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entre aqio revolucion&-ia e experihcia mistica
e) as correntes culturais europCias, sempre mais contrarias ao dado revelado e a teologia cristii.
Duas enciclicas pontificias acompanha- ram o movimento neo-escol~stico: a Aeterni Patris de Leiio XI11 (1879), e a Pascendi de Pio X (1907). A enciclica leonina teve a fun- giio de reagir a atonia dos cat6licos diante do vivaz dinamismo laico (cientifico, cultural, industrial, imperialista) da Europa na segun- da metade do sCculo XIX. A enciclica Pas- cendi, ao invCs foi uma condenagiio drastica do movimento modernista, isto C, daquela "cultura" de cat6licos que pretendiam ado- tar as correntes de pensamento mais atuais a fim de criar uma nova teologia.
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Leiio XI11 sugerira que se buscasse a sabedoria de santo Tomis em suas proprias fontes, para evitar os repensamentos dos seguidores do Doutor AngClico, repensa- mentos nem sempre oportunos e nem sempre esclarecedores. E, por fim, o Papa alertava contra a excessiva sutileza dos fil6sofos es- colasticos e contra todas as teorias medievais que fossem claramente superadas.
Pio X, ao contririo, viu no modernis- mo a sintese de todas as heresias e tentou cortar a "erva daninha" pela raiz. Desse modo, favoreceu indubitavelmente o movi- mento neo-escol~stico, mas tornou dificil o dialogo com a cultura contempor2nea.
Pio XI1 (cujo pontificado foi de 1939 a 1958) considerava que a si filosofia, se- gundo a experiencia de muitos sCculos, se identificaria com o pensamento de santo Tomis, rico de mCtodo eficaz, bem funda- mentado e bem harmonizado com os dados da Revelagiio divina. Pio XI1 expressou a mais profunda motivagiio de seu chamado a sii filosofia quando acrescentou que seu dever "tambCm era o de vigiar sobre as proprias ciencias filos6ficas, para que aos dogmas cat6licos niio advenha algum dano de opini6es incorretas".
CJ CoviciIio Vaticano JJ e o Pbs-concilio
0 Concilio Vaticano I1 (1962-1965) nio enfrentou diretamente o problema de uma filosofia inspirada no cristianismo, mas ofereceu aos pensadores cristiios de todo o mundo novos espagos de pesquisa e dialogo, favorecendo uma atitude de grande atengiio ao pensamento contem- porheo, juntamente com a fidelidade essencial a mensagem revelada. 0s fiCis siio contemporaneamente convidados a entrar em dialogo com as diversas formas de cultura, porque a Igreja t chamada a estabelecer relagio fecunda com as dife- rentes culturas, para difundir e explicar a mensagem cristii.
Depois do Concilio, temos um famo- so discurso de Joio Paulo I1 por ocasiiio do centenario da enciclica Aeterni Patris (1979), que reafirma a preferencia da Igreja cat6lica pelo tomismo. Entretanto, afirma ele que o pensamento tomista nio compromete "a justa pluralidade das cul- turas", precisamente porque C a filosofia do ser, estando, portanto, aberta para toda a realidade, sem redugijes, sem unila- teralidade, sem possibilidade de absolutizar elementos relativos. Na linha do Concilio, o Papa considera o tomismo como filosofia em dialogo com as correntes filos6ficas contemporgneas, "parceiras dignas de atengiio e respeito". Segundo Joiio Paulo 11, as filosofias contemporheas sio uteis para analisar o ser humano e seu lugar no mun- do: nesse sentido, siio "aliadas naturais" de uma metafisica medieval mais atenta a grande sistematica, caracterizada pela visio orginica de toda a experiencia. Para ele, o pr6prio santo Tom& representa um testemunho dessa abertura para todas as contribuig6es genuinas do pensamento, pois afirmou: "Ne respicias a quo sed quod dicitur", ou seja, "niio olhes para quem fala, mas sim para aquilo que diz".
em Louvain
0 sacerdote belga DCsirC Mercier (1851-1926) percebeu logo que a cultura eclesiastica, fragmentaria e por vezes ca6ti- ca, niio bastava para enfrentar a imperante filosofia positivista e o ainda influente sis- tema idealista; ao contririo, era precis0 opor sistema a sistema. Mercier encontrou nos primeiros neo-escolasticos italianos e alemiies a indicagiio justa para retomar um
sistema filosofico completo de inspiragiio cristii. Conseqiientemente, entregou-se com entusiasmo ao estudo do tomismo. Nesse meio tempo, Leiio XI11 chamou por algum tempo a Roma o jovem e promissor fil6sofo belga, apostando em sua cultura e em sua capacidade organizadora para defender o neotomismo. Depois, voltando a BClgica, Mercier conseguiu implantar na Universidade de Louvain a mais flores- cente escola europCia de neo-escolistica. Em 1894 fundou tambtm a "Revue Nto- scolastique de Philosophie". E formou numerosos alunos, capazes de suceder-lhe no ensino junto ao lnstitut Supe'rieur de Philosophie (D. Nys, M. de Wulf, L. de Raeymaeker e outros). Outro prestigioso pensador neo-escolastico foi Joseph Ma- rtchal (1878-1944), que, em 0 ponto de partida da metafisica (5 vols., 1926), pro- curou superar a posigiio kantiana atravis de urna critica que nasce do interior das proprias concepq6es de Kant. 0 nucleo central do pensamento de Mercier foi a criteriologia: esse foi o nome dado por Mercier a gnosiologia. E Crite- riologia geral (1899) foi sua maior obra, na qual t forte o confront0 com a filosofia moderna, sobretudo com Kant. 0 fil6sofo belga considera que o problema da verdade constitui a quest50 mais candente da pes- quisa filos6fica e que, portanto, C preciso absolutamente encontrar o crite'rio para distinguir a verdade do erro. Com efeito, o que importa C "investigar se o espirito humano C capaz de verdade". A verdade, de qualquer modo, reside no juizo, isto 6, em ver "a identidade entre o sujeito e o predicado de um juizo, entre um sujeito atualmente apreendido e um dado abstrato jii conhecido antes". A verdade, portanto, devia ser conside- rada como a relaqiio entre os dois termos do juizo. Mas, nesse ponto, surgia forgosamen- te urna pergunta: quem nos garante que os termos do juizo estiio em correspondikcia adequada com as coisas? A resposta de Mercier t a seguinte: "0 objeto das formas inteligiveis esta contido nas formas sensiveis, das quais em principio ele foi tirado e as quais 6 presentemente aplicado pel0 ato do juizo. Ora, o objeto das formas sensiveis t dotado de real'idade. Assim, as formas inte- ligiveis tambCm siio realidades objetivas". Em suma, a experisncia dos fatos sensiveis, quando repetida, ou seja, quando verificada, nos permite alcangar a forma inteligivel das coisas e nos di suficiente garantia de objeti- vidade. Desse modo, Mercier professava o realism0 gnosiol6gic0, a teoria da abstragiio, o mCtodo da indugiio. Assim, ele se colocou no extremo oposto a Descartes e de grande parte do pensamento moderno, centrado na analise do sujeito cognoscente. E consi- derava estar dando um s6lido fundamento as ciincias experimentais, libertando-as da incerta gnosiologia positivista. Com efeito, segundo Mercier, os positivistas eram maus defensores da citncia, porque restringiam todo nosso conhecimento unicamente h experiencia sensivel e, assim, podiam no miximo garantir certezas simples - corno, com efeito, siio todas as experiencias sensi- veis - e niio conceitos universais e teorias gerais. Diante dessas verdades de ordem real, Mercier analisa tambim as proposig6es de ordem ideal. E, nesse ponto, ele se mostra alinhado com o pensamento contemporineo mais avangado. As proposigBes de ordem ideal siio juizos analiticos; nelas existe iden- tidade entre sujeito e predicado, no sentido de que hi "pertenga objetiva do predicado ao sujeito".
Contra Kant, Mercier mostra que os juizos matemiticos siio juizos analiticos (que, portm, ampliam nosso conhecimento). E afirma tambtm que as assertivas metafi- sicas, como o principio de causalidade, siio assertivas analiticas. Quando estabelecemos o principio pel0 qual "a existtncia do que C contingente exige urna causa", somos forga- dos h concordbncia, ja que nesse principio existe identidade entre sujeito e objeto (com efeito, "contingente" t o que exige urna causa, raziio por que o principio torna-se o seguinte: "o que exige urna causa, exige urna causa").
Com base nesses fundamentos gnosio- logicos, Mercier desenvolveu as outras teses tipicas da neo-escolhstica, como a distingiio entre mattria e forma e entre potencia e ato; a alma como forma do corpo; as provas da existfncia de Deus extraidas do movimento, da sQie de causas etc. Entretanto, o fil6sofo belga perguntava-se, n5o retoricamente: "Para quem queremos filosofar, se niio para os homens do nosso tempo? E com que objetivo filosofamos sen50 para propor urna solug50 para as duvidas que assaltam nossos contemporineos ? " A filosofia to- mista, portanto, niio deve ser considerada como dissecagiio hist6rica de pensamentos mortos. A filosofia tomista C urna filosofia viva e valida, ainda que, para Mercier, o sistema tomista niio devesse ser visto como irreformavel.
In\ neo-escolbstica na Universidade
Um dos centros de estudos neo-esco- liisticos mais importantes na Europa C o da Universidade Catolica do Sagrado Coragso em Miliio. 0 franciscano Agostinho Ge- melli (1878-1959), embora sendo mCdico e depois psicologo de grande prestigio mas nHo propriamente um filosofo, p6s as con- di~6es para criar uma escola filos6fica de alto nivel, fundando em 1909 a "Revista de filosofia neo-escoliistica" e instituindo, em 1921, a Universidade Cat6lica do Sagrado Coraqso. 0 verdadeiro te6rico da neo-esco- liistica milanesa foi monsenhor Francisco Olgiati (1886-1962), a quem logo se juntou Amato Masnovo (1880-1955). Seguiram-se filosofos agudos e mestres eficazes como G. Zamboni, U. A. Padovani, G. Bontadini, S. Vanni Rovighi e outros ainda.
De mod0 particular, deve-se dizer que devemos a Vanni Rovighi toda uma sCrie de estudos historicos (muito apreciados e de alto nivel) sobre o pensamento medieval, sobre a filosofia moderna e contemporihea (basta recordar aqui seus trabalhos sobre Husserl) e sobre a historia do problema gno- siologico (Gnosiologia, 1963). Tambtm n5o devemos esquecer que sobre os penetrantes escritos teoricos de Bontadini (Ensaio de urna metafisica da experitncia, 1938; Da problematiza@o a metafisica, 1952; Con- versag6es sobre metafisica, 2 vols.,, 1971) foram formados numerosos discipulos, alguns dos quais, como E. Severino (que propBe uma volta integral a Parmtnides), tomaram caminhos em que o mestre n5o se reconhece mais; enquanto outros, como Evandro Agazzi, deram contributos a filo- sofia da ci2ncia e sobre problemas da mais ampla filosofia te6rica.
Frontispicio do prirneiro nurrtero (1 3 de janeiro de 1909) da "Revista de filosofia neo-escolastica " 0 teorico da neo-escolasticu rnilanesa foi I;. Olgiati, ao qua1 se miram A. Masnovo, G. Zarnhoni, U. A. Padovani, G. Bontadini, S. Vanni Rovighi.
II. 8 pe~same~to de 3acques Mavitain e a neo-escoI6stira ma FvanGa
Jacques Maritain (1882-1973) e o filbsofo franc& mais conhecido entre os que repropbem o tomismo como filosofia em grau de enfrentar e resolver problemas de nosso tempo. A obra tebrica principal de Maritain 4 Distinguir para unir: os
I. Maritain: graus do saber (1932). Distinguir para unir: e isso por meio da lei
o ser
da analogia, que e lei da semelhan~a entre os diversosseres e que e analogico + 3 7.7.-7.1.2 nos permite nao naufragar na ilimitada variedade das realidades do universo, e ao mesmo tempo nao pretende unificar todas as coisas em urna totalidade indistinta e enganosa. Sobre a base de tais pressupostos aristotelico-tomistas, Maritain deu contri- buigbes de relevo sobre tr4s problem4ticas do mais amplo interesse: a pedagogia, a arte e a politica. fduca~ao na encruzilhada e de 1943. A arte da educaslo - es- creve Maritain - deveria ser comparada A da medicina: "uma ars A educagao cooperativa naturae, urna arte ministerial, urna arte a serviqo da deve ser uma natureza. E assim e para a educag8oM. E ele salienta que se a obra ars cooperativa de guia intelectual do mestre constitui um fator dinamico da edu- naturae -+ s 1.3 ca@o, todavia "o agente principal, o fator dindmico primordial, a forga propulsora primeira na educagao e o principio vital imanente no proprio sujeito a educar". Contrdrio 8 assim chamada educa@o pela palmatbria, Maritain tambem foi contrhrio a toda forma de permissivismo (a autoridade moral e a guia positiva do mestre "sao indispensaveis"). A arte se enraiza no intelecto Em dmbito estetico, sao dois os trabalhos mais significativos de Maritain: Arte e escolastica (1920) e A intuiqao criativa na arte e na poesia (1953). + 5 1.4 A arte, para Maritain, enraiza-se no intelecto. Por tras dos fenbmenos artisticos e da poesia ha urna razao intuitiva, criativa, animada pela imaginasao e que mergulha suas raizes nos niveis inconscientes e pre-conscientes da alma. A ideia de urna sociedade nova, animada e motivada por principios cristaos, e na qua1 simultaneamente as instituiqtjes leigas mant@m sua autonomia, e a proposta etico-politica que Maritain adianta naquele que, sem duvida, 6
Para "uma
cidade leiga em urna sociedade seu livro mais conhecido: Humanism0 integral (1936). A ideia que ele delineia e a de "cidade leiga em mod0 vital crista", ou de "Estado leigo constituido de mod0 cristao", ou seja, cristii ,, de "um Estado no qua1 o profano e o temporal tenham plena- + § 1.5 mente sua tarefa e sua dignidade de fim e de agente principal, mas nao de fim ultimo e de agente principal mais elevado".
Adversario de qualquerforma de totalitarismo, Maritain era da opiniao que nio ha poder sem responsabilidade, isto 6, todos os poderes devem prestar contas do que fizeram. E salientou que "em democracia, o uso dos meios incompativeis com a justi- sa e com a liberdade deveria, por isso mesmo, ser urna operas30 de autodestruiqao". E. Gilson: o valor do tomismo + § 2 Historiador valorizado e interprete arguto do pensamento tomista foi Etienne Gilson (1884-1978), autor de A filosofia na Ida- de Media desde as origens ate o fim do sCculo XIV (1 922), mas cuja obra mais conhecida e 0 espirito da filosofia medieval (1932). Ele, especialmente, salientou a distinsao entre esshcia e existhcia, considerando-a o nucleo mais significativo do tomismo.
$\ grade escolha: viver segundo a verdade
0s jovens noivos Raissa e Jacques Ma- ritain viveram um momento tragic0 de luta espiritual. Insatisfeitos com a cultura oficial parisiense, tornados de angustia metafisica, dispostos a aceitar uma vida dolorosa, mas niio uma vida absurda, decidiram-se por uma opqiio radical.
Conta Raissa: "Durante uma tarde de veriio estivamos passeando, Jacques e eu, no Jardim Botbico, nome pleonastico de lugares solitarios e fascinantes [. ..I. Havia- mos acabado de nos dizer naquele dia que, se a nossa natureza era tiio desgraqada a ponto de possuir somente uma pseudo-in- teligEncia, capaz de alcanqar tudo, menos a verdade, se, julgando-se a si mesma, devia humilhar-se at6 esse ponto, entiio nio po- diamos pensar nem agir dignamente [...I. Antes de deixar o Jardim Bothico, tomamos uma decisiio solene que nos devolveu a paz: niio queriamos aceitar nenhuma mhscara e nenhuma manobra dos grandes homens, adormecidos em sua falsa seguranqa [...I. Decidimos, portanto, depositar confianqa no inc6gnito ainda por algum tempo; es- tivamos por dar crkdito 21 existencia [...I. E se aquela experiencia niio tivesse Exito, a soluqiio teria sido o suicidio: o suicidio, antes que os anos houvessem acumulado seu po, antes que nossas jovens forqas se houvessem consumido. Se niio fosse possivel viver conforme a verdade, queriamos morrer com uma rejei~iio livre".
0eixo central do pensamento de ~aritain:"distinguir para univ"
0 epis6dio do Jardim Botbico de Pa- ris mostra a sinceridade extrema com que Jacques Maritain (1882-1973) enfrentou os problemas filos6ficos7 a desilusiio pro- vocada pelas proposiq6es especulativas dos positivistas, o inicio daquele caminho de conversiio em que Bergson e Lion Bloy tiveram papel tiio importante.
Maritain C o filosofo franc& mais co- nhecido entre os que reprop6em o tomismo para resolver os problemas caracteristicos de nosso tempo. 0 lema que sintetiza seu pensamento C "distinguir para unir" (sua obra principal intitula-se precisamente Distinguir para unir: os graus do saber, 1932), porque o ser abrange toda a realidade, mas C anal6gico e, portanto, permite a unidade do todo jun- tamente com a distinqiio das partes.
A analogia C a lei da semelhanqa entre os diversos seres, lei que permite niio nau- fragar diante da ilimitada variedade presente no universo e, por outro lado, nio pretende unificar todas as coisas em uma unidade indistinta e enganosa.
Em outras palavras, a analogia permi- tiria 5 raziio a suprema empresa de falar de toda a realidade, ji que todos os seres siio semelhantes, mas, por outro lado, niio per- mite 5 raziio confundir as naturezas diversas das coisas, porque todos os seres tambim siio dessemelhantes. A analogia, portanto, C
aquele mod0 de julgar a realidade que vi nos seres aspectos iguais e aspectos diversos.
Para Maritain, conhecer niio t perma- necer aprisionado dentro do espetaculo de sua propria conscihcia, e sim urna presenqa originiria do ente ("conhecer t tornar-se outro diferente de si mesmo", intencio- nalmente): no conhecimento, a coisa esta imediatamente presente para o sujeito cog- noscente. E esta presente niio em adequaqiio absoluta, mas sempre sob algum aspecto. N6s nio conhecemos urna representaqiio da coisa e sim "a propria coisa", mas "captada sob esta ou aquela determinaqiio dela".
Aconcepc60daeduca~~io e seus fundamewtos
Inspirando-se nessa antiga ontologia aristotClico-tomista, Maritain apresenta estudos notaveis sobre tris temas caracte- risticos de nossa cultura: a pedagogia (Edu- ca@o na encruzilhada, 1943), a arte (Arte e escolastica, 1920; A intui@o criativa na arte e na poesia, 1953), a politica (Humanismo
integral, 1936). Para Maritain, a educaqio C urna sabedoria pritica, que tende a formaqiio da pessoa. A educaqiio t urna arte ministerial que serve a natureza humana, para tornh-la mais livre. A educaqio procura alcanqar a plenitude pessoal e social, sendo, portanto, forma@o para a vida democratica. 0s meios da educa~io niio siio a violin- cia e a imposiqio, mas os valores humanistas e cientificos e, sobretudo, a aq3o moral do proprio educador, que coopera com o edu- cando: cooperaqiio que C possivel porque, mais urna vez, encontramos semelhanqa de natureza entre o educador e o educando. Escreve Maritain: "A arte da educacio deveria mais ser comparada com a arte da medicina. A medicina lida com o ser vivo, com o organism0 que possui vitalidade interna e principio interno de saude [...I. Em outros termos: a medicina C ars coope- rativa naturae, urna arte ministerial, arte a serviqo da natureza. E o mesmo se di com a educaciio > [...I." L A
Disso, continua Maritain, deriva "que a atividade natural da intelighcia daquele aue a~rende e a obra de mia " intelectual daquele que ensina constituem ambos fa- tores diniimicos da educaqiio, mas o agente principal, o fator diniimico primordial ou a forqa propulsora primeira, na educaqiio, C o principio vifal imanente ao proprio sujeito a educar". E essa a raziio por que Maritain t inimigo declarado da chamada educa@o com a balmatdria: "Continua sendo ver- dadeird que a palmat6ria e o chicote siio pissimos instrumentos de educaqio".
Entretanto. ele tambtm reieita toda forma de permissivismo, afirmando que o educador "6 causa eficiente e agente real - ainda que somente auxiliar e colaborador da natureza -. causa aue verdadeiramente transmite, e cujo dinamismo, autoridade moral e guia positiva GO indispensaveis". Essencialmente, Maritain quer que o fruto da educaqiio seja o homem "que existe de bom grado", por se sentir respeitado em sua personalidade, reconhecer-se inserido na comunidade humana sem ser esmagado, e poder expressar seu proprio desejo de verdade e sua propria tendincia para o bem. ,:2m
Aconcep+o da arte
No que se refere 2 arte, o pensamento estttico de Maritain torna-se relevante quan- do se op6e as estiticas romhticas.
Segundo,Maritain, a arte esti radicada no intelecto. E por isso que a arte moderna tenta libertar-se inutilmente da raziio. Como quer que seja, a raziio que preside a arte niio C a raziio logica e discursiva, e sim a raziio intuitiva, animada pela imaginaqiio, vitalizada por fatores inconscientes e prC- conscientes da alma. Hi raziio e raziio. E o poeta se qualifica pela raziio criativa, que se assenhoreia de todos os tesouros da terra para alimentar a centelha de sua propria inspiraqiio.
Entretanto, para realizar seu objeto de arte, o artista devera recorrer 2 raziio conceitual e discursiva, mas essa raz5o tera funqiio secundaria e instrumental.
Dando agora uma olhada as concep- qdes politicas de Maritain, podemos ver que, em Humanismo integral, ele distingue Igreja e Estado como duas instituig6es de fins diversos, aut6nomas em seu proprio campo e inconfundiveis em sua natureza.
Na ldade Media, tambtm as institui- qdes tinham carater sacro. Hoje, isso nHo C mais possivel. Desse modo, C necessario pensar uma nova civilizaqiio, um humanis- mo integral, no qual a inspiraqiio cristii seja fator motivador e animador, mas onde as instituiqdes leigas mantenham toda a sua autonomia propria.
Mais uma vez, encontramos aqui a unidade de duas realidades, Igreja e Estado, cooperando pela comunidade humana, mas em distinqiio muito clara das instituiqdes. Apenas Deus constitui a fonte da soberania. Ele investe primeiro o povo, de mod0 que o Estado C instrumento nas miios do povo para a realizaqiio dos fins sociais. A Igreja aprecia esses fins sociais e os serve, mas a seu modo.
E assim se precisa a idtia de "cidade leiga vitalmente cristii", ou de "Estado leigo cristiimente constituido", isto 6, de um "Es- tad0 no qual o profano e o temporal tenham plenamente sua funqiio e sua dignidade de fim e de agente principal, mas niio de fim ultimo e de agente principal mais elevado".
Maritain considerava que a democracia devia rejeitar os maquiavelismos e propor a quest20 moral: "No process0 de racio- nalizaqiio moral da vida politica, os meios devem ser necessariamente morais. Para a democracia, o fim C tanto a justi~a como a liberdade. Na democracia, o uso de meios incompativeis com a justiqa e a liberdade seria por isso mesmo uma operaqiio de autodestruiqiio". E, conseqiientemente, a justiqa e o respeito aos valores morais niio siio indicadores de fraqueza. A forqa niio C forte se for elevada a regra unica da exis- tSncia politica: "Na realidade, a forqa so C decididamente forte se a norma suprema for a justiga, n5o a forqa". E o mal, a longo prazo, 6 incapaz de alcanqar Sxito.
Segundo Maritain, a derrota das potik- cias totalitarias na Segunda Guerra Mundial constitui o testemunho de que "o poder das naq6es que combatem pela liberdade tambCm pode ser maior do que o poder das naqdes que combatem pela servidgo". Maritain acreditava profundamente na ne- cessidade de valores morais para sustentar o Estado e, precisamente por isso, niio queria que o Estado fosse considerado soberano. E nem mesmo o povo deve ser visto como soberano: "Deus C a fonte verdadeira da autoridade de que o povo reveste homens e 6rgiios, mas estes niio sHo vighrios de Deus. Eles siio vigarios do povo; por isso, niio podem ser separados do povo por nenhuma qualidade essencial superior". 0 filosofo franc& era inimigo dos po- deres absolutos e dos poderes supremos. To- dos os poderes devem prestar contas de suas aq6es: niio ha poder sem responsabilidade. Ha uma lei natural, niio escrita, que todos devem respeitar. Pertence a lei natural "o direito do homem a existcncia, a liberdade pessoal e a obtenqiio da perfeigiio da vida moral". 0s valores morais niio dependem da hegemonia de um homem ou de uma classe, mas, ao contrhrio, julgam as aqdes de cada homem ou classe.
pov qMe n2io se pode
~tienne Gilson (1884-1978) foi apre- ciado historiador da filosofia medieval e intkrprete agudo do pensamento tomista. Sua obra mais conhecida C 0 espirito da filosofia medieval (1932), mas tambCm foi muito valorizada A filosofia na Idade Me'dia, das origens ate' o fim do se'culo XIV (primeira ediqiio, 1922; segunda ediqiio muito ampliada, 1945). Siio muito aprecia- dos tambCm os estudos gilsonianos sobre
Abelardo, Dante, siio Boaventura e outros. Gilson chegou 5 especulagiio filosofica partindo de estudos de historia moderna, j6 que a anilise do pensamento cartesiano levou-o a se interessar pelas fontes medie- vais da filosofia moderna; por fim, chegando as teorias escolisticas, achou que o sistema tomista, mais que todos os outros, merecia atengiio e adesiio.
Segundo Gilson, santo Tomas descobriu a chave metafisica decisiva, desconhecida para Arist6teles: a distingiio entre essincia e exist8ncia. Arist6teles distinguiu potincia e ato no devir, e matCria e forma no ser, mas niio chegou a distinguir ess8ncia e exist8ncia. A isso chegou Tomiis, porque a Revelagiio de um Deus criador permitiu-lhe pensar a natureza das coisas 2 espera de se tornarem existentes. Em outros termos, enquanto a filosofia grega vi em Deus aquele que d6 for- ma a materia, Tom& vi em Deus o criador, que niio C simplesmente urna essincia, um aliquid, mas o esse visto como actus essen- di. A distingiio entre essincia e existincia constitui o iimago de urna visiio de mundo dualista, perfeitamente harmoniziivel com as verdades cristiis. A essincia C simplesmente a natureza de cada coisa, mas C como que inerte e vazia sem a intervengio do actus essendi, isto C, a existincia entendida como concretizagiio da essincia. Gilson escreve em A filosofia da Idade Me'dia: "Todo ser C algo que 6. E qualquer seja a natureza ou essincia da coisa considerada, ela jamais inclui sua existincia. Um homem, um cavalo ou urna irvore siio seres reais, isto C, subst2ncias; nenhum deles C a pr6pria existincia, mas apenas um homem que existe, um cavalo que existe ou urna arvore que existe. Assim, pode-se dizer que a essincia de todo ser real C distinta de sua existincia. E, a menos que suponhamos que aquilo que niio existe por si mesmo possa dar a existincia a si mes- mo, o que C absurdo, deve-se admitir que tudo aquilo cuja existincia C diversa de sua natureza recebe de outro sua existincia". Partindo dessa teoria e seguindo santo Tomiis, Gilson chega A existincia de Deus. Corn efeito, todas as coisas que tim essincia distinta da existincia exigem urna Causa Primeira que exista em si mesma, isto 6, um Ser cuja essincia e existincia sejam urna s6 coisa: "0 que existe por meio de outro niio pode ter outra causa primeira seniio o que existe por si mesmo [...I. E esse ser que nos chamamos Deus".
Arsim como (I mdicinci, Q educa~80 6 uma ars coop6rativa naturacr;
"Fl palmattiria e o chicote s8o pQssi- mos instrumentos de educaq30 [...I, e uma educagdo que considera o mestre como o agente principal pewerte a propria natureza do tarefa educativa ".
A arte da educasdo deveria ser [...I com- parada B do medlclna. A mdlclna trata da um ser vlvo, com um organrsmo que possul v~tah- dade int~ma e um prlnciplo lnter~or de saOde. 0 mbd~co exerce uma causahdade real na cura de seu doente, 6 verdade, mas de certa manetra part~cular, ou sap, ~mltando os camlnhos da pr6prra natureza em sua manelra da operar, e qudando a naturem, prescrevendo uma dleta e rembdros aproprmdos de que a pr6prra natu- reza se sewlra, conforme seu propno dlnam~smo em agdo para o equdibr~o b~olog~co. Em outras palavras, a rned~clna b ars cooperatlva naturoe, uma arte mln~sterlal, uma arte a serv~go do natu- reza. E asslm b a educagdo. Esta verdade tam ~mpllca~des que vdo muto longe.
Contrarlamante a tudo o que acredltava Platdo, o conhec~mento ndo exlste de uma vez por todas nas almas humanas. Mas o prlnciplo vtal e atwo do conhec~mento ex~ste em cada um de n6s. 0 poder int~mo da v~sdo do lntehg8n- cia, que naturalmente e desde o prlmelro micro percebe, dentro e atravbs da exper18ncla dos sent~dos, as prlmelras nogdes de qua depande todo conhecrmento, 6 justamente por rsso capaz de proceder daqu~lo que jd conhece para aqu~lo que amda ndo conhece. Um exemplo d~sso n6s o temos em Pascal que dascobre, sem o auxiho da qualquer mestre e em wrtude de seu propno g6n10, as pr~meiras 32 proposrgdes do prlmelro hvro de Eucl~des. Este prlncip~o vtal Interno 8 aqu~lo que o educador deve respettar aclma de qualquer outra colsa. [.. .]
N6s, professores e educadores, podemos alguma vez consolar-nos de nossos lnsucessos - pensando que eles sejam dev~dos a culpa do agente pr~nclpal, do prlnciplo Interno no estu- dante - mas do que de nossas 1nsuhc18nclas. Corno desculpa, 6 ds vezes vdida. Mas, deixan- do de lado esta espbcie de consolagdo para os educadores, as consideragdes simplicissimas que expus, ou agora parafraseando Tornds de Rquino, sdo, a meu ver, importantissimas para a filosofia do educagdo. Penso que elas iluminam todo o conflito que opde os mbtodos de educagbo corn a palmat6ria e os mbtodos progressivos atuais que insistem sobre a liber- dade e a vitalidada natural intern0 da crianga, a sobre elas se concentram. R educagdo com a palmatbria b positi- vamente md. Se, por amor de paradoxo, eu tivesse 0190 a dizsr em sua defesa, observaria apenas qus ela foi capaz, de fato, de produzir algumas personalidades fortes, pois 6 dificil matar o principio de espontaneidade interior nos criaturas vivas, e porque ate principio se desenvolve ocasionalmente da forma rnais po- derosa quando reage e alguma vez se revolta contra a obrigagdo, o mado e as punisdes, mais do que quando cada coisa Ihe 6 tornada Mcil, doce e 6gil e psicotecnicamante acomodada. < bastante astranho qus nos possamos perguntar se uma educa~do que se dobra completamente b soberania do criansa, e qua suprime todo obstaculo a superar, ndo obtenha o resultado de tornar os estudantes ao mesmo tempo in- diferentes e demasiado doceis, e demasiado passivamente permedveis a qualquer coisa dita pel0 mestre. De todo mod0 continua sempre verdadeiro que a palmatbia e o chicote sdo pbssimos instrumentos de educa~do, e que uma educa@3o que considera o mestre como o agente principal perverte a pr6pria natureza da tarefa educativa. 0 mbrito real das concepgdes da peda- gogia modarna depois de Pestalozzi, Rousseau e Kant foi a redescoberta desta verdade fun- damental ds que o agente principal s o fator dinamico principal ndo b a arte do mestre, mas o principio intimo de atividade, o dinamismo intimo da natureza e da manta. Se tivbssemos tempo, poderiamos demonstrar a este prop6sito que a pesquisa de novos mbtodos e de uma nova inspiragdo, sobre a qua1 insistem tanto a educagdo progressiva e aquilo que na Europa se chama de "escola ativa", deveria ser ava- liada, encorajada e ampliada, com a condigdo de que a ducagdo progressiva renuncie a seus preconceitos de um racionalismo ultrapassado e b sua filosofia ut6pica da vida, e ndo esquqa que tambbm o mestre 8 uma causa eficiente e um agente real - embora apenas auxiliar e cooperodor da natureza -, uma causa que verdadeiramente d6, e cujo dinamismo, autori- dade moral e guia positiva sdo indispensaveis. Se esse aspecto complemantar 6 esquecido,
as melhores tentativas saidas do culto e da vaneragdo da liberdade da crianga se perderdo no areia. A liberdade da crianGa ndo 6 a espon- taneidade da natureza animal, qua desde a origem move-se diretamente ao longo do trilho fixado pelo instinto (ao menos 6 desse modo que habitualmente representamos o instinto animal, coisa que implica carta simplificagdo, pois o instinto animal comporta um primeiro period0 de fixagdo progressiva). Fl liberda- de da crianga 6 a espontaneidade de uma natureza humana e rational, e essa espon- taneidade, amplamente indetsrminodo, tsm seu principio intimo de dstermina<do Final apanas na razdo, que ainda ndo se desen- volveu na crianga. A liberdade plhstica e sugestionhvel da crianga & danificada e clispersa a0 amso se ndo for ajudada a guiada. Umo educagdo que desse 6 crianga a responsabilidade de adquirir nog6as a respeito daquilo que eta ndo sabe que ignora, uma educa~do que se contenta de olhar o clesenvolvimento dos instintos da crianga, e que Faga do mestre um complacente e sup&rfluo assistente, seria tdo-somente a bancarrota da sducac;do e da responsab~l~dade dos adultos em relagdo a juventuds. 0 dlre~to da crlanga de ser educada requer que o educador tenha sobre SI a autorldade moral, e esta autor~dade ndo 6 mas aue o dever do adulto nara com a liberdade da' crianga.
J. Moritain, R educa@o no encruzilhoda.