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do sistema copernicano

III. Sohanne~ Kepler: a passagem do N / c~rcdo" para a /I elipse" do sistema copernicano

Johannes Kepler (1571-1630), discipulo em Tubinga de Michael Maestlin -0 qua1 o convenceu da validade do sistema copernicano -, foi assistente e sucessor de Tycho Brahe em Praga. Eis os titulos de suas obras de maior peso: Prodromus ou Mysterium cosmographicum (1 596); Ad Vitellionem parali- Keplec pomena (1 604); Astronomia nova (1 609); Nova stereometria copernicano doliorum vinariorium (1 61 3); entre 161 8 e 1621, aparece em Linz, e neoplat6nico em sete livros, o tratado de astronomia Epitome astronomiae -+§ 1 copernicanae; em 161 9 aparece a obra Harmonices mundi libri V; de 1627 sao as Tabuas rodolfinas. Copernicano e neoplat6nic0, Kepler acreditava que a natureza fosse ordenada por regras matematicas que o cientista tem a tarefa de descobrir.

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No Mysterium cosmographicum a fe no sistema copernicano se liga com a fe neoplat8nica de que uma Raz%o matematica divina presidiu a criaqao do mundo. Deus e matematico. E o trabalho de Kepler consistiu justamente na busca das harmonias matematicas e geometricas do mundo, como as que ele proprio conse- guiu captar e expor nas famosas tr& "leis de Kepler". Por dez anos Kepler estuda com grande empenho o irregular "movimento de Marte", e no fim chega a conclusao de que o problema era insoluvel com quais- quer combinaqbes de circulos, enquanto teoria e observaqbes estavam de acordo quando se concebia o movimento dos planetas em orbitas elipti- A grande passagem cas. Eis, entso, as tr@s leis de Kepler: - primeira lei: as orbitas dos planetas sdo elipses das quais o do "circulo" so1 ocupa um dos focos; a "elipse" - segunda lei: a velocidade orbital de cada planeta varia de +§3 mod0 tal que a linha que liga o sol com o planeta cobre, em iguais intervalos de tempo, iguais porg6es de superficies de elipse; - terceira lei: os quadrados dos periodos de revolugdo dos planetas estdo na mesma relaPo dos cubos das respectivas dist5ncias do sol. Misticismo, matematica, astronomia e fisica estao indissoluvelmente liga- dos no pensamento de Kepler. E e nas Harmonias do mundo que Kepler deixa transparecer mais do que em outro lugar sua fe nas harmonias, na ordem mate- matica da natureza: e nesta harmonia do universo o sol desempenha um papel fundamental. No pensamento de Kepler estamos na presenqa de verdadeira e propria metafisica do sol. 0s planetas se movem em elipses; e s%o Uma metafisica movidos por uma forga motriz como a magnetica, for~a que emana do sol do sol. Logo, os planetas percorrem suas orbitas impulsionados +§4 pelos raios de uma anima motrix que brotam do sol. Kepler esbo- qa uma especie de teoria magnetica do universo. Discute sobre a forqa com que a terra atrai um corpo, e na introduqao a Astronomia nova fala tambem de reciproca atraqao. Nas notas ao seu Somnium (escrito entre 1620 e 1630) ele atribui as mares "aos corpos do sol e da lua que atraem as aguas do mar com uma forqa semelhante a magnetica". Alguem quis ver nestas ideias a anteci- paq%o da teoria gravitational de Newton. Talvez as coisas n%o sejam assim, mas e certo que Newton, reunindo os resultados obtidos por Kepler e por Galileu, deve ter-se consolidado com os problemas que eles deixaram em aberto, dando assim a fisica a configura@o conhecida com o nome de "fisica classics".

Kepler: vida e obras

Kepler nasceu em 27 de dezembro de 1571, em Weil, nas proximidades de Estu- garda. Filho de Henrique, funcionirio lute- ran0 a serviqo do Duque de Brunswick, e de Catarina Guldenmann, filha de um alberguei- ro, Kepler veio ao mundo prematuramente iL'sebtem mestris sum". escreveu de si mes-

\ , mo), sendo muito enfermiqo. Quando pe- queno, teve variola, que lhe deixou as miios contraidas e a vista enfraquecida. Seu pai tambCm foi soldado mercenario. Deixando o filho com os avos, Henrique, juntamente com a mulher, foi combater nas fileiras do duque de Alba contra os belgas. Voltando da guerra em 1575, os genitores de Kepler instalaram uma hospedaria em Ellmendin- gen, na regiio de Baden. E o pequeno Kepler, logo que esteve em condiq6es para tanto, tinha de lavar os copos na hospedaria do pai, alCm de ajudar na cantina e tambCm no campo. Em 1577 comeGou a freqiientar a escola em Leonber~. Tendo-se mostrado - muito capaz e interessado, seus pais decidi- ram envia-lo em 1584 para o seminario de Adelberg. Dai passou para o seminario de Maulbronn, de onde saiu quatro anos de- pois para ingressar na Universidade de Tu- binga, onde teve por mestre o astr8nomo e matematico Michael Maestlin. aue o con-

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venceu da justeza do sistema copernicano. Nesse periodo, agravava-se a luta entre ca- tolicos e protestantes. Embora protestante, Kepler via essa luta como coisa absurda. E, permanecendo naquela situaqiio de "liber- dade" em que Deus o fizera nascer, imputa- va "is tolices deste mundo (...) as persegui- ~6es que dominavam os partidos religiosos, a presunq5o de que os seus problemas eram tambCm os de Deus, a arrogincia dos teolo- gos ao considerarem que se deve crer cega- mente neles e, por fim, a intransighcia com que eles condenavam aqueles que fazem uso da liberdade evangdica" (G. Abetti).

Aos vinte e dois anos. Ke~ler abando- nou a teologia e, com ela,' a i&ia de dedi- car-se i carreira eclesiastica. Aceitou uma oferta para ensinar matematica e moral no ginisio de Graz. Entre suas funqdes estava tambtm a de preparar o calendirio para a regiiio da Estiria, para o ano de 1594. E a preparaqiio do calendario implicava tambCm um trabalho de urevis6es. como. uor exem- inverno, sobre as agitaqdes camponesas etc. Em 1596 Kepler publicou o Prodromus ou Mysterium cosmographicum no qual, como veremos melhor adiante. ele relacionava os "cinco solidos regulares" (o cubo, o tetrae- dro, o dodecaedro, o octaedro e o icosaedro) com o numero e as distiincias dos planetas ent5o conhecidos. Publicado com um pre- facio de Maestlin, o livro foi logo enviado a Tvcho Brahe e a Galileu Galilei. Brahe res- pondeu a Kepler convidando-o a ver a even- tual relagiio entre as descobertas do Pro- dromus e o sistema tych8nico. E em 4 de agosto de 1597, de Pidua, Galileu enviou uma resposta a Kepler, na qual, entre ou- tras coisas, lemos: " [ ...I Agradeqo-te tam- bem, de mod0 muito particular, por teres te dignado a dar-me tal prova de tua amizade. Por enquanto, so tive a vis5o do prefacio de tua obra, com base na qual compreendi tua intenqiio. E posso verdadeiramente estar satisfeito por ter tal aliado na indag?gZo da verdade e tal amigo dessa verdade. E deplo- rive1 que sejam t5o raros aqueles que com- batem pela verdade e nio seguem um cami- nho errado no filosofar. PorCm. este niio C o lugar para lamentar a misCria de nosso sC- culo, e sim para congratular-me contigo pe-

las belas idtias expostas em comprovagiio da verdade [...I. Muito escrevi para apre- sentar as provas que aniquilam os argumen- tos contrarios a hipotese copernicana, mas at6 agora n5o ousei publicar nada, aterrori- zado pel0 que sucedeu a Copirnico, nosso mestre, que, se conquistou fama imortal jun- to a alguns, na verdade, junto a infinitos outros i desmoralizado e apupado, tiio gran- de t o numero dos tolos. Eu ousaria desfral- dar abertamente meus pensamentos se hou- vesse muitas pessoas como tu, mas, como niio existem, devo me conter."

Kepler, mafrm&tiro imperial

em Praga

Em 1597, Kepler casou-se com Barba- ra Miiller von Muhlek, rica viuva de vinte e trts anos. Nesse meio tempo, depois da vi- sita do arquiduque Ferdinand0 ao papa Cle- mente VIII, todos os n5o-catolicos foram expulsos da Estiria. Kepler mobilizou-se ra- pidamente junto a seu velho mestre Maestlin para obter um lugar na Universidade de Tubinga, mas niio o conseguiu. Entiio, apre- sentou-se inesperada solug50: Brahe convi- dou Kepler a visita-lo no castelo de Benatek, nas proximidades de Praga. Em 1" de agos- to de 1600, mais de um milhar de cidadios foram expulsos da Estiria. Kepler escreve a Maestlin, dizendo que nunca teria acredita- do que deveriam suportar tanto sofrimen- to, abandonar a casa e os amigos e perder os proprios bens por motivos religiosos e em nome de Cristo. Em Praga, Tycho Brahe assume Kepler como sell assistente. Pouco depois, porim, em 24 de outubro de 1601, com apenas cinqiienta e cinco anos de ida- de, Brahe morre. E o imperador Rodolfo I1 nomeia Kepler "matematico imperial", com um salario que era a metade do de Brahe, e com a tarefa de concluir as Tabuas rodol- finas.

Em 1604, Kepler publica a obra Ad Vitellionem paralipomena. Trata-se de uma obra de otica geomitrica, que marca um mo- mento relevante da historia da citncia. A obra compde-se de onze capitulos, aperfei- goando conceitos ja expressos por Alhazen e Vittlio, alim de apresentar concepgdes que muito se assemelham as de Francisco Mau- rolico (1494-1577). 0 capitulo V da obra reveste-se de grande importiincia: "Nele, pela primeira vez depois de dois mil anos de estudo, niio se hesita em fazer o estimulo luminoso chegar - at6 a retina, reconhecen- do-se que a figura assim projetada na retina fica de cabega para baixo, mas sem reputar esse fato como danoso, porque, a medida que a localizag5o das imagens fora do olho i uma fung5o realizada pelo prciprio olho, o problema esta em determinar a regra com base na qua1 deve proceder o olho para co- locar a imagem, quando recebe certos esti- mulos. Assim, a regra agora i a seguinte: quando o estimulo sobre o fundo do olho esta embaixo, a figura vista fora do olho deve estar em cima e vice-versa; da mesma forma. auando o estimulo sobre a retina esta a direit;, a figura vista fora do olho deve estar a esquerda e vice-versa" (V. Ronchi). Alim disso, no capitulo primeiro, Kepler dava uma definiqiio da luz completamente nova: 1) "a luz compete a propriedade de afluir ou ser lancada de sua fonte em dire- ga0 luz a um lugar distante"; 2) "de um ponto qualquer, o afluxo da ocorre segundo um numero infinito de retas"; 3) "por si mesma, a luz i capaz de avan- gar at6 o infinito"; 4) "as linhas dessas emissdes siio retas e se chamam raios".

Vasco Ronchi comenta que, nessas qua- tro proposig6es, esta a definigiio do raio lu- minoso, que depois seria definitivamente adotada pela otica geomttrica.

Em 1609, publica-se a Nova astrono- mia, que Kepler enviou ao imperador Ro- dolfo I1 com uma carta dedicatoria datada de 29 de margo. Essa i a obra mais memo- ravel de Kepler, estabelecendo dois princi- pios fundamentais da astronomia moderna (as primeiras duas leis de Kepler, sobre as quais falaremos adiante). Nessa obra, Kepler estuda o movimento de Marte, podendo fi- nalmente declarar-se vitorioso sobre o deus da guerra - e assim entregava o planeta, feito prisioneiro, aos pis do imperador. Mas Marte tem muitos parentes - Jupiter, Saturno, Vtnus, Merciirio etc. - que ainda era precis0 combater e vencer. E, para pros- seguir a batalha, necessita-se de recursos. E Kepler pede-os ao imperador.

Em margo de 1610, Galileu publicou o seu Sideveus Nuncius, que, com todas as descobertas astron6micas we continha. des- pertou o mais alto interesse no mundo cien- tifico. Galileu enviou uma copia para Kepler, por intermidio de Juliano de Midici, que era embaixador da Toscana em Praga. Em

resposta a Galileu, Kepler escreveu a sua Dissertatio cum Nuncio Sidereo, em que apresenta suas duvidas. Sobretudo em rela- qio ii existhcia dos satelites de Jupiter. 0 mistico neoplatBnico Kepler, para quem "o sol C o corpo mais belo" e "o olho do mun- do", niio podia admitir que Jupiter possuis- se satklites e pudesse assim reivindicar uma dignidade analoga ii do sol. Ademais, "niio se compreende bem por que (tais satilites) existiriam, quando sobre esse planeta nio ha ninguCm para admirar tal espetaculo". Mais tarde, de posse de uma boa luneta - aquela que Galileu enviara a Ernesto de Baviera, principe eleitor do Sacro ImpCrio Romano em ColBnia, e que este havia pas- sado para Kepler -, ele se convenceu da opiniiio de Galileu, publicando entiio a Narratio de observatis a se quattuor Jovis satellitibus erronibus. Nesse meio tempo, Martin Horky de Lochovic - que assistira is demonstraq6es com a luneta que Galileu realizara em Bolonha, por volta de fins de abril de 1610, na casa de AntBnio Magini, professor de matematica em Bolonha e ad- versario de Galileu - escreveu a Kepler uma carta sobre a ineficacia da luneta: "In infe- rioribus facit mirabilia; in coelo fallit quia aliae stellae fixae duplicatae videntur. Habeo testes excellentissimos viros et nobilissimos doctores (...) omnes instrumentum fallere sunt confessi. At Galileus obmutuit, et die 26 (...) tristis ab Illustrissimo D. Magino discessit." Horky escreveu tambtm um li- belo contra as recentes descobertas de Ga- lileu: Brevissima peregrinatio contra Nun- cium Sidereum. E, em 30 de junho (1610), enviou-o a Kepler. Mas este, embora com urn pouco de atraso, renegou as opinioes de Horky. Galileu, como veremos nas paginas a ele dedicadas, levou para dentro da ciin- cia a luneta, um instrumento que entiio era visto como objeto tipico dos "vis mecini- cos" e indigno dos "filhsofos". E Kepler, por seu turno, era a pessoa matematicamente melhor aparelhada para estuda-lo e desen- volver sua teoria. E, com efeito, na prima- Vera de 161 l, apareceu em Augusta a Diotri- ca ou "demonstraq50 daquelas coisas, nunca antes vistas por ninguim, que se podem observar com a luneta". Diz Kepler que a Diotrica C importante porque amplia os horizontes da filosofia. E, sobre a luneta, diz ele: "0 sabio tub0 optico C precioso como um cetro; quem observa com ele tor- na-se um rei e pode compreender a obra de Deus. Por isso, valem estas palavras: tu sub- metes a intelighcia humana os limites ce- lestes e o caminho dos astros." Pode-se afir- mar com certeza que a Didtrica constituiu "o inicio e o fundamento de uma cicncia otica capaz de explicar o funcionamento das lentes e de suas varias combinaqoes, como as usadas na luneta 'galileana' ou na luneta 'kepleriana', tambkm chamada 'astron6mi- ca' " (G. Abetti).

Em 161 1, o imperador Rodolfo I1 teve de abdicar em favor do irmio Matias. Ke- pler, que ja lutava em viio para obter sua remuneraqio, compreendeu que n5o era sa- bio continuar em Praga. Ass!m, p&-se a ser- viqo dos governadores da Austria superior e transferiu-se para Linz, a fim de comple- tar as Tabuas rodolfinas e dedicar-se aos estudos de matematica e filosofia.

Em 16 13, Kepler publicou a Nova ste- reometria doliorum vinariorum, que resol- ve um problema pritico nio irrelevante para aquela tpoca: como determinar o conteudo dos barris. A questiio niio deixava de ser importante, pois entiio o conteiido dos bar- ris era medido com a introduqio de um bas- tiio: devidamente inclinado, ele deveria in- dicar o numero de "baldes" de que o barril era capaz. Tratava-se, obviamente, de uma mensuraqio rudimentar. E o interessante C que Kepler resolve tal problema atraves de procedimentos que se aproximam dos rea- lizados no calculo infinitesimal. Em 1616, porkm, tem inicio a desgraqada aventura da pobre m5e de Kepler, que foi acusada de fei- tiqaria e submetida a interminavel proces- so, no qual se envolve tambCm a faculdade juridica de Tubinga. Kepler empenhou-se profundamente na defesa da mie. E, final- mente, saiu vencedor. Em 1621, a miie de Kepler foi inocentada da acusaqio. Mas, tanto pela idade avanqada como em funqio de seu encarceramento e do processo, a atri- bulada mie morreu em abril de 1622. Nes- se entretempo, entre 1618 e 1621, Kepler havia publicado em Linz, em sete livros, seu tratado de astronomia: Epitome astronomiae copernicanae. Ja nos primeiros meses de 1619, em Augusta, aparecia sua obra Harmonices mundi libri V, sobre a qual falaremos adian- te: trata-se do "at0 conclusivo da fecunda vida de Kepler" (J.L.E. Dreyer). Em 1627,

aparecem finalmente as Tabuas rodolfinas, onde se encontram as tabuas dos logaritmos, as tabuas para calcular a refragao, e um cath- logo das 777 estrelas observadas por Tycho Brahe, cujo numero Kepler eleva para 1005. Com essas tabuas, "por mais de um skculo, os astr6nomos puderam calcular com exa- tidao suficiente, jamais alcangada antes de Kepler, as posigdes da terra e dos virios pla- netas em relag20 ao sol" (G. Abetti). Em 1628, Kepler estava novamente em Praga, de onde foi para Sagan, pequena cidade da Silisia, entre Dresden e Breslavia, colocan- do-se a servigo do duque de Friedland, Al- brecht Wallenstein. Este prometeu pagar a Kepler os doze mil florins de atrasados a que tinha direito pel0 trabalho passado. Kepler, de sua parte, publicaria as efemCrides at6 1626. Entretanto, desmoronando os bens de Wallenstein, Kepler decidiu ir a Ratisbona para obter da Dieta o pagamento de sua re- muneraggo atrasada. Feita no lombo de um velho burro - do qual Kepler se desemba- ragou por dois florins tao logo chegou -, a viagem foi desastrosa. Acometido de febre, Kepler foi submetido a sangrias. Mas de nada adiantou. Morreu no dia 15 de no- vembro de 1630, distante de casa e dos que Ihe eram caros. Estava com cinqiienta e nove anos de idade. Foi sepultado fora das mu- ralhas da cidade, no cemitCrio de Sao Pedro, ja que niio era costume sepultar os luteranos dentro da cidade. Entretanto, os funerais fo- ram solenes. E o discurso funebre desenvol- veu-se em torno de um versiculo de Lucas (LC 11,28): "Felizes os que ouvem a pala- vra de Deus e a observam."

em busca da divina olrdem matembtica dos C&S

Se Tycho Brahe sempre foi anticoper- nicano, Kepler sempre foi copernicano: "Du- rante toda a sua vida, ele se referiu a per- tinencia do papel que CopCrnico atribuira ao sol com os tons entusiasticos do neo- platonismo renascentista" (Th. S. Kuhn). Kepler foi um neoplatBnico matematico ou um neopitagorico que acreditava na harmo- nia do mundo. Por isso, niio podia apreciar o pouco harmbnico sistema de Brahe. Em suma, Kepler acreditava que a natureza era ordenada por regras matematicas, que C fun- $50 do cientista descobrir. Uma fungzo que Kepler acreditou ter cumprido, pelo menos em parte, quando publicou o Mysterium cos- mographicum, em 1596. Nessa obra, preci- samente, a fC no sistema copernicano vin- cula-se fC plathica de que uma Razao matematica divina presidiu B criagao do mundo. E, depois de ter desenvolvido ex- tensamente - usando at6 desenhos detalha- dos - as argumentagdes em favor do siste- ma copernicano, ele afirma que o numero de planetas e a dimensso de suas orbitas podiam ser compreendidos a medida que se compreendesse a relagso entre as esferas planetarias e os cinco s6lidos regulares, "pla- tbnicos" ou "cosmicos". Esses s6lidos. como ja mostramos anteriormente, Go: o cubo, o tetraedro. o dodecaedro. o icosaedro e o octaedro. Como C facil perceber, examinan- do a fig. 1, esses solidos se caracterizam por terem as faces todas identicas e constituidas apenas de figuras eqiiilhteras. Desde a anti- guidade, sabia-se que somente cinco solidos ~ossuiam tais caracteristicas: os cinco indi- Lados na figura. Pois bem, em seu trabalho, Kepler sustenta que, se a esfera de Saturno fosse circunscrita ao cubo no qual estivesse inscrita a esfera de Jupiter e se o tetraedro fosse inscrito na esfera de Jupiter com a es- fera de Marte inscrita nele. e assim sucessi- vamente com os outros tres solidos e as ou- tras tre~ esferas (cf. a fig. 2), entso se poderia demonstrar as dimensdes relativas de todas as esferas, compreendendo-se tambCm por que existem apenas seis planetas. Eis o que diz o pr6prio Kepler: "0 orbe da terra C a medida de todos os outros orbes. Circuns- creve-se a ele um dodecaedro, e a esfera por ele circunscrita C a de Marte. A esfera de Marte circunscreve um tetraedro, que con- tCm a esfera de Jupiter. A esfera de Jupiter circunscreve um cubo, sendo que a esfera por ele encerrada C a esfera de Saturno. No orbe da terra, inscrevi um icosaedro, sendo a esfera nele inscrita a de Vhus. Em VEnus inscrevi um octaedro. onde esta inscrita a esfera de Mercurio. E ai encontras a raziio do numero dos planetas." Deus e' matema- tico. E o trabalho de Kepler consistiu preci- samente em buscar as harmonias matema- ticas e geome'tricas do mundo. Ele acreditou ter encontrado muitas, embora aquelas des- tinadas a ter futuro fossem sobretudo as suas famosas trEs leis para os planetas. De todo modo, "a convicgao de uma estrutura do

(11~1 Th. 5. Kuhn, A revolu~ao copernicana, cit.).

Satumo cubo Jlipiter tetraedro Marte dodecaedro Terra ~cosaedro V&us octaedro (lie Th. S. Kuhn, A revoluc;?io copernicana, cit.).

mundo matematicamente definivel, que en- contrava a sua formulaqiio teologica na cren- qa de que, na criaqiio do mundo, Deus havia sido guiado por consideraq6es matematicas; a irremovivel certeza de que a simplicidade tambim i um sinal de veracidade e de que a simplicidade matemitica se identifica com a harmonia e a beleza; por fim, a utilizaqgo da sur~reendente circunstiincia de que exis- tem exatamente cinco poliedros que satis- fazem as mais altas exighcias de regulari- dade e que, portanto, devem ter alguma coisa a ver com a estrutura do universo - todos esses dados S~O sintomas inequivocos da concepqiio do mundo pitagorico-platti- nico, que aqui aparece mais viva do que nunca. Esse era o estilo de pensamento do Timeu, que, depois de ter desafiado o pre- dominio do aristotelismo durante toda a Idade Midia, em uma tradiqgo continua, embora por vezes invisivel, agora punha-se novamente de pi" (E.J. Dijksterhuis). 3,. Do "circ~lol' h "elipsell. -i Y

f\s "tvgs leis de Kepler"

A ciincia tem necessidade de mentes criativas (de hipoteses e teorias), ou seja, pre- cisa de imaginaqgo e, simultaneamente, de rigor no controle dessas hipoteses. Pois bem, na historia do pensamento cientifico, talvez niio tenha existido outro cientista com tan- ta forqa de imaginaqgo quanto Kepler, e que, ao mesmo tempo, assumisse como ele uma atitude tiio critica em relaqgo is suas pro- prias hipoteses. A idiia da relaqiio entre os planetas e os solidos logo se mostraria in- sustentavel. Mas o que ela expressava era o sintoma de um programa de pesquisa, que ainda mostraria toda a sua fecundidade. Ptolomeu niio havia sido capaz de explicar o movimento "irregular" de Marte. E Co- pirnico tambim ngo o conseguira. Tycho Brahe havia realizado numerosas observa-

gdes sobre Marte, mas tambCm tivera de ceder as dificuldades. Depois da morte de Brahe, foi Kepler quem teve de se defrontar com o problema, nele trabalhando durante cerca de dez anos. E o proprio Kepler quem nos informa sobre esse seu extenuante tra- balho, do qua1 deixou uma apaixonante e detalhada descriqiio. As tentativas seguiam- se urna 21 outra, mas todas caiam no vazio. Entretanto, com base nessa longa sCrie de tentativas falidas, Kepler chegou 2 conch- s5o de que era impossivel resolver o proble- ma com qualquer combinaqiio de circulos, pois todas as combinaqdes possiveis niio correspondiam aos dados observiveis e as orbitas propostas, portanto, deviam ser eli- minadas. Assim, alCm dos circulos, experi- mentou tambCm as figuras ovais. Mas, no- vamente, as observagdes desmentiram as propostas teoricas. Por fim, percebeu que a teoria e as observaqdes se harmonizavam quando fazia os planetas moverem-se em orbitas elipticas, com velocidades variaveis, determinaveis segundo urna lei simples.

Foi urna descoberta sensational: esta- va definitivamente rompido o dogma antigo e ja venerivel da naturalidade e perfeigiio do movimento circular. E um procedimento matematico muito simples estava em con- digdes de dominar, em um universo coper- nicano, urna quantidade interminavel de observagdes e permitia fazer previsoes (e pos-visdes) seguras e acuradas.

E eis as duas leis que conttm a soluq5o final do problema, solugiio que e vilida tam- bCm para nos, hoje: - primeira lei: as orbitas dos planetas (Marte) s2o elipses das quais o sol ocupa um dos focos (cf. a fig. 3.);

- segunda lei: a velocidade orbital de cada planeta varia de tal modo que a linha que liga o sol e o planeta cobre, em iguais intervalos de tempo, iguais por~oes de su- perficie da elipse (cf. a fig. 4).

A substituiq50 das orbitas circulares de Ptolomeu, de CopCrnico e tambCm de Galileu pelas elipses (la lei), e a substituiq50 do movimento uniforme em torno de um centro com a lei das superficies iguais (2" lei), sio suficientes para eliminar toda a caterva dos exctntricos e dos epiciclos.

Em 161 8, no Epitome astronomiae copernicanae, Kepler estendeu essas suas leis aos outros planetas, a ha e aos quatro sat& lites de Jupiter, que haviam sido descober- tos hi poucos anos. Em 1619, nas Harmo- nias do mundo, Kepler anuncia sua - terceira lei: os quadrados dos perio- dos de revolu@o dos planetas estiio na mes- ma rela@o que os cubos das respectivas dis- t2ncias do sol. Ou seja: se T1 e T2 s5o os periodos necessarios a dois planetas para que eles completem urna volta em suas or- bitas e se R1 e R2 s5o as res~ectivas distin- cias mCdias entre os planetas e o sol, entio a relag50 orbitais C entre os quadrados dos periodos igual a relagiio existente entre os cubos das disthcias mCdias em relaqiio ao sol. Ou seja: (T1/T2)2 = (Rl/R2)3.

Trata-se. conforme foi dito. de "urna lei fascinante, porque estabelece urna regra nunca antes observada no sistema planeta- rio". Mas o fundamental era que os princi- pios da cosmologia aristotClica haviam-se despeda~ado. Com efeito, a esse ponto, o sistema solar encontrava-se ~lenamente des- velado em toda urna rede de relacdes mate- maticas limpidas e simples.

Fig. 3

0 sol CO~O causa dos movimentos pIanet6vios

Como observa Dijksterhuis, misticis- mo, matematica, astronomia e fisica estiio estreita e at6 inextricavelmente associados na mente de Kepler. Nas Harmonias do mundo, ele fala de um "frenesi divino" e de um "arrebatamento inefavel" na contempla- qiio das harmonias celestes. E precisamente nesse livro Kepler mostra mais que em qual- quer outro lugar sua fC nas harmonias que se expressam na ordem matematica da na- tureza: e o sol desempenha um papel fun- damental nessa harmonia. 0 mod0 como Kepler descreve ter che- gado a elaboraqiio de sua primeira lei C exal- tad0 em nossos dias como exemplo perfeito de procedimento cientifico: ha um proble- ma (a irregularidade do movimento de Mar- te); elabora-se toda urna sGie de conjecturas como tentativas de soluqiio do problema; desencadeia-se o mecanismo da prova sele- tiva sobre essa gama de conjecturas; descar- tam-se todas as hipoteses que niio se susten- tam ao crivo das observaq6es; finalmente, chega-se teoria justa. E niio i apenas o pro- cedimento que C considerado como modelo de pesquisa cientifica, exalta-se tambCm o relato com o qual Kepler narra o mod0 como chegou a essa lei. Vemos toda a pai- xiio por um problema que perseguiu Kepler ao longo de dez anos; com ele percorremos as expectativas alegres e as amargas desilu- Ges, os reiterados assaltos e os sucessivos fracassos, os becos sem saida em que se mete, a tenacidade com que empreende o desenvolvimento de cilculos dificeis, a constdncia e perseveranqa na busca de urna ordem que deve existir porque Deus a criou; vemos urna verdadeira luta de Kepler com o Anjo, que no fim niio lhe nega sua bin- qiio. Encontramo-nos diante da descriqiio de urna pesquisa em que a retorica das con- clus6es C substituida pel0 pathos da mais nobre aventura: o pathos da pesquisa da ver- dade.

Mas niio menos interessante e instruti- va C a maneira pela qual Kepler chega a sua segunda lei, da qual, alias, depende a pri- meira. No quarto capitulo da Nova astro- nomia, Kepler descreve o sol como o corpo "que aparece, em virtude de sua dignidade e potcncia, como o unico capaz (de mover os planetas em suas orbitas) e digno de tor- nar-se a morada do proprio Deus, para niio dizer o primeiro motor". E, no Epitome astronomiae copernicanae, tambem pode- mos ler: "0 sol C o corpo mais belo; de cer- ta forma, C o olho do mundo. Enquanto fon- te de luz ou lanterna resplandecente, adorna, pinta e embeleza os outros corpos do mun- do [...I. No que se refere ao calor, o sol C o fogareiro do mundo, que esquenta os glo- bos no espaqo intermediario [...I. No que se refere ao movimento. o sol C a causa mi- meira do movimento dos planetas, o pri- meiro motor do universo, a causa do seu proprio corpo [...I." Ha em Kepler urna metafisica do sol. 0s planetas niio se mo- vem mais com um movimento circular na- tural; eles percorrem elipses. Entiio, qual a forqa que os move? Pois bem, eles siio mo- vidos por urna for~a motriz como a forqa magnktica, urna forqa que emana do sol. Estamos diante de urna intuiqiio metafisica relacionada com o mundo fisico, segundo a qual os planetas percorrem suas orbitas im- pelidos pelos raios de urna anima motrix que brotam do sol. Kepler considerava que es- ses raios agem sobre o planeta; mas a 6rbita do planeta i eliptica; por isso, os raios da anima motrix que caem sobre urn planeta a urna distdncia dupla do sol estariio pela metade; conseqiientemente, a velocidade do ~laneta sera a metade da velocidade orbital que apresenta quando esta mais proximo do sol. Em suma, Kepler sup6s que "houvesse no sol um intelecto motor capaz de mover todas as coisas em torno de si, mas sobretu- do as mais proximas, enfraquecendo-se po- rim no caso das mais distantes. em virtude da atenuaqiio de sua influincia, dado que aumentam as distdncias". A fig. 5 esclarece graficamente a idCia de ~e~ler.Portanto, foi a "fin neoplat6nica que conduziu Kepler a sua segunda lei: ele acreditava em urna es- trutura matematica e simples do universo e que o sol fosse causa de todos os fenbme- nos fisicos. E Kepler esboqou precisamente urna teoria magnttica do sistema planeti- rio, com base nessa sua ultima convicqiio, alem de influenciado pela leitura do De Mag- nete, que o mCdico inglis William Gilbert (1 540-1 603) publicara em 1600. Ele fala da forqa com que a terra atrai um corpo, e na introduqao a Nova astronomia fala tambCm de urna atraqiio reciproca. E, nas notas ao seu Somnium (elaborado entre 1620 e 1630), atribui as marks "aos corpos do sol e da ha, que atraem as aguas do mar com urna forqa semelhante magnCtican.

Kepler sufids que "houvesse no sol um intelecto motor capaz de mover todas as coisas ao redor de si, mas sobretudo as mais prciximas" (de Th. S. Kuhn, A revolu$o copernicana, cit.).

Alguns chegaram a ver nessas idkias a antecipaqio da teoria gravitacional de New- ton. Ao que tudo indica, nio chega a ser matematica do sistema~o~ernicano e a pas- saeem " do movimento circular ("natural" e "perfeito") ao movimento eliitico propu- nham problemas que Kepler percebeu, iden- tificou e tentou resolver. Trata-se de proble- mas que, juntamente com os resultados obtidos, Kepler deixava de heranqa i gera- @o seguinte. Kepler desapareceu em 1630, Galileu morreu no principio de 1642. E pre- cisamente neste ano nascia em Woolsthor~e. no condado de Lincoln, na Inglaterra, homem chamado Isaac Newton, que, re- colhendo os resultados obtidos por Kepler e Galileu, estava destinado a resolver os problemas que eles deixaram em aberto, dando assim a fisica a condicao aue hoie

isso. Mas o certo k que a sistematizaqio

> 1 nos conhecemos com o nome de "fisica clas- sica".

A novidade do concep#o copernicana

0 trecho que segue d o corto dedico- torm o Poulo 111 (Rlessondro Fornese, 1468- 1549); corto que Copdrnico ontepae oo De revolutionibus orb~um coelest~um (1543), o texto cldss~o do teorio helioc&ntrico: 'I.. .] tombhm eu comacei o pensor no mobilida- de do terro".

Santissimo Padre, com sufic~ente seguran- <a posso pensar que logo qua alguns soube- rem que nestes meus l~vros escritos sobre as revolu~des das esferas do mundo atribuo ao globo terrestre alguns movmentos, imediata- mente proclamardo em aka voz que devo ser descartado junto com tal opinido. Nem, na ver- dade, minhas coisas me agradam a ponto de au n60 querer ponderar aquilo que outros jul- gardo sobre elas. E embora saiba que as re- flexaes do filosofo estdo longe do julgamento do vulgo, porque & seu trabalho procurar a ver- dade em todas as coisas, 6 med~da que isso permite-se 6 razdo humana por Deus, nem por isso penso que se devam abandonar as opi- nides de fato estranhas a retiddo. nss~m, quan- do eu pensava comigo mesmo qudo absurdo teriam avaliado este ochroomo [discurso] aque- les que sabem ter sido confirmada pelo julga- mento ds muitos s&culos a oplnido de que a terra est6 imovel no meio do cGu, como que posta no centro dele, se ao contr6rio eu tives- se af~rmado que a terra se move, por muito tempo hesitei se devia expor meus comenthri- os escritos para demonstrar tal movimento, ou entdo se ndo seria melhor seguir o exemplo dos pitagoricos e de alguns outros que costu- mavam tradicionar os misthr~os da filosof~a apenas a membros e amlgos, ndo por escrito, mas oralmente, como atesta a carta de Cisides a Hiparco. E parece-me no verdade que isso era fsito ndo tanto - como pensa algubm - por certo ciums do saber que deveria ter sido comunicado, mas para que as belissimas coi- sas, pesqu~sadas com muito estudo por gran- des homsns, ndo fossem desprest~giadas por aqueles a quem & molesto dedicar algum es- forso 6s letras, quando ndo sdo lucrativas, ou por aqueles que, embora impelidos pelas exor- taqks e pelo exemplo de outros aos estudos liberais da filosofia, todavia, por causa do ob- tus~dade de seu engenho, movem-se entre os f~losofos como os zangdes entre as obelhas. Enquanto, porGm, avaliava comlgo mesmo es- tas coisas, o desprezo, qua devia temer pela novidade e absurdidade desta opinido, por pouco nao me impeliu a abandonar completa- mente a obra realizada.

Mas os amigos me dissuadiram, embora hes~tasse muito e tambhm relutasse; e entre estes o prlmelro ~OI N~colau Schonberg, cardeal de Cdpua, chlebre em todo campo do saber; junto com ele aquele ins~gne personagem que me ama tanto, Tiedemann Giese, b~spo de Culm, tdo assiduo nos sagradas letras e em todas as boas letras. Este, corn efeito, fre- quentemente ms exortou e com censuras vez por outra a mim dirigidas me incitou a publicar este livro e a permitir que fosse finalmente dado 6 luz uma obra que teimava em permane- cer oculta comlgo ndo apenas por nove anos. mas j6 por quatro vezes nove anos. 0 memo fizeram junto de mim ndo pou- cos outros personagens eminentissirnos e dou- tissimos, os quais me exortaram a ndo recusar por mais tempo - pelo medo concebido - co- municar minha obra para utilldade dos estudio- sos de matem6tica. Talvez por mais absurda que aparep agora 6 malor parte deles minha dou- trina sobre o movlmento do terra, maior admi- rag30 e gratiddo receber6 depois qua, com a ed~<do de meus coment6rios, eles verdo dis- solvidas as n&voas da absurdidade corn cla- rissimas demonstra@es. Impelido, portanto, por estes persuasores e por tal esperanp, final- mente permit^ aos amigos que providencrassem a edi@o do obra, por tanto tempo aguardada.

Todavia, talvez Sua Santidade ndo se maravilhar6 tanto de que eu anseie dar b luz minhas reflexdes, depo~s que assumi elabor6- las com tanto trabalho que ndo duvide~ confiar tambbm por carta meus pansamentos sobre o movimento da terra, mas, ao contr6ri0, espera- r6 sobretudo ouvir de mim como me veio em mente ousar imaginar - contra a opinido uni- versalmente acei to pelos matem6ticos, e qua- se contra o senso comum - algum movlmento da terra. Rss~m, ndo quero esconder a Sua San- tidade que nada mais me levou a pensar em outro modo de calcular os movimentos das es- feras do mundo, a ndo ser que compreendi que os matem6ticos ndo estdo eles proprios con- cordes no pesquisa deles. Com efe~to, em primeiro lugar estdo t60 incertos sobre o movimento do sol e da lua que nao podem demonstrar e observar a grandeza

constants do ano que passa. Depois, ao fixar os movimentos tanto destas corno das outras cinco estrelas errantes [os planetas], n6o recor- rem aos mesmos principios, nem aos mesmos assuntos, nem ds mesmas demonstra@es das revolu@es e dos movimentos que aparecem. Rlguns, com efeito, recorrem apenas a circulos homoc&ntricos, outros a exc6ntricos e a ep~c~clos, com os quais, porhm, n6o conseguem absolu- tamente aquilo que buscam.. .

Por lsso assumi o trabalho de reunir os livros de todos os filosofos, que pudesse ter, com o fito de indagar se acaso algum tivesse opinado que os movimentos das esferas do mundo fossem diversos daqueles que s6o ad- mitidos por aqueles que ensinam matemdtica nas escolas. E sncontre~ asslm primeiro em Ci- cero que Niceto pensara que a terra se moves- se. Depois tambhm em Plutarco encontrei que outros ainda eram da mesma opini6o e, para tornar suas palavras acessiveis a todos, pen- sei transcrev&-las aqul: "Outros pensam qua a tsrra esteja para- do, mas Filolau o Pitagor~co admits que ela se mova glrando em torno ao foco com um circulo obliquo, corno o sol e a lua. Herdcl~des PBntico e Ecfanto o Pitagorico tambhm fazem a terra se mover, mas nao atravhs do espaSo, e sim como roda, do Ocidente para o Oriente, ao redor de seu proprio centro". A partir daqui, portanto, deparando-me corn esta oportunidade, tambhm eu comecei a pansar no mobil~dade da terra. E, por mas ab- surda que aparecesse tal opini60, todavia, uma vez que eu sabla que a outros antes de mim tivesse sido concedida a liberdade de imagi- nor alguns circulos para indicar os fenBmenos dos astros, pensel que tambhm a mim teria sido facilmente permitido experimentar se, posto certo mov~mento da terra, se pudessem encon- trar demonstra~6es mas f~rmes das deles, no revolugio dos orbes celestes. Portanto, supostos os movimentos qua mais adiante em minha obra atribuo d tsrra, encontrei finalmente, depois de muitas e lon- gas observa(6es, que se se relacionavam com a circula@o da terra os movimentos das outras estrelas e se calculavam para a revolu$6o de toda estrela, n6o apenas descobriram os fen6 menos delas, mas tambhm as ordens e as gran- dezas das estrelas e de todos os orbes, e o proprio c&u assim se conecta que em nenhuma parte dele pode transpor-se qualquer coisa sem que disso derive confusao nos outras partes e na sua totalidade. Por isso, ad~ante no obra. segui esta ordem, e no primeiro hvro descrevo todas as posl@es dos orbes com os movimen- tos qua atribuo d tsrra, a fim de que este livro contenha quase que a toda a constitui$do ge- ral do universo. Nos outros livros, depois, relacio- no os movimentos das outras estrelas e de to- dos os orbes com a mobil~dade da terra, a fim de que ai se possa deduzir em que medida h possivel salvar os movimentos e as aparhcias das outras estrelas e dos orbes, quando estdo relacionados com o movimento da terra. E n6o

Representa~iio do sistema copernicano. Como escreue o pr6prio Copkrnico: "Todas as esferas giram ao redor do sol como seu ponto central, e portanto o centro do uniuerso esta dentro do sol [...I. 0 mouimento da terra e'. portanto, suficiente para explicar todas as desigualdades yue aparecem no cku".

duv~do que os engenhosos e doutos matem6t1- cos me aprovardo se, conforme a filosof~a re- quer em prlmelro lugar, quiserem conhecer e ponderar ndo superficialmante, mas a fundo, aquilo que trago nesta obra para a demonstra- <do destas colsas. E a fim de que os doutos e tambbm os ignorantes vejam que de minha parte ndo me subtra~o de fato a0 julgamento de ningubm, preferi dedlcar estas m~nhas refle- x6es a Sua Santidade, mais qus a qualquer outro, porque tambbm neste 6ngulo remotissimo da terra, em que vivo, 6s julgado o persona- gem mals em~nente tanto pela d~gnidade de grau como de amor por todas as letras e tam- bbm das matem6tlcas; assim, poderdis fac~lmen- te, com tua autoridode e teu julgamento, con- ter a mordida dos caluniadores, embora o provbrbio diga que ndo existe rembdio para a mordida dos delatores.

Se porventura houver rnozoiologoi [linguo- rudos] que, embora ~gnorando completamente as matem6tms, memo assim se arrogam o jul- gamento sobre elas, e em base a alguma pas- sagem da Escritura, pessimamente d~storcida a seu favor, ousarem tro<ar ou d~famar esta em- press, ndo me preocupo de modo nenhum com eles, pois desprszo o julgamento deles corno temer6rio. € bem sab~do, com efeito, qua LactGn- c~o, escrtor ali6s famoso, mas matem6tico supe- rado. falou de modo completamente pueril do forma da terra, cacoando daqueles que haviam mostrado que a terra tem forma de globo. Por- tanto, ndo deve parecer estranho aos sstud~o- sos se alguns tambbm rirem de mim. Fl matem6- t~ca escreve-se para os matem6ticos, aos quals - se ndo me engano - tambbm estes meus tra- balhos aparecerdo de algum modo vantajosos para a propria republica eclesi6stica, da qua1 Sua Santidade detbm agora o princ~pado. Com efei- to, h6 ndo muito tempo, sob Ledo X, quando se debatia no concilio lateranense a questdo de emendar o calsnd6rio ecles16st1c0, essa perma- necsu entdo ~ndecisa apenas pela razdo ds que as grandezas dos anos e dos msses e os movi- mentos do sol e da lua ndo eram ainda conside- rados suficientemente medidos: e desde aquele tempo pus-me a observar lsso mais acurada- mente, inc~tado pelo iluminado blspo de Fossom- brone, Paulo, que presid~a a tais quest6es. 0 qus, portanto, demonstrei nestas coisas, deixo ao julgamento de Sua Santidade, em pri- meiro lugor, e ao de todos os outros doutores matem6t1cos. E, para qus ndo parep a Sua Sant~dade que sobre a utilidade da obra pro- meto mais do que posso oferecer, passo agora ao meu proposito.

N. Copbrn~co. De revolutionibus orbium coelestium

Tycho Brohe Iongo o hipotese de urn sis- terno do rnundo diferante tonto do de Ptolorneu corno do de Coptrnico "Poro oltm de quolquer duvido penso que se devo es- tobslecar corn os ontigos ostr6nornos s os poreceres dorovonte ocaitos palos Fisicos, corn o ulterior otestogdo dos Sogrodos Escri- turos, que o tam que hobitornos ocupo o centro do universo s que ndo 6 rnoviclo em circulo por nenhum rnovirnanto onuol, corno o quer Coptrnico [ 1"

No sisterno tych8nico o two sa encon- tro, portonto, no centro do universo, elo esM no centro do orbito do sol, do luo e clos es- trslos fixos, enquonto o sol estd no centro do orbito dos cinco plonetos (Mercljrio, Vhnus, Morte, Jfipitsr, Soturno)

Do momento em que me de~ conto de que a velha distr~bu~<do ptoloma~ca dos orbes ce- lestes ndo era suficientemente coerente e que era supbrfluo o recurso a tdo numerosos e gram des ep~c~clos por melo dos quals se justificam os comportamentos dos planetas em rela$do ao sol, suas retrograda<bes e suas paradas com alguma parte de sua aparente desigualdade; logo que me dei conta de que estas hipoteses contradizem os primsiros prmcipios da propria teoria, uma vez que admitem a uniform~dade do movimento circular ndo em torno cle seu pro- prlo centro, corno seria necess6r10, mas ao re- dor de outro, isto &, ao redor do centro de ou- tro exc&ntr~co (qua por este motivo chamam de equante); tendo considerado ao mesmo tem- po a inovagdo moderna ~ntroduzida pelo gran- de Copbrn~co [. . .], e tendo compreend~do como ela sab~amente evta tudo aqu~lo que no d~s- posi$do ptolomaica resulta supbrfluo e in- coerente, sem contradizer os principios da ma- tembtica, mas, a partir do momento que estabelece que o corpo da terra, grande, lento s in6bil para se mover b mov~do por um movi- mento ndo mas fragment6rio (ou melhor, um tripl~ce movimento) do qua o dos outros astros etbreos, chocava-se ndo so com os principios da fis~ca, mas tambbm contra a autor~dade das Sagradas Escr~turas que conhrmam em v6rias

passagens a estabilidade do terra, para ndo falar depois do espago vastisslrno interposto entre o orbe de Saturno e a oitava esfera que esta doutrina torna vazio at& as estrelas, e de outros inconvenientes que acompanham esta especulagbo, entdo, sigo, tendo cornpreendi- do bem corno arnbas assas hipoteses adrnitis- sem ndo pequenas absurdidades, comecei a meditar cornigo mesrno profundarnente se se- ria possivel encontrar uma hipotese qualquer que ndo estivesse em contraste nem corn a rna- tern6tica nern corn a fisica, e que ndo devesse fugir ocultarnente das censuras teologicas e que, ao mesrno tempo, satisfizesse de modo corn- pleto as apar&ncias celestes. Por firn, quase inesperadarnente, vaio-me 2.1 mente de qua1 rnaneira deva ser disposta oportunarnente a ordern das revolu~des celestes, de rnodo que ficasse excluida toda ocasibo para todas estas incongru&nc~as. E agora comunicarei esta d~s- posiqdo dos orbes, j6 brevemente acenada, aos cultores da filosofia celeste.

Para alhrn de qualquer dirvda, penso que se dsvo estabelecer corn os antigos astrdno- rnos e os pareceres j6 aceltos pelos fisicos, com a atesta~bo ulterior das Sagradas Escrituras, que a terra que habitarnos ocupa o centro do universo e que nbo h movida ern circulo por nenhum rnovimento anual, como o cluer Cophrnico. Todavia, ndo ouso confirmar, cbmo crerarn Ptolorneu e os velhos astr6nornos, que junto da terra sa situern os centros de todos os orbes do segundo rnovel; mas penso que os circuitos celestes sejam de tal forma governa- dos que apenas arnbos os luminares do rnun- do [o sol e a lua], que presidern a d~scrirnina- $10 do tempo, e corn slesa muitissimo d~stante oitava esfera [das estrelas fixas], continente de todas as outras, olhem para a terra corno para o centro de suas revolu@es. Albrn disso, asse- vero que os cinco planetas restantes [Mercljrio, V&nus. Marte, Jljp~ter, Saturno] desenvolvem seus proprios glros ao redor do sol corno pro- prio guia e rei, e que sempre o observarn quan- do se situa no espqo intermedi6rio de suas revolu@es. De rnodo que, em relagdo ao circui- to dele tarnbhrn os centros das orbitas que clr- cularn a seu redor realizam urn giro anual. En- contrei, de fato, que isso nBo ocorria apenas em V&nus e Mercljrio para as menores digres- sdes de tais planetas em relacdo ao sol, mas tarnbhrn nos tr&s planetas superiores. E desse modo nestes tr&s rnais distantes planetas que, corn a amplitude de suas revolug6es ao redor do sol, incluern a terra e todo o rnundo elernen- tar juntamente corn a lua que com el@ confina, para Cophrnico devia-se ao movimento anual da terra, justifica-se de modo rnuito convenien- te mediante tais concomit6ncias do centro da orblta dos proprios planetas junto corn a revo- lug60 anual do sol. Deste modo, encontrarnos expllca@o suficiente para as paradas ou retro- grada~des dos planetas, para aproxirnagdes e distanciarnentos da terra, para a var1aq3o da aparente grandeza e para todos os outros fe- n6rnenos de tal monta, originados ou com o pre- texto dos epiciclos ou pela aceita@o do rnovi- rnento da terra. [. . .] E corn isso se torna evidente a razbo pela qua1 o rnovimento simples do sol se mistura necessariamente corn os movirnen- tos de todos os cinco planetas com peculiar e certo andarnento; de forrna que todos os fen6 rnenos celestes se referern ao sol corno sua rnedida e norrna e ele governa toda a harrno- nia do fila dos planetas corno Rpolo (norne do qua1 era datado pelos antigos) no rneio das Musas.

T. Or~hs, De mundi oathsrsl rscent~onbus phasnomenls, liber secundus qui est de illustr~ stello coudoto em lo rivoluzione scientihco do Copernico o Newton, edtada por P. Ross~, loeschsr.

toda aparente dssigualdade de movirnento que pelos antigos era axplicada corn os epic~clos, Instrumento astrondmico de 7: Brahe.

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