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Henri Bergson e a evolugiio criadora
cepgiio dos fenbmenos" (Uma defesa para as desculpas, 1956).
filosofia de Oxford
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Ao lado dos nomes de Ryle e Austin, tambCm destacam-se em Oxford os nomes de P. F. Strawson, A. J. Ayer, S. Hampshire, H. L. A. Hart, S. E. Toulmin, R. M. Hare, I. Berlin, D. Pears, A. Montefiore, P. Nowell- Smith e G. J. Warnock. Devido B diversidade de formagiio desses pensadores, e B diferenqa de seus iimbitos de investigagiio, tambtm aqui 6 dificil, se n5o impossivel, dizer o que C comum a todos eles. Mas, seja como for, a atengiio ii linguagem comum C mais ou menos constante na filosofia de Oxford. R. M. Hare, A. Montefiore, H. L. A. Hart, P. Nowell-Smith, G. J. Warnock e, pelo menos em grande parte, o proprio S. E. Toulmin, interessaram-se sobretudo (mas n2o exclu- sivamente) pelo problema Ctico, ou seja, a analise da linguagem moral e, de quando em vez, pela linguagem juridica e politica.
No livro Pensamento e a@o (1960), S. Hampshire indagou a quest20 da liberdade humana e de sua relag50 com o conhecimen- to, tema ao qual voltou em 1965 com o livro Liberdade do individuo. Hampshire repele decididamente a idCia cristalizada de que quanto mais conhecemos os mecanismos da mente humana, mais se restringe a Area da deck20 livre; na opiniiio de Hampshire, ocorre o contrario, ou seja, quanto mais conhego minha mente, mais estou em condi- @es de agir de mod0 livre e consciente. em nivel introdutorio, a natureza da propria logica formal".
Seu livro mais conhecido, de 1959, 6 Individuos. Ensaio de metafisica descritiva, onde. Dor "metafisica descritiva". Strawson
2 L
entende exatamente a descriqio dos concei- tos de fundo com os quais nos relacionamos com a realidade. Essa metafisica descritiva deve-se distinguir da metafisica revisionis- ta, preocupada em mudar as estruturas de leitura do mundo. 0 livro Individuos esti dividido em duas partes. "A primeira parte procura estabelecer a posigiio central que os corpos materiais e as pessoas ocupam entre os particulares em geral. Mostra-se que, em nosso esquema intelectual, assim como ele 6, os particulares dessas duas categorias sio particulares basicos ou fundamentais, que os conceitos de outros tipos de parti- culares devem ser secundirios em relaciio aos conceitos delas. Na segunda parte'do livro, o objetivo C o de estabelecer e explicar a conexio entre a ideia de um particular em geral e a de um objeto de referencia ou sujeito logico". Em suma, para Strawson, o conceito de pessoa C conceito primitivo. Ele esth persuadido de que a concepqiio comum ignora a noggo cartesiana de esta- dos de conscihcia estritamente privados. E isso porque admite "um tip0 de entidade em que tanto os predicados que atribuem estados de conscihcia como os predicados que atribuem caracteristicas morais, uma situa~Ho fisica etc., s2o aplicaveis a todo individuo desse tipo".
S. +lampshire e A. 3. A-yer: um desacordo sobve 4 voka a Kant
P. F. Strawson e a wetafisica descritiva
Peter F. Strawson C hoje uma figura de primeiro plano entre os fil6sofos de Oxford. Sua Introdu@o a teoria 16gica C de 1952, trabalho com o qual se propunha os seguintes objetivos complementares: "0 primeiro C o de destacar alguns pontos de contraste e de contato entre o comporta- mento das palavras na linguagem comum e o comportamento dos simbolos em um sistema logico; o segundo C o de esclarecer,
Como se ve, a metafisica descritiva de Strawson C uma volta a Kant, realizada por via linguistics: com efeito, o a priori de Kant C projetado nas estruturas lingiiisticas em Strawson. Nessa quest50 Hampshire esta muito proximo de Strawson. E a propbsito ele escreve que, "como mostraram Kant e Wittgenstein [...I, C precis0 que comecemos da situaqao real humana que condiciona todo nosso pensamento e linguagem". E isso porque, na opiniio dele, "sob todas as gra- maticas particulares das diversas linguas, hi uma gramatica mais profunda, que reflete os aspectos universais da experigncia humana.
A tarefa que nos espera como filosofos C a de penetrar nessa gramatica mais profunda". Mas esse "projeto" de Hampshire niio parece ter a concordincia de A. J. Ayer, autor daquele que foi um verdadeiro classico do neopositivismo na Inglaterra, isto C, Lingua- gem, verdade e ldgica (1936). Profundamen- te interessado pelos problemas do conhe- cimento por ele analisados na e atravCs da linguagem, Ayer escreveu que "hi um perigo em seguir Kant: C o perigo de sucumbir a um tip0 de antropologia aprioristica e presumir que certas caracteristicas fundamentais do sistema conceitual proprio a nos siio neces- sidades de linguagem, que C o equivalente modern0 da necessidade de pensamento".
EWaiswan~: a filosofia n60 ter arenas
No espirito do convencionalismo lin- guistic~ tambCm se situa o pensamento de F. Waismann, sempre elegante e agudo em seus limpidos escritos. Waismann iniciou seu tra- balho em filosofia como assistente de Schlick e, portanto, como neopositivista. Mas desde o inicio ele se aproximou das perspectivas de Wittgenstein, como testemunham o ensaio sobre a probabilidade publicado em "Erkenntnis" em 1930 e sua Introdu- @o ao pensamento matematico, de 1936, onde rejeita decididamente a idCia de que a matematica possa se "basear na logican. Waismann afirma que "a matematica niio se baseia em nada": "N6s podemos descrever a matematica, isto C, indicar suas regras, mas nHo base;-la em algo. Ademais, o mCtodo de basear uma idCia sobre outra n5o pode bastar para nos, o que deriva desta simples consideraqiio: em algum ponto ele tem de acabar, remetendo-nos a alguma idCia que, por seu turno, n5o pode se basear em nada. A iiltima base C constituida unicamente ~ela postulaqiio. Tudo aquilo que tem o aspect0 de uma fundamenta@o ji contCm algo de falso, o que niio pode satisfazer".
Esse convencionalismo permeia toda a produqiio filosofica de Waismann. Aqui, basta recordar seu ensaio Verificabilidade, no qua1 Waismann sustenta que uma expe- ritncia "fala por" ou "fala contra", "mais fortemente", "corrobora" ou "enfraquece" uma proposiqiio, mas nunca a confirma ou niio a confirma. Analogamente, em sua inacabada sCrie de artigos sobre "Analytic- Synthetic", publicada em "Analysis" (1949- 1952), Waismann se op6e 5 tendtncia "dos fil6sofos da linguagem comum" a acentuar as "regras" e a "correqiio". Ele tenta elimi- nar as barreiras que separam tipos de pro- posiq6es: a corregiio, escreve ele, C o ultimo refugio daqueles que niio t2m nada a dizer.
E C precisamente por isso que Wais- mann niio quer atribuir 5 filosofia uma funqiio puramente teraptutica, vendo muito mais nela um elemento criativo, que a leva a destruir as ferrugens linguisticas que nos paralisam. "A filosofia - escreve Waismann - C visiio. 0 caracteristico da filosofia C a pene- traqiio na crosta enrijecida constituida pela tradiqiio e pela convenqiio, rompendo as amarras que nos vinculam a herangas ante- riores. de mod0 a alcancar um mod0 novo e mais poderoso de ver as coisas".
III. filosofia analitica e a "redescoberta"do sig nificado
da Iing~agem metafisica
Na atmosfera liberalizada a partir das cerradas criticas ao principio de verifi- ca@o (por meio do qua1 os neopositivistas vienenses haviam rejeitado como cumulo de nao-sensos qualquer metafisica), a partir da introduqio do principio de uso do "segundo" Wittgenstein, a partir do mesmo criterio popperiano de fasificabilidade (que e um criterio de demarcaqao entre ciencia A "redescoberta" empirica e nao-cihcia, e nao um criterio de significdncia, arbitro da metafisica do senso ou nao-senso das proposiqbes), e na convicqao de que +§ a filosofia n%o pode ser apenas terapia, mas que ela, em suas expressaes maiores e, para dizer com Waismann, visa0 - em tal atmosfera e a luz desta convic@o em Oxford desapareceu a angustia em relaqao 8 metafisica.
Portanto, e um nao senso afirmar que a metafisica e um nao senso; a metafisica e uma vido que nos permite ver a realidade o papel de mod0 novo; e visa0 e, portanto "paradoxo", enquanto deve da metafisica romper com os esquemas conceituais velhos; algumas metafisicas + § 3 podem gerar hip6teses cientificas: "aquilo que comeqa como me- tafisica pode terminar como cihcia" (P. F. Strawson); no mais das vezes as teorias metafisicas desenvolvem funq6es morais, politicas, de substituiqao ou negaqao ou apoio de fes religiosas.
procuraram resolver
Pesquisas especificas foram realizadas pelos filosofos analiticos n5o s6 sobre a lin- guagem comum, mas tambCm, por exemplo, sobre a linguagem politica, a e'tica, a histo- riografica, a juridica e a religiosa. - 0 que C tipico de uma norma Ctica? Como a linguagem da Ctica se distingue da das cihcias empiricas? Como as normas Cticas "se fundamentam"? - 0 historiador, quando escreve sobre historia, constroi uma cihcia como a fisi- ca, ou a historia 6 uma ciencia sui generis? Que tip0 de explicagao C uma explicagso historica? Qual C a fung5o das leis gerais na historiografia? 0 que C que transforma um fato qualquer em um fato historico? - Qual significado tEm termos da lin- guagem religiosa que niio podem se referir a experihcias observiiveis? Que tipos de critC- rios C possivel exibir para a aceitagio de uma fC religiosa? Como C possivel falar de Deus?
Estes s5o problemas (alguns "classi- cos") que os filosofos da linguagem procu- raram e procuram resolver.
Nova atitude em reIaG&o h metafisica
Mas, em todo caso, 6 de grande im- portincia ver como na filosofia analitica tenha mudado a atitude iconocliistica que os neopositivistas tinham assumido em re- laggo 2 linguagem metafisica. Com efeito, os filosofos do Wiener Kreis, equipados com o principio de verificaq50, sustentaram que os discursos metafisicos s5o discursos privados de significado pr6prio porque nio verifica- veis e, portanto, n50 redutiveis A linguagem "coisal" das cicncias fisico-naturalistas. 0 principio de verificag50, porCm, deve ter tido vida dura: 1) em primeiro lugar tal principio pa- rece autocontraditorio; 2) em segundo lugar, nio C precis0 saber muito para compreender que ele, en- quanto tribunal de iiltima instincia, era
criptometafisico: quer-se jogar xadrez com as regras do rugbi; 3) e alCm disso ele - doente de finitismo e indutivismo - nio se mostrou capaz de satis- fazer as leis universais das ciincias empiricas. E foi assim que todas estas criticas le- varam de um lado a proposta, por parte de Popper, do critCrio de falsificabilidade como critCrio de demarcaqiio (e nio de sig- nificiincia, como era, ao contrario, o prin- cipio de verificaqiio) entre teorias empiricas ou cientificas e teorias n2o empiricas mas que todavia tim seu sentido, e do outro a introduqio, por parte de Wittgenstein, do principio de uso.
Pois bem, na atmosfera liberalizada pel0 critkrio de falsificabilidade e pel0 prin- cipio de uso, na filosofia de lingua inglesa desapareceu a angustia neopositivista em relagiio a metafisica. Sem duvida, as asser- ~des metafisicas niio do nem tautoldgicas nem falsifichveis, mas niio estiio privadas de sentido. TambCm elas tim um uso, ou melhor, usos que C precis0 individuar e niio tanto condenar.
sobre a metafisica
Em sintese, os seguintes pontos repre- sentam os resultados mais significativos que, a partir da filosofia analitica, foram obtidos na refle$io sobre a metafisica. 1) E um n5o senso afirmar que a meta- fisica C um n3o senso. 2) A "ciiibra mental" na reflex50 sobre a metafisica aparece quando pretendemos que a metafisica seja "informativa" da mes- ma forma que as ciincias empiricas. 3) A metafisica C um new way of seeing, um blick (o termo foi cunhado por Hare e corresponde, grosso modo, a "perspectiva"), uma visio que nos permite olhar o universo inteiro como se este se encontrasse em sua primeira manhii. Junto com o Wittgenstein das Pesquisas poderemos repetir ao metafi- sico: "Descobriste, antes de tudo, um novo mod0 de conceber as coisas. Como se tivesses encontrado um novo mod0 de pintar; ou entio um novo metro, ou um novo ginero de canqdes". 4) A metafisica C visio e, portanto, paradoxo. 0s paradoxos, ou seja, as asser- q6es metafisicas, siio terremotos de nosso establishment lingiiistico-conceitual. As metafisicas proibem a esclerose do pensa- mento. 5) As funqdes realizadas pelas metafisicas sio tarefas morais, politicas, de asseguraqiio psicologica, de apoio ou de substituiqiio dos fins da religiiio. 6) As metafisicas podem desenvolver a importante funqio de gerar hipoteses cienti- ficas. S2o questoes cientificamente insoluveis que pdem, todavia, na maioria das vezes, problemas que encontram depois uma so- luqiio. De fato, disse Strawson, "aquilo que comeqa como metafisica pode acabar como ciincia". E isso porque "uma reconstruqio filos6fica sistemiitica de conceitos e de for- mas de linguagem pode por vezes ter uma aplicaqiio em ramos de conhecimento dife- rentes da filosofia". E nio diversamente de Strawson pensa, a proposito de tal questiio, K. R. Popper, para o qual "a maior parte dos sistemas metafisicos pode ser reformulada de mod0 tal a se tornarem problemas de mCtodo cientifico". A metafisica, portanto, pode ser a aurora da cihcia. Descartes gerou Newton, Hegel alguns historiadores, e Marx muita sociologia e muita historiografia. 7) Se a metafisica C visiio, ou seja, "um mod0 de ordenar ou de organizar o conjunto das idCias com as quais lemos o mundo, entiio, se niio somos reformadores metafisicos, uma tarefa util C a de penetrar naquela gramiitica mais profunda que reflete os pressupostos de todo nosso pensamento e experiincia". E com isso estamos naquela que Strawson chamou de metafisica descri- tiva e da qual nos ofereceu um ensaio em Individuos. 8) A metafisica niio C um conjunto de proposiqdes ligadas aos dois extremos da eternidade. As metafisicas, em outras pa- lavras, nio devem ser vistas como animais empalhados, mas dinamicamente, como outros organismos que nascem, crescem, proliferam e morrem.
0 o qua comep como metafisica podo torminar como ci8ncia
IdCios que perrnonecsrorn, por perfo- dos rnois ou rnenos longos, ernpiricornente incontroldveis - e, portonto, metoffsicas - sucessivornente se tornorom, corn o cresci- rnanto do sober de fundo, teorios ciantfficos; o exernplo cl6ssico & o do otornisrno ontigo. Urn0 concep@o andlogo 2, qus Strowson de- fsnde oqui pode ser sncontrado tornbhrn ern pansodores corno Popper s em ndo poucos historiodorss do ci&ncia.
0 que dizer do aspecto imaginativo da filosofia? Obviamente nsm a habilidade no uso das t6cnicas para a constrqbo dos sistemas nsm o olho arguto para os fatos linguisticos & de auxilio direto para a tarsfa sxplicotivo. Mas, quando nos voltamos para o aspecto inventivo ou construtivo - tambhm se poderia dizer o as- pacto metafisico - a coisa mostra-se diferente. Aquele qua constroi um sistema, guiado por ideais de eleg6ncia e exatiddo quase mate- m6tica, fornece-nos os modelos dos modos segundo os quais poderiamos ter pensado e falado, caso tiv6ssernos sido criaturas menos complexas e menos diferentes do qua somos. Ao assirn proceder, corno j6 disse, ele pode lanpr muita luz, tanto direta como indireta, sobre os aspectos fundamentais dos rnodos corn que nos de fato pensamos e falamos. E isso nbo & tudo. Uma reconstru@o sistem6tica dos concbitos a das formas linguisticas, rea- lizada pelo filosofo, por vezss pode ter urna aplica(do em ramos do conhecimento diversos do Filosofia. Pode fornecer instrumentos ljteis e tambQm indispensaveis para o progress0 da ,matem6tica e das ci&ncias a ela ligadas. E nessa atividade de novo h6 uma concorddncia com as espacula(;des inventivas da metafisica mais tradicional. 0 qua comep como rnetafisica pode tarminar como cibncia.
P. F. Strawson, Construg60 s anblise, om W.RA., R revirovo/to lingui'stico em filosofia.
0 metafisico "re-projeta todo o mapa do pensamento"
R rnetafisico Q urn ernpre,sndirnento teorico em que ss tsnto re-ordsnor ou re- organimr o conjunto dos idhios por rnsio das quois pensornos e larnos o rnunclo e a realidode.
0 empreendimento metafisico emerge, principalmente, como tentativa de re-ordenar ou de re-organizar o conjunto das idhias com as quais pensamos o mundo; assimilando uma b outra coisas qua em geral distinguimos, distinguindo outras delas qus, ao contr6ri0, normalmente assamelhamos, promovendo cer- tas iddias a posi~dqs-chave, e degradando ou eliminando outras. E sm primeiro lugar um tipo de revisbo conceitual que o rnetafisico empreen- da, um re-projetar o rnapa do pensamento - ou parte dele - em novo plano. Naturalmente, tais revis6es sbo frequentemente empreendidas dentro ds setores particularss do pensamento humano e, entbo, ndo sdo empreendimentos metafisicos. Mas a rsvisdo qua o metafisico empreende, por mais que possa ser ernpreendi- da nos interesses - ou nos supostos interesses - da cigncia, ou 6 luz do historia, ou por causa de urna crenp moral qualquer, d sempre da ordem diferente de uma revisbo puramente satorial. Com efeito, entre os conceitos qua ele manipula h6 sempre alguns - como conheci- rnento, existbncia, identidade, realidade - que, como disse Rristoteles, sd0 comuns a todas as disciplinas setoriais. Em parte por esta razbo, a revisbo metafisica volta-se para a globalida- de, re-sistematiza tudo [...I. 0 metafisico por excellence [...I com mais ou menos temeridade, ingenuidade e imaginqdo, re-projeta todo o rnapa [do pansamento].
H. P. Grics, D. F. Psars. P. F. Stra~uson. Metaphysics, sm W.AR.. The Nature of Metaphysics.
''4 urn nonsense dizer que a metafisica ccirece de sentido"
F) corocteristico mois essenciol do meto- Fisico Q que a filosofia & visdo. "Todo gronde fil6sofo 6 guiodo palo sentido do visdo: sern ele ningudm brio podido dar novo diregdo oo pansomento humano ou obrirjonslos para o oindo-n8o-visto".
Perguntar: "Qual& o vosso objetivo em fi- losofia?" e responder: "Mostrar a rnosca o cami- nho de saida da garrafa", 0.. . bem, por respeito, vou calar aquilo qua astava para dizer. Exceto isto: existe algo de profundamente excitante em torno da filosofia, e esse fato permanece incom- preensivel de urn ponto de vista tBo negativo. Ndo 0 uma quastdo de "esclarecirnento dos pen- samentos", nem de "uso correto do linguagem", nern de qualquar outra dessas malditas coisas. 0 que &, entbo? I7 filosofia 0 muitas coisas, e ndo h6 formula capaz de comprwnd6-las todas. Todavia, caso se pep para exprimir em urna so palavra qua1 6 sua caracteristica mais essencial, eu diria sem hesita@o: a visdo. No Fundo de toda filosofia digna desta norne existe a visdo, e & dai que @la brota e toma sua forrna visivel. Quando dig0 "visdo", 0 exatamente isso que entendo: ndo quero fazer-me de romdntico. 0 que & caracteristico da filosofia 6 a penetra@o naquela crosta esclerosada que 0 constituida pela tradi~do e pela conveqdo, rompendo aqueles lqos que nos vinculam a preconceitos herdados, de mod0 a chegar a um mod0 novo e mais poderoso de ver as coisas. Sempre se teve a sensac;Bo de que a filosofia devesse revelar-nos aquilo que est6 escondido. (E eu de fato ndo sou insensivel aos psrigos da urna con- cepq3o desse tipo). Todavia, de Platdo a Moore e Uittgenstein, todo grande filosofo foi guiado por um sentido da visdo: sem ele ningu0m teria podido dar uma nova dirqdo ao pensamento humano ou abrir janslas para o ainda-ndo-visto. [. . .] 0 quo 6 decisivo & urn novo modo de ver e, em concomitdncia com isso, a vontada de transformar todo o cenario intelectual. Este 0 o elemento essencial e qualquer outra coisa sst6 subordinada a isso [...I.
Vamos dar um 6nico exemplo de visBo em filosofia. Uittgenstein viu um grande err0 ds seu tempo. Sustentava-se entdo por muitissi- rnos filosofos que a natureza de coisas corno a esperanGa e o temor, ou corno o entendimento, o significado e a compreensdo, pudesse ser descoberta por meio da introspec<Bo, an- quanto outros, especialrnente os psicologos, procuraram chegar a uma resposta por meio do experimento, tendo apenas nogdes obscuras a respeito do significado de seus resultados. Uittgenstein rnudou todo o modo ds enfrentar a questdo, dizendo: aquilo que estas palavras significam revela-sa pelo modo corn que sdo usadas; a natureza do compreender se revela na gram6tica. e ndo no experimento. Esto foi antdo uma autantica revela<do e veio-lhe, pelo que me Iembro, de improviso. A concep@o aqui sustentada 0 que no centro vivo de toda filosofia ha uma visdo e que ela deveria ser julgada consequ~nt~ment~. As qusstdes realrnente importantes que devem ser discutidas na historia da filosofia nBo sdo se Ceibniz ou Kant fossem coerentes, corno Gram, ern seus raciocinios, mas rnuito mais o que se esconda por tr6s dos sisternas que construirarn. E aqui desejo terrninar, dizendo a190 sobre a metafisica. € carente de sentido dizer qua a meta- fisica 6 carente de sentido. Dizendo isto ndo se reconhece o imenso papsl desenvolvido, ao menos no passado, por aqueles sisternas. for que sejam assirn, por que elas tenharn tal influ6ncia sobre a rnente humana, ndo tentarei sequer discutir sobre isso. 0s rnetafisicos, corno os artistas, sdo as antenas de seu tempo: t&rn o faro para farejar por qua1 caminho o espirito se move. (Sobre esta assunto ha uma poasia de Rilke). H6 alga de visiodrio nos grandes meta- fisicos, corno se tivessern o poder de ver al0m dos horizontes de seu tempo. Tornemos, por exemplo, a obra de Descartes. Que ela tenha dado origern a infinitas cavila@es metafisicas, 6 sern dOvida urna coisa que depde em ssu desfavor. Todavia, quando se d6 mais atenc;do ao espirito do qua bs palavras, astou rnuito inclinado a dizer que nela h6 certa grandsza, um aspect0 profbtico da compreensibilidade da natureza, uma corajosa antecipa$do daquilo que muito mais tards foi adquirido pela ci6ncia. 0s verdadeiros sucessorss de Descartes forom aqueles que traduziram o espirito daquela filo- sofia nos fatos, ndo Spinoza ou Malebronche, mas Newton e os fautores da descrigZlo mate- m6tica da natureza.
ESPIRITUALISMO, NOVAS TEOLOGIAS
"0 presente e o futuro, a experikncia e a esperanCa se contradizem na escatologia crists, que na"o leva o homem a resignar-se e pbr-se em acordo com a realidade dada, mas o envolve no conflito entre esperanCa e experikncia.
Jiirgen Moltmann
"Nosso passado inteiro nos segue em cada mo- mento [...I; o que ouvimos, pensamos e quisemos desde a primeira infincia esta la, inclinado sobre o presente, que esta para'absorver em si, premente a potfa da conscikncia".
Henri Bergson
e"Cristo niio auxilia em vitfude de sua onipotkncia, mas em virtude de sua fraqueza, de seu sofrimento: aqui reside a diferen~a determinante em rela~8o a
5qualquer outra religiiio ". Dietrich Bonhoefer
Capitulo dkcimo oitavo
0 espiritualismo como fenGmeno europeu
335
Capitulo dkcimo nono
Henri Bergson e a evoluqio criadora
347
Capitulo vigksimo
A renova@o do pensamento teologico no skculo XX 363
Capitulo vigksimo primeiro
A neo-escolastica, a Universidade de Louvain, a Universidade Catolica de Milio e o pensamento de Jacques Maritain
385
I. O espirifLtaIismo: g&ese, caracferisticas e expoentes
rea+o ao "red~cionismo" positivista
Entre o siculo XIX e o siculo XX ocor- reu na Europa uma reaqiio ao positivismo que teve em suas primeiras fileiras toda uma gama de pensadores que podem muito bem ser reunidos sob o nome de espiritualistas. Em primeiro lugar, deve-se dizer logo que a preocupaqiio mais premente do espiritua- lismo, em suas varias manifesta@es, C a de estabelecer a irredutibilidade do homem 2i natureza, contrariamente ao positivismo. Esse programa voltou-se para a iden- tifica@o de grupos de acontecimentos (va- lores estiticos, valores morais, liberdade da pessoa, finalismo da natureza, transcendin- cia de Deus) que constituem o "mundo do espirito" e para a elaboraqiio de caminhos ou procedimentos tipicos para indagar e falar sobre o mundo do espirito, caminhos ou procedimentos irredutiveis aos que s50 pr6prios das citncias da natureza.
Niio que o positivismo desleixasse os "fatos humanos"; pelo contrario. 0 que o positivismo fazia era reduzir os fatos huma- nos, todos os fatos humanos, ?i natureza. E quem deveria se ocupar da natureza humana e de seus produtos (juridicos, morais, econ8- micos, estiticos, religiosos etc.), com mitodo niio muito diferente do das citncias naturais, seria a sociologia ou a economia ou, por exemplo, a historiografia, entendidas como ciincias positivas.
Niio existe nada fora dos fatos - dos fatos positivos. E i precis0 encontrar as leis que determinam esses fatos positivos. Desse mod0 o positivismo, enquanto por um lado cancelava a pretensso da filosofia tradicional de se posicionar como conjunto de teorias precisamente filosbficas (ou metafisicas) n5o redutiveis as da citncia, teorias filosbficas
construtiveis e justificaveis com metodos diferentes dos da ciihcia, por outro lado negava precisamente esses "fatos" (como a liberdade da pessoa humana, a interioridade da conscigncia, a irredutibilidade dos valores a fatos ou A transcendhcia de Deus) que, para o espiritualismo, sio "fatos" t5o obs- tinadamente reais quanto os fatos naturais, "fatos" que 6 precis0 tratar por caminhos independentes dos fatos da ci2ncia.
As idkias b6sicas do espirituaIismo
Determinados esses dados, ja nio 6 dificil fixar alguns dos pilares em torno dos quais se articula o programa do espiritua- 1' 1smo. 1) A filosofia nio pode, de mod0 nenhum, ser absorvida pela ciCncia. Ela se distingue da ciencia pelos problemas de que trata, pelos resultados que obtCm e pelos procedimentos que adota. 2) Essa idCia de filosofia tem como pressuposto a constataqio da especificidade do homem em relaqio a toda a natureza: o homem C interioridade e liberdade, conscitn- cia e reflexzo. 3) Essa especificidade do homem exige instrumento de investigaqiio desconhecido aos positivistas, ou seja, ouvir as vozes da conscitncia ou, para falar com Plotino, "o retorno da alma para si mesma". 4) A realizaqio dos objetivos do es- piritualismo implica nio somente a critica ao cientificismo positivista, mas tambCm a investigaqio sobre a estrutura e os limites do saber cientifico propriamente dito. 5) Se o espiritualismo pode ser visto como reag5o ao positivismo, em nome de interesses morais e religiosos insubstituiveis, ele tambCm entra em confront0 com o idea- lismo romintico, que identifica o infinito com o finito: o espiritualismo enfatiza a transcendhcia do absoluto ou de Deus em relaq5o As conscihcias individuais. 6) Para o espiritualista, Deus tambCm 6 igualmente transcendente em relaqio A natureza, que C causalmente determinada, mas com base em designio finalista e provi- dencial superior. 7) 0 termo "espiritualismo" remonta a Cousin, mas - como foi bem ressaltado pelos estudiosos - a atitude propria da filosofia espiritualista C muito antiga: bas- ta pensar em Plotino, em Agostinho e na "verdade que habita na interioridade da alma", no "cogito" de Descartes, no "esprit de finesse" de Pascal, na "autoconsci~ncia" e na "consci&ncia" dos rominticos, ou na "experiincia interior" dos empiristas. 8) Deus enquanto espirito absoluto e o homem enquanto espirito finito s3o os polos de atrag50 da filosofia espiritualista. E o ho- mem C espirito, como escreve Louis Lavelle, ji que C a unica atividade que merece esse nome. Com efeito, enquanto toda outra atividade material C causada e sofrida, o homem C atividade causante e agente: "Nio apenas o espirito C aquilo que nunca C coisa ou objeto, existindo unicamente por forga do seu proprio exercicio, mas, alCm disso, sejam quais forem as condiq6es que supGe, ele C sempre livre iniciativa e primeiro co- mego de si mesmo. Ele se cria a partir de si mesmo em cada instante". E, produzindo-se a si mesmo, "produz tambim, nio as coisas, mas o sentido das coisas".
11. As diversas manifesta+es
0 representante mais conhecido do espiritualismo ingles 6 - alem do psicblogo James Ward (1843-1925)-Clement C. J. Webb (1865-1954), autor de Deus e personalidade (1919) e critico, em nome de um Deus-pessoa, do absoluto impessoal dos idealistas.
0s espiritualistas na lnglaterra +§ 1
Silo muitos os fildsofos espiritualistas na Alemanha: o filho de Fichte, Her- mann Fichte (1796-1879); Eduard von Hattmann (1842-1906, autor da Filosofia do inconsciente, 1869); Afri kan Spir (1 837-1 890); Rudolph Eucken (1 846-1 926, prbmio Nobel em 1908, autor de A validade da religii30~1901).
Em todo caso, o mais influente espiritualista alemilo foi Na Alemanha Rudolph Hermann Lotze (1817-1881), m6dico e professor de + § 2 filosofia primeiro em Gdttingen e depois em Berlim. Autor de uma Metafisica (1841) e de uma importante obra em tr& volumes com o titulo Microcosmo. Ideias sobre a historia natural e sobre a histdria da humanidade (1856-1864), Lotze aceita o mecanicismo; mas este ti urn fato que deve ser expli- cado; e sua explica~ao leva a concluir que "todo o ser nilo pode existir assim como 4, a nilo ser pelas raziies de que assim e nilo de outro mod0 nele se manifesta o valor eterno do bem".
Na Italia o espiritualismo encontra um expoente ilustre em um pensador, grande conhecedor da filosofia contempor8neal e homem de nobre coerencia moral: Pedro Martinetti (1 872- 1943), um dos pouquissimos profes- sores universitarios que souberam renunciar a dtedra em vez de Na ltdlia jurar fidelidade ao fascismo. Suas obras de relevo sBo: /ntroduga"o + 9 3 d metafisica (1 904); A liberdade (1 929); Razi3o e fe? (1 934); Jesus Cristo e o cristianismo (1 936). "A religiao, para Martinetti, e essencialmente mistica, e, quando tende a en- rijecer-se em f6rmulasl tem necessidade da filosofia para rejuvenescer, renovando seus simbolos" (V. Mathieu). 0 A serie dos espiritualistas franceses e cerrada e rica de valiosas ideias. Re- cordamos apenas Jules Lequier (1 814-1 862), Felix Ravaisson (1 81 3-1900), Boutroux (1845-1921) e Maurice Blondel (do qua1 falaremos a patte). cmile Boutroux quis defender o espiritualismo levando o ataque para dentro da pr6pria cibncia. Ele - em um trabalho destinado a grande notoriedade: Da con- tingkncia das leis da natureza (1874) - insiste sobre o fato de que a ci6ncia nos revela ordens de realidades irredutiveis; assim, Na Fran~ matCria, mundo orgbnico e homem silo ordens de realidade cada + 3 4 uma das quais nil0 6 explicavel com base na anterior, pelo fato de que cont4m elementos originais, novos e, portanto, contingentes. Contingentes no sentido de que nilo derivam necessariamente dos graus inferiores.
Desse mod0 Boutroux pode opor ao determinism0 seu contingentismo: ha um salto da ordem quimica para a biolbgica; e ha um salto da ordem bioldgica para a espiritual: "a vida espiritual4 irredutivel a vida organics, ao menos porque, na vida interior do homem, o motivo nilo 4 a causa necessitante".
E verdade o que Lavelle escreveu, isto 6, que "a filosofia francesa C, por excelhcia, urna filosofia da conscitncia". E tambCm 6 verdade que o espiritualismo alcanqaria seus resultados de maior relevQncia precisamente na Franqa (com Ravaisson, Boutroux, Blon- del e, sobretudo, com Bergson). Entretanto, niio podemos silenciar sobre um fato de notavel importhcia, ou seja, que o espiri- tualismo se configurou como grande fen6- meno europeu, envolvendo o pensamento inglts, alemiio e italiano, alCm do franc&. 0s representantes mais conhecidos do espiritualismo inglgs siio Arthur James Bal- four (1848-1930), Clement C. J. Webb (1865- 1954), o psicdogo James Ward (1843-1925) e Andrew Seth Pringle-Pattison (1 856-1931).
Este ultimo desenvolveu seu espiritua- lismo polemizando contra a abstraqiio logica hipostatizada que C a "conscitncia absoluta" dos neo-idealistas como Green ou Bradley.
Webb tambim criticou o absoluto impessoal dos idealistas e afirmou (em tra- balhos como 0s problemas da rela@o entre o homem e Deus, 1911, e Deus e' persona- lidade, 19 19) que somente um Deus-pessoa satisfaz as exigtncias mais profundas de experitncia religiosa autintica. E C por essa razio que Webb chega a definir a experitn- cia religiosa como a certeza de urna relaqiio pessoal com Deus.
James Ward (Naturalismo e agnosticis- mo, 1899; 0 reino dos fins ou pluralismo e teismo, 19 11) voltou-se, por sua vez, contra o naturalism0 e o agnosticismo. Ward vi? na natureza e na historia a aqiio de mul- tiplicidade de m6nadas, que, em diversos graus de desenvolvimento, tendem a auto- conservaqiio, avanqando finalisticamente na direqiio de urna coordenaqiio progressiva, que pressupije, como ja vira Leibniz, um teismo, ainda que, para Ward, esteja claro que a iinica prova da existsncia de Deus, como ocorria para Kant, baseia-se na vida moral e se resolve, portanto, no Qmbito da fC e niio no iimbito do saber.
Na Alemanha o espiritualismo encon- trou seus mais autorizados defensores em Immanuel Hermann Fichte (1796-1879; filho de Fichte; autor de muitos escritos, entre os quais urna Antropologia, 1856), Afrikan Spir (1 837-1 89O), Eduard von Har- tmann (1842-1906; autor da Filosofia do inconsciente, 1869), Rudolf Eucken (1 846- 1926; professor em Jena; primio Nobel em 1908; autor, entre outros livros, de A validade da religiiio, 1901, e 0 sentido e o valor da vida, 1908), e Rudolph Hermann Lotze (1817-1881; mCdico e professor de filosofia, primeiro em Gottingen e depois em Berlim; autor de urna Metafisica, 1841, e de urna obra mais importante, intitulada Microcosmo. Ide'ias sobre a histdria natural e sobre a histdria da humanidade, 3 vols., 1856-1858, 1864).
Para o Fichte junior, urna funqiio inadia- vel da filosofia est6 na defesa da concep@o finalists do mundo, o qual se lhe apresenta como "uma sCrie gradual de meios e fins". E essa ordem pressup6e um ordenador e criador do proprio mundo. Dai brota a idCia de Fichte de que a ciincia, "que, em si, niio 15 ateista nem antiteista", constitui "o mais solido ponto de apoio para urna concepqiio teista", ja que mostra claramente, em toda a natureza orgiinica e psiquica, "um finalismo interno e ordenaqiio total e completa".
Spir combateu com todas as forqas, de um lado, as filosofias materialistas e, do outro, as filosofias romiinticas que tendem a identificar o incondicionado com a natureza. Bem diferente das posiq6es de Spir revela-se a concepqiio filosofica de Eucken, embora tambCm ele parta daquele contraste entre espirito e natureza que se manifesta em nossa conscitncia. Com efeito, nossa vida, por um lado, p6e-se como continuagio da natureza sensivel, mas, por outro, prorrom- pe em atividades estiticas, Cticas e religiosas que testemunham um estatuto ontoldgico superior do homem em relaqiio a natureza.
Von Hartmann, por sua vez, apresenta o principio de sua filosofia como sintese do espirito absoluto de Hegel, da vonta- de de Schopenhauer e do inconsciente de Schelling. 0 principio do mundo C um abso- lute espiritual inconsciente que se manifesta no finalismo inconsciente da natureza, na organizagiio do mundo orgiinico, no ins- tinto etc.
Apesar do sucesso de Spir, Eucken e von Hartmann, o pensador mais articulado e influente entre os espiritualistas alemiies foi certamente Lotze, o qual niio pensa de mod0 nenhum que as aspira~6es da alma estejam em contraste com os resultados da citncia e
com a imagem mecanicista do mundo, que entiio a ciiincia pressupunha e reafirmava. 0 mecanicismo mostra que a natureza C regu- lada por leis necessarias, mas esse fato - o mecanicismo - C explicavel por seu turno, pois nHo se trata de fato ultimo: ele so se torna compreensivel como meio destinado a realizar valores. Em suma, a ordem da ma- quina demonstra um plano racional. Assim como o demonstraria urn mecanicismo em condiq6es de provar que toda a realidade se desenvolve em um process0 evolutivo que termina na vida espiritual do homem: este seria o fim, e a evoluqiio um meio. E desse mod0 que a materia se espiritualiza: trans- formando-se em meio para os valores. E, na realidade, Lotze distingue tres reinos: o dos fatos, o das leis universais e o dos valores. 0 mecanicismo expressa aquela ordem necessaria do mundo, atravks da qual Deus realiza os seus fins.
Na Italia, o espiritualismo se desenvol- veu em period0 cronologicamente posterior aquele em que se deu em outros paises, po- lemizando n5o somente com o positivismo, mas tambem tendo de se defrontar com o idealismo, que, entrementes, se impusera na Italia. Pedro Martinetti (1872-1943) foi estudioso dos classicos (Platiio, Spinoza, Kant, Schopenhauer) e profundo conhece- dor da filosofia alem5 contempor$nea, que ele difundiu na Itilia, e foi um exemplo de vida moral. Sua obra A liberdade C de 1929. Mas ja em 1904 ele publicara a Introdu@o a metafisica, onde, desde as primeiras paginas, afirma existirem problemas urgentes aos quais as citncias particulares n5o respon- dem, mas que esperam resposta racional: "0 que sou? 0 que C a realidade que me circunda? De que mod0 devo agir? [...I. 0 pr6prio fato de aceitar determinado sistema de vida C, de fato, aceitar determinada hi- p6tese acerca da realidade das coisas e do valor da vida humana7'.
Para Martinetti, a metafisica n5o se dis- tingue das outras ciiincias pel~ mhodo, e sim "pela universalidade da funqiio": ela tenta aquela unificaqiio total da experiencia "que, portm, por sua natureza, o intelecto nunca podera alcan~ar". Por isso, C necessario o exame gnosiologico das soluq6es hist6ricas propostas ao problema metafisico. E esse exame critic0 e hist6rico mostrari que todos os sistemas filosoficos, em seu conjunto, constituem uma progressiva ascens5o ao conhecimento do divino. Nesse sentido, a filosofia "niio C uma sCrie de soluq6es, mas uma soluq5o unica, uma visiio unica".
Entretanto, essa ascensiio em direqio 2 unidade encontra um obsticulo naquele mal, naquela "obscura e incriada potincia, inseparavel do mundo, que devemos vencer em n6s com a boa vontade e dissolver em torno de nos com a luz da verdade". Esse profundo dualism0 faz com que Martinet- ti sinta-se pr6ximo a Buda, a Kant (cujo pensamento culmina "em moral de cariiter religioso"), ou a Spir. Outras obras signifi- cativas de Martinetti, alCm das citadas, Go Raziio e fe' (1934) e Jesus Cristo e o cristia- nismo (1936).
Se o espiritualismo de Martinetti se aproxima do de Spir, o espiritualismo de Bernardino Varisco (1 850-1 935) revela-se pr6ximo a concepqiio de Lotze. Pantale50 Carabellese (1877-1948) foi aluno de Va- risco. A partir de aprofundado estudo de Kant, ele nega tanto o idealismo absoluto, que exclui a multiplicidade dos sujeitos e re- sume o ser na consciincia, como o realismo absoluto, que p6e o ser fora da conscihcia. A realidade, portanto, niio C constituida so- mente pelos corpos materiais (corno sustenta o materialismo), e tampouco se resume em puro sujeito (corno afirma o idealismo), nem ainda nela devemos ver aqueles dois mundos paralelos que seriam a natureza e o espirito (corno diz o realismo). Para Carabellese, a realidade i feita de concretos, e o concreto C a unidade entre sujeito e objeto.
Do inicio do sCculo XIX C a filosofia de Maine de Biran, pensador ao qual, em seguida, se referiram todos os filosofos que constituiriam a numerosa e viva fileira dos espiritualistas franceses. Entre eles, n5o devemos esquecer Jules Lequier (18 14- 1862), FClix Ravaisson (1813-1900), Emile Boutroux (1845-1921), e principalmente Maurice Blondel, que representa certa "va- riante" e que, portanto, trataremos a parte, no proximo paragrafo.
Discipulo de Ravaisson, cunhado e ami- go de PoincarC, professor na Ecole Normale
e na Sorbonne, mile Boutroux procura chegar ao espiritualismo transportando a critica para dentro da cihcia e voltando-se para as dificuldades, em sua opiniio evi- denciaveis, da cihcia contemporhea. Essa critica a cicncia constitui um elemento de novidade para o espiritualismo, novidade que, depois, Bergson desenvolveria ainda mais. Na obra Da contingBncia das leis da natureza (1874), Boutroux aceita a classi- ficagio das ciencias proposta por Comte, acrescentando-lhe apenas alguns retoques. Entretanto, insiste sobre o fato de que cada cihcia nos revela uma ordem da realidade irredutivel is outras ordens. Em outros termos, a matiria, o mundo orgiinico e o homem, por exemplo, s5o ordens de reali- dade de tal tip0 que cada uma delas n5o C explicavel com base na anterior, pel0 fato de que contCm elementos originais, novos e, portanto, contingentes: contingentes no sentido de que niio derivam necessariamente dos graus inferiores.
Existe um salto da ordem quimica para a ordem biologica, assim como ha um salto da ordem biol6gica para a ordem espiritual. Boutroux op6e ao determinismo seu contin- gentismo. 0 determinismo afirma que "tudo o que acontece C um efeito proporcional a causa", mas Boutroux sustenta que ordens de realidade inferiores niio podem produzir as ordens superiores: com efeito, por lado, "as leis da fisiologia se apresentam um [. . .] irredutiveis" (is da fisica e da quimica) e, por outro lado, "a vida espiritual C irreduti- vel a vida orgiinica, ainda que pel0 simples fato de que, na vida interior do homem, o motivo nHo C a causa necessitante". 0 efeito, portanto, nio C proporcional a causa: nele hi "algo mais", de novo e imprevisivel. Ele C, portanto, contingente. A vida espiritual nio se reduz h ordem material das coisas, como tambtm revela a originariedade da vida moral, que se baseia no dever-ser e no ideal. E a cihcia nio pode incomodar em nada a fC religiosa, ja que "a religiio tem objeto diferente do da cihcia". A religiio nio pretende ser "a explicagio dos fen6menos7' e, por isso, "n5o pode sen- tir-se atingida pelas descobertas cientificas relativas a natureza e 2 origem objetiva das coisas".
III. Maurice Blondel
A filosofia da aslo e uma filosofia com resultados religiosos. 0 mais famoso representante da filosofia da aqlo e Maurice Blondel (1861-1949), cuja obra mais incisiva 4 A a@o. Ensaio de urna critica da vida e de uma ciencia da pratica (1893).
Escreve Blondel: "A aqlo, em minha vida, e um fato, o mais geral e constante de todos". A experitincia humana, em outros termos, nlo se caracteriza pela razlo, e sim muito mais pela ,@todo da jmanPncja aqlo. E na aslo o homem expressa o mais profundo de si: sua de Blondel: vontade. reconhecer Mas sempre, na propria experi@ncia, o homem percebe a desproporqlo entre a propria vontade e a obra. Assim, por exemplo, primeiro entregamo-nos as sensaqbes; estas, porem, slo interpretadas e enquadradas em generalidades empiricas; mas estas generalidades empiricas - que constituem a ciencia - nlo conseguem dar ao intelecto e a vontade a paz cheia da certeza na natureza finita do h~mem a exig@ncia de Deus _ e do pleno sucesso pratico. Nlo ha paz sequer na ciencia. Nem a ciencia esta em grau de resolver o enigma do destino humano; a ciencia, alem de tudo, estO suspensa ao elemento subjetivo que "cria o mundo e os simbolos da imaginaslo".
Se depois do universo do conhecimento nos deslocamos para o universo da familia e do social, ou seja, o universo dos valores, percebemos que o desacordo entre ser e dever-ser, entre vontade que quer e realizaqdes, mais se acentua do que se extingue: o lano do finito nao consegue satisfazer aquela que e uma sede inextinguivel. e preciso, portanto, transcender o plano do finito. "Querer tudo aquilo que queremos com plena sinceridade de coraqlo 6 p6r em nos o ser e a aqlo de Deus".
Nisso consiste exatamente o metodo da imanencia: em reconhecer na natureza finita do homem a exigencia de Deus. 0 reconhecimento da insuficiencia da ordem natural permite ao homem reconhecer e receber o sobrenatural. Afirma Blondel: "Da mesma forma que nos, agindo, encontramos uma desproporqao infinita em nos proprios, somos obrigados a buscar a equaqlo de nossa aqlo ao infinito". Ligado A filosofia da aqlo e ao metodo da imanencia de Blondel esta o modernismo, movimento religioso condenado pelo papa Pio X com a Enciclica Pascendi, de 8 de setembro de 1907.0s expoentes principais do modernismo foram o abade Lucien Laberthonniere (1 860-1 932) 0 modernism0 e Alfred Loisy 1857-1940), na Fransa; George Tyrrell (1 861 -1909) + 5 4 na Inglaterra; e na Italia: Antonio Fogazzaro (1842-191 I), R6- molo Murri (1870-1944) e sobretudo Ernesto Bonaiuti (1881-1946), autor, entre outras coisas, de um conhecido Programa dos modernistas (191 1). Em 0 realism0 cristiio e o idealism0 grego (1904) Laber- LaberthonniPre: thonniere afirma que a Escolastica, sob o peso das categorias a exig@nc;a do Iogico-metafisicas do mundo grego, teria perdido a descoberta sobrenatural cristl da subjetividade e da interioridade. yos Ensaios de filosofia esta na natureza religiosa (1903) Laberthonniere escreve: "E na natureza humana humana que se encontram de novo as exigencias do sobrenatural". +§4
I 0s recedentes da filosofia da a~Zio
Uma variante do espiritualismo 6 a filosofia da a@o. Como o espiritualismo, a filosofia da agiio tambCm C uma filosofia de resultados decididamente religiosos. E, como o espiritualismo, tambCm a filosofia da aciio estabelece a conscitncia como base da filosofia, que se exerce como escuta e des- crigso da vida da conscihcia. Somente que, diversamente do que ocorre entre os outros es~iritualistas. a conscihcia dos fil6sofos da aqHo niio C contemplag50 tebrica, e sim muito mais vontade e a@o. 0 maior representante da filosofia da ac5o C Maurice Blonde1 (1861-1949). ~ntritanto, deve-se recordar iue ele deve a orientagso de suas pesquisas a seu mestre Lion 0116-Laprune (1 830-1 899), devendo- se recordar tambCm que pode ser igualmente considerado o iniciador da filosofia da ag5o o filosofo John Henry Newman (1 801-1 890, anglicano de origem, que se converteu ao catolicismo em 1845, e tornou-se cardeal em 1879).
Autor de um cClebre Ensaio de uma gramatica do assentimento (1870), New- man sustentava que, quando uma idCia C verdadeiramente viva, ela n5o C pura e simples quest50 intelectual, mas envolve tambtm a vontade humana. Para Newman, o cristianismo C precisamente a grande idCia que conquistou a humanidade e continua a plasma-la em seu desenvolvimento.
Por seu turno, em A certeza moral (1880), 0116-Laprune defendeu a idCia de que, na vida do espirito, o predominio cabe ii vontade. Esta C certamente insuficiente e necessita da graga divina; entretanto, sua funs50 verdadeiramente dominante esti fora de discussiio, inclusive no seio das atividades racionais. Com efeito, escreve 0116-Laprune: "A vontade, a boa vontade, exerce em toda parte, inclusive na pura ordem cientifica,
Maurice Blonde1 (1 861 -1 949) foi o maior representante da filosofia da a@o: uma filosofia de resultados decisivamente religiosos e interligada corn o movimento de pensamento modernista.