribuição, se posterior àquela competência”. E determinou que o salário de benefício equivale à média de todos os salários de contribuição existentes dentro do período básico de cálculo. Não há mais a previsão de desconsiderar os menores salários de contribuição como na legislação anterior. O que tende a resultar em uma base de cálculo inferior.
Estamos analisando a nova pensão por morte, após a EC103/19. Então importa pensar qual será a base de cálculo das pensões com fato gerador, o óbito do segurado, a partir de 13/11/19.
Teremos 3 situações possíveis:Dentro do período básico de cálculo, equivalente a todo o período contributivo, ou ao período que vai de julho de 1994 até a data de início do benefício, era feita a média no mínimo dos 80% maiores salários de contribuição (após a aplicação da correção monetária garantida pelo art. 201, §3º da
1. Segurado instituidor aposentado com base em direito adquirido antes de 13/11/19, independente da DER (data de requerimento do benefício). Base de cálculo será a aposentadoria obtida de acordo com as regras anteriores a EC103/19 para as aposentadorias programadas. O salário de benefício calculado na forma da Lei n° 9876/99, com ou sem incidência de fator previdenciário, e com alíquotas variando de 70% a 100%, de acordo com o tipo de benefício.
2. Segurado instituidor aposentado com direito adquirido após 13/11/19. A base de cálculo será a aposentadoria obtida pelas regras trazidas no art. 26 da EC103/19. O salário de benefício correspondente à média de todos os salários de contribuição do PBC, sem desconsideração, mas com eventual descarte dos menores (e consequente redução no tempo de contribuição). Com ou sem incidência de fator previdenciário (regra de transição do art. 17, sem limite de idade prevê o fator previdenciário). Com alíquotas a partir de 60% (em algumas regras não limitadas a 100%) do salário de benefício.
3. Segurado instituidor não aposentado na data do óbito. A base de cálculo será o valor do aposentadoria por incapacidade permanente a que teria direito. Com alíquota de 60% mais 2% a cada ano de contribuição que exceder 15 anos no caso da mulher e 20 anos no caso do homem. Com alíquota de 100% se a incapacidade permanente for causada por acidente de trabalho, doença profissional ou do trabalho. Neste caso, se a morte for ocasionada por acidente de trabalho seria lógico usar como base de cálculo 100% do salário de benefício.
O cálculo da renda mensal da pensão por morte tende a ser mais complexo a partir da EC103/19 porque envolve um cálculo prévio para os segurados instituidores não aposentados. E para os aposentados recomenda-se avaliar se há direito a alguma revisão de benefício, posto que aquele será base deste. Já teríamos acentuada redução dos benefícios pela alteração da forma de cálculo do salário de benefício. Mas o art. 23 da EC103/19 praticamente repete a forma de cálculo da pensão por morte da legislação vigente em 1960, a LOPS. Para os óbitos ocorridos a partir de 13/11/19, a pensão por morte concedida a dependente de segurado do Regime Geral de Previdência Social ou de servidor público federal será equivalente a uma cota familiar de 50% (cinquenta por cento) do valor da aposentadoria recebida pelo segurado ou servidor ou daquela a que teria direito se fosse aposentado por incapacidade permanente na data do óbito, acrescida de cotas de 10 (dez) pontos percentuais por dependente, até o máximo de 100% (cem por cento); exceto se houver dependente inválido ou com
deficiência intelectual, mental ou grave, quando será de 100%. As cotas por dependente cessarão com a perda dessa qualidade e deixam de ser reversíveis aos demais dependentes, preservado o valor de 100% (cem por cento) da pensão por morte quando o número de dependentes remanescente for igual ou superior a 5 (cinco). O tempo de duração do benefício é aquele definido na Lei nº 8213/91. No caso de pensão concedida para cônjuge ou companheiro, além do valor extremamente reduzido em função das novas regras, ainda há o tempo de duração. Para melhor compreensão sobre esta modificação, vamos inserir um exemplo: 1 - Homem, data de nascimento 28/06/94, contribuições no valor máximo em todo o período.
Óbito em 10/11/2019. Tempo de contribuição na data igual a 20 anos e 2 meses. Não aposentado.
Aposentadoria por invalidez a que teria direito seria calculada pelas regras da Lei nº 9876/99 equivalente aproximadamente a R$5.584,00.
A pensão por morte equivalente a 100% da aposentadoria a que teria direito seria igual a R$5.584,00. 2 - Homem, data de nascimento 28/06/94, contribuições no valor máximo em todo o período. Óbito em 20/11/2019. Tempo de contribuição na data igual a 20 anos e 2 meses. Não aposentado. Aposentadoria por incapacidade permanente a que teria direito seria calculada pelas regras do art. 26 da EC103/19 e equivalente aproximadamente a R$3.209,00. A pensão por morte equivalente à parcela familiar de 50% mais 10% por cada dependente, da aposentadoria a que teria direito. Supondo apenas a existência de cônjuge, a alíquota total seria de 60%, portanto seria igual a R$1.925,86.
Seguindo o exemplo acima. Havendo apenas o cônjuge ou companheiro como dependente, deve-se considerar também: se há provas de casamento ou união estável há 2 anos antes do óbito e qual a idade do dependente. Se o casamento ou a união estável fossem recentes, com menos de 2 anos, esse benefício cessaria após 4 meses. Se o requisito tempo de convivência for cumprido, então se aplicaria o art. 77, §2º, V, c, da Lei nº 8213/91, alterado pela Portaria ME 424 de 29/12/2020.
Art. 1º O direito à percepção de cada cota individual da pensão por morte, nas hipóteses de que tratam a alínea “b” do inciso VII do art. 222 da Lei nº 8.112, de 11 de dezembro de 1990, e a alínea “c” do inciso V do § 2º do art. 77 da Lei nº 8.213, de 24 de julho de 1991, cessará, para o cônjuge ou companheiro, com o transcurso dos seguintes períodos, estabelecidos de acordo com a idade do beneficiário na data de óbito do segurado, se o óbito ocorrer depois de vertidas dezoito contribuições mensais e pelo menos dois anos após o início do casamento ou da união estável:
I - três anos, com menos de vinte e dois anos de idade; II - seis anos, entre vinte e dois e vinte e sete anos de idade; III - dez anos, entre vinte e oito e trinta anos de idade; IV - quinze anos, entre trinta e um e quarenta e um anos de idade; V - vinte anos, entre quarenta e dois e quarenta e quatro anos de idade; VI - vitalícia, com quarenta e cinco ou mais anos de idade.
É nítida a opção do legislador por reduzir a proteção social contra o risco morte para aqueles dependentes com suposta (ou presumida) capacidade para o trabalho.
As alterações da Lei nº 13.135/15 em conjunto com as da EC103/19 podem reduzir extremamente o valor dos benefícios. O exemplo dado foi baseado em contribuições sobre o teto do salário de contribuição. E facilmente resultou em uma renda inicial próxima ao saláriomínimo atual de R$1.100,00. Algumas regras restritivas de direito podem até ser fundamentadas no princípio da seletividade, previsto no art. 194, III da Constituição Federal. Sobretudo diante das alegações sobre um déficit no orçamento da Seguridade Social. São novas regras que buscam um ajuste econômico, orçamentário, supostamente visando equilíbrio financeiro e atuarial do sistema, conforme preceito constitucional. Representa os embates atuais entre defensores das reformas de cunho liberal e defensores do direito social. E evidencia o conflito e a necessidade de ponderação entre princípios constitucionais para proteção e respeito aos direitos fundamentais. São restrições de direito ocasionadas por um realinhamento da proteção garantida, permitida pelo princípio da seletividade, mas, tomados como base os direitos fundamentais constitucionais, limitada ao princípio da proibição de retrocesso social.
Nenhum sistema de seguridade social está apto a libertar todos os indivíduos de todas as necessidades. Embora Beveridge tenha sonhado com a proteção “do berço ao túmulo”, não é o que ocorre. (SANTOS, 2003, p. 179)
É provável que apenas a jurisprudência possa revolver no futuro o embate entre o princípio de proibição
de retrocesso e a reserva do possível, bem representada no direito previdenciário pelos princípios de seletividade e distributividade.
Durante os debates para a aprovação da EC103/19, o tema mais frequente era que a reforma previdenciária buscava eliminar os privilégios, o recebimento de benefícios de alto valor. Ou o recebimento de mais de um benefício. Mas será privilégio obter um benefício, de forma legal, como contrapartida a contribuições feitas ao regime previdenciário durante uma vida laboral, calculado de acordo com essas contribuições? Eliminar os privilégios seria nivelar também os segurados que contribuíram por valores maiores para que recebam ou gerem benefícios próximos ao saláriomínimo?
A resposta a estas perguntas parece esbarrar sempre no binômio seletividade/ reserva do possível.
4. A ACUMULAÇÃO DE BENEFÍCIOS COM PENSÃO POR MORTE
A EC103/19 trouxe ainda outra novidade que afeta o valor da pensão por morte. Trata-se das regras de acumulação de benefícios, antes regulada pelo art. 124 da Lei nº 8.213/91.
Art. 124. Salvo no caso de direito adquirido, não é permitido o recebimento conjunto dos seguintes benefícios da Previdência Social: I - aposentadoria e auxílio-doença; II - mais de uma aposentadoria; III - aposentadoria e abono de permanência em serviço; IV - salário-maternidade e auxíliodoença; V - mais de um auxílio-acidente
VI - mais de uma pensão deixada por cônjuge ou companheiro, ressalvado o direito de opção pela mais vantajosa. Parágrafo único. É vedado o recebimento conjunto do segurodesemprego com qualquer benefício de prestação continuada da Previdência Social, exceto pensão por morte ou auxílio-acidente.
Não havia qualquer menção à proibição de recebimento de aposentadoria e pensão por morte. O fundamento da possibilidade de recebimento de ambos é que os fatos geradores são diferentes e os segurados instituidores, portanto titulares das contribuições, são diferentes. O raciocínio é semelhante ao segurado filiado, obrigatoriamente, a dois regimes previdenciários que venha a atingir em ambos os requisitos para aposentadoria. Não haveria impedimento para que gerasse também 2 benefícios de pensão por morte. O art. 24 da EC103/19 trouxe um regramento específico sobre acumulação do benefício de pensão por morte: • É vedada a acumulação de mais de uma pensão por morte deixada por cônjuge ou companheiro, no âmbito do mesmo regime de previdência social, ressalvadas as pensões do mesmo instituidor decorrentes do exercício de cargos acumuláveis na forma do art. 37 da Constituição Federal.
• É permitida a acumulação de: - pensão por morte deixada por cônjuge ou companheiro de um regime de previdência social com pensão por morte concedida por outro regime de previdência social ou com pensões decorrentes das atividades militares de que tratam os arts. 42 e 142 da Constituição Federal; - pensão por morte deixada por cônjuge ou companheiro de um regime de previdência social com aposentadoria concedida no âmbito do Regime Geral de Previdência Social ou de regime próprio de previdência social ou com proventos de inatividade decorrentes das atividades militares de que tratam os arts. 42 e 142 da Constituição Federal; ou - pensões decorrentes das atividades militares de que tratam os arts. 42 e 142 da Constituição Federal com aposentadoria concedida no âmbito do Regime Geral de Previdência Social ou de regime próprio de previdência social. O texto menciona expressamente a possibilidade de acúmulo de pensão por morte com aposentadoria no mesmo regime (que não era proibido). Mas o faz para elencar as situações em que esta acumulação causará uma redução no valor total recebido. Basta que um dos benefícios tenha início após 13/11/19 para que a redução ocorra, pela aplicação do seguinte procedimento:
• É assegurada a percepção do valor integral do benefício mais vantajoso;
• Os demais benefícios não serão pagos integralmente, resguardado o direito a pelo menos 1 saláriomínimo, apurado cumulativamente de acordo com as seguintes faixas: - 60% (sessenta por cento) do valor que exceder 1 (um) salário-mínimo, até o limite de 2 (dois) saláriosmínimos; - 40% (quarenta por cento) do valor que exceder 2 (dois) saláriosmínimos, até o limite de 3 (três) salários-mínimos; - 20% (vinte por cento) do valor que exceder 3 (três) salários-mínimos, até o limite de 4 (quatro) saláriosmínimos; e - 10% (dez por cento) do valor que exceder 4 (quatro) salários-mínimos.
Podemos dar sequência aos exemplos, que utilizamos para demonstrar a diferença na apuração da renda mensal de pensão não precedida de aposentadoria. Agora para demonstrar a redução possível.
1 – Homem. Óbito em 10/11/2019. A pensão igual a R$5.584,00. Cônjuge aposenta no RGPS em 25/11//2021 com renda mensal de R$3.500,00 É garantida a percepção do valor integral do benefício mais vantajoso: R$5.584,00 e de uma parte do outro (ou seja, da aposentadoria recém concedida), calculada assim: Salário-mínimo em 2019 = R$998,00 Então se R$3.500,00 = R$998,00 + R$998,00 + R$998,00 + R$506,00 então
A segurada receberá de aposentadoria: R$598,80 + R$399,20 + R$199,60 + R$50,6 = R$1.248,20 Total: R$6.832,20
2 – Homem. Óbito em 20/11/2019. A pensão por morte igual a R$1.925,86. Cônjuge aposenta no RGPS em 25/11//2021 com renda mensal de R$3.500,00 Já neste caso o benefício de maior valor seria a aposentadoria e o benefício a sofrer redução a pensão, onde: R$1925,86 = R$998,00 + R$927,86 e a segurada receberá de pensão: R$598,80 + R$371,14 = R$969,94 arredondado para o valor do saláriomínimo = R$998,00 Total: R$4.498,00
Se o segurado tivesse mais de um benefício, com a acumulação de um terceiro, os dois menores sofreriam redução. A depender do caso concreto pode não ser vantajoso sequer requerer o benefício.
Em nenhum outro momento da legislação previdenciária houve tal formato de pagamento de benefícios com redução de seus valores progressivamente em função de acumulação. Previsão que possa guardar alguma semelhança se refere à proibição de recebimento de aposentadoria com auxílio-acidente. Mas a Lei nº 9528/97 ao definir tal proibição, também estabeleceu que o valor do auxílio-acidente integra o salário de contribuição. A Jurisprudência decidiu que aquela proibição não feria o direito adquirido ao benefício de auxílio-acidente. Ele apenas seria cessado pela opção do segurado em aposentar, data em que o fato gerador da acumulação ocorreria, e na qual a lei já proibia o recebimento conjunto. No presente caso temos a permissão da percepção acumulada. Mas há uma redução no valor, afrontando o princípio da irredutibilidade do valor dos benefícios insculpido no art. 194, IV da Constituição Federal. Há aqui uma efetiva redução seja no valor nominal seja no valor real dos benefícios.
Por outro lado, ao limitar o valor total percebido com os benefícios acumulados, o legislador dribla a presunção absoluta de dependência econômica dos cônjuges ou companheiros, determinada na Lei n° 8213/91. Ao contrário, presume que o recebimento de outros benefícios supre suas necessidades, ainda que parcialmente, e interfere no valor real dos benefícios legitimamente concedidos. Benefícios que são contrapartida de contribuições regulares, obrigatórias, de eventos/riscos cobertos pelo sistema, que geraram direitos concretos e legais. E por isso não deveriam sofrer qualquer redução sob pena até de falar-se em enriquecimento ilícito por parte da Previdência.
5. CONCLUSÃO
A EC n° 103/19 trouxe novos paradigmas quanto aos requisitos para aquisição de direito aos benefícios, como o limite de idade para as aposentadorias programadas e suas regras de transição complexas. Mas, além do endurecimento dos requisitos aquisitivos, também alterou as regras de cálculo dos benefícios, aplicáveis inclusive aos segurados que se aposentam pelas regras de transição. No caso do benefício de pensão por morte, a mudança da sistemática de cálculo da média, a vinculação do valor da aposentadoria por incapacidade permanente ao tempo de contribuição do segurado, a alteração nas alíquotas do benefício de pensão e a não reversão de cotas cessadas provocou uma redução significativa no valor desses benefícios e consequentemente na proteção social almejada.
Se aliado à redução proporcional no valor dos benefícios por acumulação de pensão com outras pensões ou com aposentadorias, o resultado é um aviltamento da proteção social previdenciária. A tendência é formar uma geração de idosos pobres, nivelados pelo salário-mínimo. Como se receber algo além do mínimo existencial fosse um privilégio e sobreviver para além disso fosse responsabilidade única de cada indivíduo e seu poder de poupança.
Há neste tema motivos para várias discussões que devem ser levadas ao judiciário, embasadas na proibição ao retrocesso e no princípio da irredutibilidade dos salários, na necessidade de contrapartida. Mas além disso, em busca de uma proteção que possibilite a subsistência dos dependentes de forma digna.