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A neo-escolastica, a Universidade de Louvain, a Universidade Catolica de Mil50 e o pensamento de Jacques Maritain
Para Barth, qualquer pretenso conhecimento racional de Deus constitui uma "culpada arrogsncia religiosa". Entretanto, no mun- do cat6lico sustenta-se a teoria da analogia entis, isto 6, a idCia de que C possivel dizer algo de Deus, de sua existincia e de seus atributos partindo do ser das criaturas e, portanto, partindo do conhecimento e da linguagem do homem.
Mas Barth contesta essas teses. E na Dogmatica eclesial (que comega a ser pu- blicada em 1932), ele escreve que, "se n6s conhecemos Deus como Senhor (criador. reconciliador e redentor), niio C porque conhecemos outros senhores e senhorias. TambCm n50 C verdade que o nosso co- nhecimento de Deus como Senhor deve-se em parte a nosso conhecimento de outros senhores e senhorias, e em parte i revelagiio. Nosso conhecimento de Deus como Senhor deve-se total e exclusivamente a revelaqio de Deus". Conseqiientemente, niio analogia entis, e sim analogia fidei.
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Assim como Barth, Paul Tillich (1886- 1965) estava persuadido de que a teologia natural nio C viilida. Nas provas da exis- tcncia de Deus tenta-se derivar Deus do mundo, mas, escreve Tillich em Teologia sistematica (3 vols., 1951-1963), "se Deus deriva do mundo, nio pode ser aquele que o transcende infinitamente". Desde a Primeira Guerra Mundial (da qua1 participou como capeliio militar), Tillich rejeitou a imagem tradicional de Deus.
Mas, ent50, como dar nova express50 A mensagem cristi, expressiio adequada e compreensivel para o homem moderno? TambCm para Tillich a fC C dom de Deus. Entretanto, diferentemente de Barth, Tillich niio pensa que a fC seja obra exclusiva de Deus. Ao contr6ri0, ele afirma que ela nio C possivel sem a participag50 do homem. 0
Karl Barth (1 886-1 968) foi o maior teologo protestante do se'culo X X, e concebeu a fe' como o milagre da interuen&io vertical de Deus nu vida do homem.
homem C o sujeito da fe. A fC C uma "pos- sibilidade humana" .
A fC pressup6e que, consciente de sua propria misCria ontologica, o homem seja capaz de compreender "o significado do ultimo, do incondicionado, do supremo, do absoluto, do infinito". A fC, portanto, C a resposta de Deus a "pergunta de uma vida niio ambigua".
Entre o homem (ontologicamente miserivel e psicologicamente desesperado) que pede e Deus que d5, o que existe 6 uma correla@o (e nHo aquele abismo afirmado por Barth).
Rudolf B~ltmann: o . , metodo
Embora Bultmann (1 884-1976) se tenha impost0 no campo das ciincias reli- giosas como exegeta do Novo Testamento (Historia da tradigiio sinotica, 1921; 0 Evangelho de Joiio, 1941; 0 cristianismo primitivo no quadro das religibes antigas, 1949), ele deve sua notoriedade no campo filosofico-teologico a teoria da demitiza@o, com a publicaqiio, em 1941, do escrito: Novo Testamento e mitologia. 0 problema da demitiza@o da mensagem neotestamen-
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termo que o pensamento teold ico contempord- P neo deve a Rudol Bultmann, para o qua1 "mitica" 6 uma narragao de acontecimentos em que "intervem forgas ou pessoas sobrenaturais ou sobre-humanas". Ora, a mensagem crista 6, segundo Bultmann, mensagem sempre atual mas que tem necessidade de ser "demitizada", no sentido de que ela, para captar sua autenticidade, deve ser despojada das representaqdes mitologicas nas quais foi expressa na pregagao primitiva, e que chocam a mentalidade cientifica dos homens de nossos dias.
taria. Por "mito" Bultmann entende "a descriqiio do transcendente sob roupagem humana, das coisas divinas como se se tratasse de coisas humanas". Diz ele: "A re- present~@~ neotestamentaria do universo e' mitica. Considera-se o mundo articulado em tris planos. Ao centro encontra-se a terra, acima dela o cCu e abaixo dela os infernos. 0 cCu C a morada de Deus e das figuras celestes, os anjos; o mundo subterriineo t o inferno, o lugar dos tormentos. Mas nem por isso a terra 6 exclusivamente lugar do acontecimento natural-cotidiano, ou seja, das solicitudes e do trabalho, onde reinam a ordem e a norma: 6 tambCm o teatro de aqiio dos poderes sobrenaturais de Deus e seus anjos, de Satanis e seus dem6nios [...I3'. E, acrescenta Bultmann, tambCm "a representaqiio do acontecimento da salva- $50, que constitui o conteudo especifico do anuncio neotestamentario, C coerente com essa imagem mitica do mundo".
Diante desse dado de fato, Bultmann, distinguindo entre o conteudo essencial do Evangelho e a forma estrutural (mitica, me- tafisica, cientifica) que esse conte~do pode assumir, afirma que "a pregaqio crist5" niio pode pretender do homem modern0 que ele reconheqa como vilida uma imagem mitica do mundo. Por isso C precis0 demitizar. E demitizar significa "procurar descobrir o significado mais profundo que esti oculto sob as concepq6es mito16gicasYY.
E, escreveu Bultmann em Jesus Cristo e mitologia, de 1958, esse "significado mais profundo da prega@o de Jesus C o seguinte: estar aberto para o futuro de Deus, futuro que, para cada um de nos, C verdadeiramente iminente; estar preparado para receber esse futuro, que pode vir como ladr5o na noite, no momento em que menos o esperamos; manter-se pronto, porque esse futuro seri o juizo de todos os homens que estiio apegados ao mundo, que niio siio livres nem abertos para o futuro de Deus".
Dietrich Bonhoeffev e o I mundo r I said0 da "tutela de Deus"
Dietrich Bonhoeffer nasceu em Breslau em 1906 e foi morto pelos nazistas dia 9 de abril de 1945. com 39 anos. Siio famosas sua ~tica (1949) k as cartas da pris5o. publica- , A das pdstumimente com o tiiulo Resistincia
e submissiio, em 1951. Sua notoriedade cresceu de forma notivel no p6s-guerra.
Escreveu Bonhoeffer: "0 problema que jamais me deixa tranqiiilo C o de saber o que C verdadeiramente para nos, hoje, o cristianismo, ou at6 quem C Cristo". E isso constitui problema hoje porque o homem modern0 "aprendeu a enfrentar qualquer problema, at6 importante, sem recorrer A hipotese da existincia e da intervenqiio de Deus". 0 mundo C aut6nom0, e Deus niio C um ta a-buracos. 0 que importa, diz Bo- P nhoef er, C ver que C "o proprio Deus [que] nos ensina que nossa vida de homens deve prosseguir como se ele nfio existisse". 0 Deus que nos permite viver em urn mundo aut6nom0, "o Deus que nos faz viver num mundo sem a hipotese de trabalho 'Deus', C o Deus em cuja presenqa estamos a cada momento. Com Deus e na presenqa de Deus, nos vivemos sem Deus. Deus deixa- se expulsar do mundo: sobre a cruz, Deus C impotente e fraco no mundo, mas t assim e somente assim que ele permanece conosco e nos ajuda. Mateus 8,17 C clarissimo: Cristo niio ajuda em virtude de sua onipotincia, mas sim em virtude de sua fraqueza, de seu sofrimento - aqui est6 a diferenqa determinante em relaqiio a qualquer outra religiiio".
E, como Bonhoeffer deixa escrito em AnotagBes para urn livro, se o cristiio "encontra o Deus vivo participando dos sofrimentos de Deus na vida do mundo", "a Igreja s6 C verdadeiramente ela propria unicamente quando existe para a humanida- de [...I; a Igreja deveria tomar parte da vida social dos homens, niio para domina-los, e sim para ajudii-10s e servi-10s".
Dietrich Bonhoeffer nascett em 1906 e foi morto peh nazistas no dia 9 de abril de 1945; aqui C retratado no carcere de Tegel em 1944.
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,,, Karl Rahner e as"condi+es a Pri~ri"
Karl Rahner (nascido em Friburgo na Brisgovia em 1904 e morto em Innsbruck em 1984) C certamente o teologo catolico hoje mais conhecido. Para ele, a obra do teologo consiste na interpretagso da Re- velagao mediante conceitos filosoficos. E, embora aprecie as concepg6es e tentativas da filosofia moderna (que levam "a estruturar o proprio sistema de mod0 novo e original e a superar todo formalismo estereotipado e todo verbalismo"), ele assume como vilida para seu trabalho teologico a filosofia de santo Tomis, desenvolvendo-a, porCm, em sentido antropocintrico (diversamente da Escolastica).
Isso significa que Rahner, seguindo nesse ponto seu mestre Heidegger, prop6e os problemas filosoficos fundamentais nHo partindo do mundo, e sim partindo do homem. Rahner n5o parte do mundo (do movimento, do finalismo etc.) para chegar a Deus. A sua perspectiva, precisamente, nHo C cosmoc&ntrica, e sim antropochtrica.
Depois do assalto i possibilidade da metafisica desferido por Hume e Kant, a teologia nHo pode mais evitar o seguinte problema: como pode o homem ouvir Deus e como pode o homem captar a Revelagao?
SHo essas as interrogag6es que Rahner procura resolver em Espirito no mundo (1939) e Ouvintes da palavra (1941). Pois bem, para Rahner o homem C antes de mais
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nada "espirito". E o C porque o homem 6 o unico ente que se propde a quest50 do sen- tido do ser. Mas, propondo-se essa questso, o homem abre-se para o ser como para o horizonte de toda realidade possivel.
Ele C espirito que est6 essencialmente 2 escuta da possivel Revelag5o de Deus. Escreve Rahner em Ouvintes da palavra: "0 homem C espiritual, isto C, vive sua vida em continua tens50 na diregio do absoluto, em abertura para Deus". E isso n5o C um fato acidental, e sim "a condig50 que faz o homem ser aquilo que C e deve ser, estando presente tambCm nas agdes banais da vida cotidiana. Ele 15 homem so porque est6 a caminho rum0 a Deus". Desse modo, na concep~50 de Rahner, o homem se configura como "ouvinte da palavra": "Afirmamos agora ...I que o homem C pel0 menos o ser que tem o dever de ouvir uma revelagio desse Deus livre em palavra humana".
Nessas idCias encontra-se o nucleo da "metafisica transcendental" ou da "antro- pologia transcendental" de Rahner. Assim como Kant tomou a cicncia e procurou ver as condigdes a priori que a tornam possivel, da mesma forma Rahner quis explorar as condigdes a priori que tornam possivel a teologia, justamente interrogando-se sobre as condigdes da possibilidade da Revelag5o em geral.
Hans Mrs von Balthasar e a estktica teoIbgica
Von Balthasar (nascido em Lucerna em 1905 e morto em BasilCia em 1988) foi aluno de Erich Przywara, o cilebre jesuita autor de Analogia entis (1932). Em seu livro, Przywara faz ver por que a analogia entis constitui ponto bisico da teologia catolica. Diz ele que C em virtude da analogia entre os virios graus do ser que nos C possivel subir do mundo para Deus, ji que a razio pode falar de Deus analogicamente sem comprometer sua transcendencia (corno temia Barth). Foi com Przywara que von Balthasar aprendeu a conhecer o pensa- mento de santo Tom6s. Posteriormente, em Lyon, onde conheceu tambCm Paul Claudel, von Balthasar encontrou o padre Henri De Lubac, que o introduziu na Patristica e na historia da teologia. (0 padre De Lubac, que o teve como discipulo, considerou von Balthasar "o homem mais culto de nossa Cpoca".) Mais tarde, em BasilCia, ele tera freqiientes contatos com Barth, sobre o qual escreveria uma obra considerada muito penetrante pel0 pr6prio Barth.
Em 1952, von Balthasar publicou Der- rubar os bastiGes, onde sustenta que a Igreja deve sair do fechamento das muralhas que, h6 siculos, ela p6s entre si e o mundo, entre ela de um lado, e a cicncia e a cultura, do outro, entre os catolicos e os outros crist5os. E precisamente por isso ele afirma a urgcn- cia de se fazer teologia. A teologia n5o foi feita de uma vez por todas. Trata-se de uma atividade que nio deve cessar nunca.
Mas, para fazer teologia, ou seja, para falar da RevelagQo, C precis0 ter um ponto de vista. 0 passado nos mostra diferentes pon- tos de vista usados como instrumentos para aproximar-se da Escritura: a analogia entis, o principio antropologico, o principio de correlagio etc.; von Balthasar aprecia essas tentativas, mas, no entanto, sustenta estar de posse de um instrumento melhor, capaz de tornar a Revelagio acessivel e crivel para os homens de hoje: para ele, esse instrumento C o conceit0 transcendental de beleza.
Somente na experiincia estCtica C que o objeto nos aparece mais pr6ximo. Escreve von Balthasar em Gldria (Herrlichkeit), obra que, quando for concluida, constituir6 a sua Summa Theologica: "Na luminosa figura do belo, o ser do ente torna-se visivel como em nenhuma outra parte; por isso, em todo conhecimento e tendencia espiritual, deve estar presente um elemento estktico".
A beleza, como podemos ler ainda em Gldria, "C a ultima aventura na qual a razz0 raciocinante pode se arriscar, ja que a beleza nada mais faz do que circundar com um impalpavel esplendor a dupla fisionomia da verdade e da bondade, e sua indissoluvel reciprocidade". A beleza C o mod0 pel0 qual a bondade de Deus se transmite e pel0 qual se expressa a verdade que Deus transmite aos homens. Gldria C justamente a categoria estCtica adequada ao amor de Deus.
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