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0s Discursos e demonstra@es matematicas em torno de duas novas ci2ncias
Persuadidos de que Galileu quisesse engana-los, visto que o Dialogo era forte defesa da idCia copernicana, realizada ade- mais com "argumentos novos, nunca pro- postos antes por nenhum ultramontano"; irritados por ter Galileu escrito a obra niio em latim, mas em linguagem popular, "para arrastar A sua parte o vulgo ignorante, que C facil presa do err0 [...I"; atentando para o fato de que "o autor sustenta ter discutido uma hip6tese matemitica, mas confere-lhe uma realidade fisica, coisa que os matema- ticos nunca fazem" - com base em tudo isso, depois de outro interrogatorio, os in- quisidores emitiram sua condenaqiio em 22 de junho. E nesse mesmo dia, de joelhos, Galileu abjurou. "Dizemos, pronunciamos, sentenciamos e declaramos - assim termi- na o texto da condenaqiio - que tu, o refe- rid0 Galileu, pelas coisas aduzidas em pro- cesso e por ti confessadas como referidas acima, te tornaste para este Santo Oficio veementemente suspeito de heresia, isto C, de haver mantido e crido em doutrina falsa e contraria is sagradas e divinas Escrituras, que o sol seja o centro da terra e que niio se mova do oriente para o ocidente, e que a terra se mova e niio esteja no centro do mundo, e que se possa manter e defender como provavel uma opiniiio depois de ela ter sido declarada e definida como contra- ria A sagrada Escritura. Conseqiientemente, incorreste em todas as censuras e penas dos cinones sagrados e outras constitui~oes ge- rais e particulares impostas e promulgadas contra semelhantes delinqiientes. E pelas quais nos contentaremos se, em termos ab- solutes, mais que antes, com coraq5o since- ro e fC niio fingida, diante de nos, abjures, maldigas e detestes os referidos erros e he- resias, bem como qualquer outro err0 e he- resia contraries h Igreja catolica e apostoli- ca, do mod0 e na forma que por nos te seriio dados [. . .] " .
E eis as partes inicial e final do texto com o qua1 Galileu abjurou: "Eu, Galileu, filho daquele Vincenzo Galileu de Florenqa, nesta minha idade de setenta anos, consti- tuido pessoalmente em juizo e ajoelhado diante de vos, Eminentissimos e Reveren- dissimos Cardeais, Inquisidores gerais em toda a Republics Crist5 contra a herCtica maldade, e tendo diante de meus olhos os sacrossantos Evangelhos, que toco com as proprias miios, juro que sempre acreditei, acredito agora e, com a ajuda de Deus, acre- ditarei tambtm no futuro em tudo aquilo que a santa Igreja catolica e apostolica man- tCm, prega e ensina [. . .]. Portanto, queren- do eu retirar da mente das Eminincias Reverendissimas e de todo fie1 crist5o essa veemente suspei~iio, justamente concebida em relaqiio a mim, com coraqio sincero e fC n5o fingida, abjuro, maldigo e detest0 os referidos erros e heresias e, em geral, todo e qualquer outro erro, heresia e seita contra- ria a santa Igreja. E juro que, para o futuro, nunca mais direi nem afirmarei, por voz ou por escrito, coisas tais pelas quais se possa ter de mim semelhante suspeita. E, se co- nhecer algum heretic0 ou suspeito de here- sia, o denunciarei a este Santo Oficio, ao Inquisidor ou Ordinirio encontrar [. . .] ". do local onde me
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os Discursos e demonst~a~des matem6ticas em torno de duas novas ciibcias
&itrutura da matkria sobre duas novas citncias, atinentes a me- e est6tica cdnica e aos movimentos locais. A analise da quest50 do movimento era uma constante no trabalho de Galileu, des- de a Cpoca do juvenil De Motu (1590).
Depois de ter sofrido seu segundo pro- 0s Discursos tambtm s5o redigidos em cesso e abjurado, Galileu escreveu ainda os forma de dialog0 e nele encontramos os Discursos e demonstra~6es matematicas mesmos protagonistas do Dialogo sobre os
dois maximos sistemas: Salviati, Sagredo e Simplicio. Tambim os Discursos se desen- volvem em quatro jornadas. Nas primeiras duas jornadas discute-se a citncia que se ocupa da resisttncia dos materiais. Eis a questiio: quando se constroem maquinas de proporqdes diversas, "a maquina maior, fabricada com a mesma matiria e com as mesmas proporq6es que a menor, em todas as outras condiqdes simetria em relaq5o responder4 com justa a menor, a niio ser na robustez e na resisttncia 2s invasdes violen- tas; mas, quanto maior, for ela, proporcio- nalmente sera mais fraca".
Em outros termos: em todos os corpos solidos encontra-se uma "resisttncia a ser quebrada". E a quest50 que Galileu quer resolver i a de identificar as relagoes mate- maticas entre tal resisttncia e "o comprimen- to e a espessura" de tais corpos.
Pois bem, na primeira jornada vt-se lo- go que a coisa que esta antes de qualquer outra necessidade 6 a investigaqiio sobre a estrutura da matiria: trata-se da "continui- dade", do "vacuo" e do "itomo". Sao ana- lisadas as analogias e as diferenqas entre a subdivisiio do matematico e do fisico. A pro- posito do vacuo, Galileu polemiza contra a idiia aristotilica de que o movimento seria impossivel no vicuo. E tambim s5o cri- ticadas as idiias de Aristoteles sobre a que- da dos pesados, segundo as quais haveria proporcionalidade entre o peso dos diver- sos pesados e a velocidade de sua queda. Galileu, porim, reafirma a opiniiio de que, "caso se retirasse totalmente a resisttncia do meio, todas as matGias desceriam com igual velocidade". Depois, passa-se ao exa- me das oscilaq6es do ptndulo e de suas leis: isocronismo e proporcionalidade entre o period0 de oscilaq50 e a raiz quadrada do comprimento do ptndulo. Discutem-se ques- tdes de acustica, propondo aplicaqdes dos resultados obtidos a proposito das oscila- qdes pendulares. Na segunda jornada, a resisttncia dos corpos solidos C reconduzida aos sistemas e combinaq6es de alavancas. Assim, a nova ciincia (que remonta ao "sobre-humano Arquimedes, que nunca nomeio sem admi- raqiio"), isto 6, a estatica, permite a Galileu mostrar a "virtude", ou seja, a eficacia, da geometria no estudo da natureza fisica (e tambim biologics: a natureza dos ossos cavos, a proporqao dos membros dos gi- gantes etc.). Diz Sagredo: "0 que diremos, senhor Simplicio? N5o convCm que ele con- fesse ser a virtude da geometria um instru- mento mais potente que qualquer outro para aguqar o engenho e disp6-lo ao per- feito discorrer e especular? E que com muita raziio queria Plat50 seus estudantes bem fundamentados nas matematicas? Eu ha- via compreendido muito bem a faculdade da alavanca e como, crescendo ou reduzin- do o seu comprimento, crescia ou desapa- recia o momento da for~a e da resistincia. Apesar de tudo isso, estava enganado na determinaqiio do presente problema: e n5o de pouco, mas ao infinito." E Simplicio acrescenta: "Comeqo verdadeiramente a compreender que a logica, embora instru- mento poderosissimo para regular o nosso discurso, niio alcanga a agudeza da geome- tria quanto a preparar a mente para a in- venqiio" .
A terceira e a quarta jornadas siio de- dicadas a segunda nova citncia, isto 6, a di- dmica. Salviati 16 em latim um tratado so- bre o movimento que diz ter sido elaborado por seu amigo Acadtmio (ou seja, Galileu). E, i medida que Salviati li, os outros dois interlocutores, Sagredo e Simplicio, pouco a pouco viio pedindo esclarecimentos e os recebendo. Mais especificamente, na tercei- ra jornada S~O demonstradas as leis classi- cas sobre o movimento uniforme, sobre o movimento naturalmente acelerado ou re- tardado.
Galileu parte de defini~6es "concebi- das e admitidas em abstrato" dos movimen- tos e, depois, delas deduz rigorosamente as caracteristicas do movimento. Diante das objeqdes de Sagredo e Simplicio, segundo as quais siio necessarias experiincias para se ter confirmaqiio de que as leis dos movi- mentos correspondem a realidade, Galileu (pela boca de Salviati) narra a cilebre expe- ritncia dos planos inclinados, que C mais do que oportuno conhecer: "Em uma rCgua - ou, se quiserem, uma vigota - de madeira, com doze braqas de comprimento e com lar- gura de meia braqa por um lado e trts de- dos pelo outro, escavou-se nesta menor lar- gura uma canaleta pouco mais larga que um dedo. Estirava-se em linha reta, limpava-se e alisava-se, colocava-se dentro da canaleta
um pergaminho bem polido e lustrado e, depois, fazia-se descer por ela urna bola de bronze durissimo, bem arredondada e poli- da. Fazendo-se a regua ficar pendente, o que se conseguia elevando acima do plano hori- zontal urna de suas extremidadas, por urna ou duas braqas, a vontade, deixava-se en- tio, (como dizia), a bola descer pela cana- leta. Entio anotava-se, no mod0 que logo direi, o tempo que a bola levava para correr toda a canaleta, repetindo o mesmo ato muitas vezes para se assegurar bem da quan- tidade de tempo, no qual nunca se encon- trava diferenqa, nem mesmo da dCcima parte de urna batida de pulso. Feita e esta- belecida precisamente tal operaqio, fazia- mos descer a mesma bola somente pela quar- ta parte do comprimento dessa canaleta. E, medido o tempo de sua descida, desco- briamos sempre ser exatamente a metade do outro. Depois, fazendo as experiencias das outras partes, examinando ora o tempo de todo o comprimento com o tempo da me- tade, ora com o tempo de dois terqos, ora com o tempo de tres quartos, ou, em con- clusio, com qualquer outra divisio, por meio de experiencias repetidas por bem cem vezes, sempre concluiamos que os espaqos necessarios eram entre si como os quadra- dos dos tempos, e isso em todas as inclina- q6es do plano, isto 6, da canaleta por onde se fazia descer a bola. Observamos ainda que os tempos das descidas nas diversas in- clinaqoes mantinham tipicamente entre si aquela proporqio que mais adiante veremos ter sido assinalada e demonstrada pel0 au- tor. No que se refere medida do tempo, mantinha-se um grande vaso cheio de igua amarrado no alto, o qual, atravCs de um can0 muito fino, que Ihe estava soldado ao fundo, derramava um fino fio d'agua, que era recolhido por um pequeno cop0 duran- te todo o tempo ao longo do qual a bola descia pela canaleta e em suas partes; de- pois, as particulas de agua recolhidas de tal mod0 eram pesadas a cada vez com urna balanqa exatissima, dando-nos as diferen- qas e proporq6es dos pesos em relaqio as diferenqas e proporqoes dos tempos. E isso com tal exatidio que, como disse, tais ope- raq6es, repetidas muitas vezes, nunca dife- riam nem mesmo de um momento".
Como se v6, essa experiencia nio con- siste em urna observaqio isenta de teoria, a experiincia n5o t dada, mas constrdi-se, t feita. E C feita e construida porque a teoria o exige. A experiencia nio 6, antes de mais nada, pura e simples observaqio: a expe- ricncia C experimento. E o experimento se faz e se constroi. 0 "fato" do experimento i um dado so depois que foi feito. Assim, o experimento C perpassado pela teoria de cima abaixo. TambCm C notavel, nas discus- s6es da terceira jornada, o aparecimento, ainda em estado confuso, dos conceitos de infinito e infinitesimal. Esses conceitos ou, mais exatamente, o conceit0 de limite, sio essenciais para as ideias de velocidade ins- tantsnea e de aceleraqio. Hoje, para nos, as coisas sio simples. Mas Galileu nio conhe- cia o calculo (infinitesimal), que so seria des- coberto mais tarde por Newton e Leibniz (e ao qua1 Boaventura Cavalieri tanto desejou, em vio, que seu mestre Galileu se houvesse dedicado). De todo modo, Galileu fala de "infinitos graus de atraso".
E esta tambim C urna gloria que per- tence a ele.
Na quarta jornada se discute, com mui- ta amplitude e profundidade, a trajetoria dos projCteis (trajetoria que possui forma para- bolica). E essa anilise se fundamenta na lei da composiqio dos movimentos. 0s Discursos foram impressos na Ho- landa, aonde chegaram clandestinamente.
Eles representam a contribuiqio mais madura e original dada por Galileu a histo- ria das idCias cientificas.