![](https://assets.isu.pub/document-structure/200207144541-bb387fdf1c3b6325b1cf1393773742fd/v1/ebd9bf2c2511784875e369dba98c702b.jpg?width=720&quality=85%2C50)
19 minute read
Mercado de cabeça para baixo
2019 foi um período difícil, recheado de decisões conturbadas e mudanças iniciadas sem o devido planejamento. E 2020 já começou com a discussão sobre a elevação dos preços dos combustíveis, decorrentes da crise entre Irã e Estados Unidos
POR ROSEMEIRE GUIDONI
Para o mercado de combustíveis, o ano de 2019 iniciou com grandes incertezas sobre o futuro. Depois de um período de estagnação da economia, com reflexos diretos na queda das vendas e na rentabilidade do setor, a ANP propôs adotar diversas medidas para estimular a competitividade, que
poderão causar reflexos estruturais significativos à ponta final da cadeia dos combustíveis.
Ao mesmo tempo, várias mudanças econômicas seguiram em curso no país, como a reforma da Previdência e início das discussões das reformas tributária e administrativa. O tema da verticalização, que foi colocado em pauta pela ANP no final de 2018, seguiu em debate. No caso da venda direta do etanol das usinas aos postos, o processo de abertura foi atrelado à necessidade da modernização do sistema tributário.
Abertura no refino
A abertura do setor de refino foi outro capítulo que começou a acontecer no ano passado, de maneira considerada equivocada por
analistas e agentes do mercado. “A Petrobras foi concebida para atender várias regiões do país, mas em um regime de monopólio, sem concorrência. Ou seja, uma refinaria não concorria com outra. Agora, ao vendê-las para a iniciativa privada, o grande risco é de transformarmos o monopólio público em privado”, alertou Adriano Pires, diretor do Centro Brasileiro de Infraestrutura (Cbie), em referência ao processo de venda das refinarias da estatal, iniciado após o dos gasodutos e da decisão de abrir o capital da BR Distribuidora.
Na avaliação de Pires, esse é um grande risco, pois, dependendo do comprador da refinaria, pode-se iniciar algum tipo de prática de preços predatórios na região, além do risco de fraudes de âmbito tributário. “Precisamos ter cuidado para não criarmos uma nova ‘Manguinhos’”, disse o especialista, em alusão à refinaria privada, hoje denominada Refit, que acumula dívida ativa na casa de bilhões e teve, no início de dezembro, a inscrição estadual cassada pelo estado de São Paulo, em função do não pagamento do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS).
Hoje, a Petrobras detém 99% da produção de gasolina e diesel do país. As refinarias à venda têm capacidade para processar, por dia, cerca de 1,235 milhão de barris de petróleo, cerca de metade da capacidade total, que soma 2,176 milhões de barris diários. E algumas delas estão localizadas em áreas muito próximas, o que pode levar à concentração de mercado:
• no Nordeste, estão a Refinaria Landulpho Alves (Rlam), em Mataripe, na Bahia, e a Abreu e Lima (Rnest), em Pernambuco; • no Sul, as refinarias Alberto Pasqualini (Refap), no Rio Grande do Sul, e Presidente Getúlio Vargas (Repar), no Paraná;
• no Sudeste, a Refinaria de Duque de Caxias (Reduc), no Rio de Janeiro, e a Gabriel Passos (Regap), em Minas Gerais.
“Essa abertura ainda está em processo, não se vende uma refinaria do dia para a noite”, pontuou Helder Queiroz, professor do Instituto de Economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (IE/UFRJ). Segundo ele, o ideal são reformas sequenciais, começando pelo refino, e isso precisa ser analisado com cautela. “Não se pode fazer mudanças estruturais sem que o elo anterior da cadeia tenha uma condição competitiva. Sem concorrência, tudo o que vem depois - no caso, as atividades de distribuição, transporte e revenda - acaba sofrendo distorções. É preciso mexer no básico antes de adotar outras medidas”, ressaltou.
Para os agentes do mercado, de fato, a forma como essa abertura vem sendo conduzida desperta preocupações. Promover a venda das refinarias sem planejar a infraestrutura, na visão de Paulo Miranda Soares, presidente da Fecombustíveis, pode acarretar problemas a todo o mercado e ao país, tendo a possibilidade de
Agencia Petrobras/Andre Ribeiro
![](https://assets.isu.pub/document-structure/200207144541-bb387fdf1c3b6325b1cf1393773742fd/v1/4a66bfac0d2f088a952970d4c99f5298.jpg?width=720&quality=85%2C50)
Analistas alertam para o risco de que a venda das refinarias da Petrobras para a iniciativa privada possa transformar o monopólio público em privado
colocar a segurança do abastecimento em risco. “Sem mudanças do ponto de vista logístico, incluindo portos e gasodutos, podemos enfrentar grandes gargalos”, destacou.
Fidelidade à bandeira e TRRs
Outros temas que também se encontram em estudo pela Agência é a tutela regulatória de fidelidade à bandeira e a liberação da comercialização, por Transportador-Revendedor-Retalhista (TRR), de gasolina e etanol para postos e pontos de abastecimento. De acordo com a Resolução 12 do Conselho Nacional de Política Energética (CNPE), publicada em 4 de junho, a agência reguladora tinha prazo de 120 dias (contados da data da publicação) para se manifestar sobre ambos os temas. Porém, a decisão foi adiada em virtude de os estudos técnicos não terem sido concluídos.
Verticalização
O tema surgiu em 2018 e foi alvo de alguns debates ao longo de 2019. Em 24 de setembro, ocorreu uma audiência pública na Comissão das Minas e Energia da Câmara dos Deputados. Na ocasião, Fecombustíveis e Brasilcom manifestaram suas preocupações com a forma como o processo de abertura vem sendo conduzido, mas a Plural, que representa as grandes distribuidoras, não esteve presente. Décio Oddone, diretor-geral da ANP, participou apenas da abertura do evento, mas não permaneceu até o final para esclarecer as dúvidas e questionamentos dos parlamentares. Em função disso, a Comissão informou que realizaria novo encontro, com a presença do diretor. Até o fechamento desta
edição, no entanto, não havia sido agendada nova data.
Durante os debates, o advogado Leonardo Canabrava, especialista em direito concorrencial, questionou qual a necessidade de promover um processo de abertura tão acelerado, ou, em suas palavras, à toque de caixa. “Não temos desabastecimento. Os preços dos combustíveis, por sua vez, não estão desalinhados do restante do mundo. Se considerarmos o valor da gasolina ou do diesel, sem tributos, vemos que o preço é menor que o praticado em alguns países, como França e Espanha. De fato, nos Estados Unidos o combustível é mais barato. No entanto, é um mercado diferente: lá existem 150 refinarias, contra as 19 nacionais”, ponderou. Em sua avaliação, a abertura está começando pelo lado errado. “Corremos o risco da privatização das refinarias resultar em monopólio privado”, alertou.
Na mesma ocasião, Miranda, presidente da Fecombustíveis, destacou que uma das principais preocupações do mercado é com a concentração do setor e a concorrência irregular. “Com poucas empresas respondendo por quase a totalidade do setor de distribuição, uma possível verticalização faria com que o consumidor ficasse sem alternativas, pois essas companhias poderiam ditar os preços e regras. Hoje, 44% dos postos são independentes. O setor precisa do bandeira branca e das companhias regionais para manter o equilíbrio concorrencial, se contrapondo ao poder de mercado das grandes distribuidoras”, ressaltou.
Para Pires, do Cbie, hoje, o dono de posto honesto está em dificuldades e sofre com a concorrência desleal. “Espero que a ANP retome o bom senso, caso contrário a tendência é de concentração cada vez maior do mercado”, disse.
Concentração de mercado
Em março, duas notas técnicas 002/2019 e 006/2019, emitidas pela ANP, reconheceram a concentração do setor no elo da distribuição. A nota 002/2019 destacou que, em 2018, a redução dos preços da gasolina não chegou ao consumidor final. Com a análise dos valores praticados pelos agentes de mercado, a agência reguladora chegou à conclusão de que existe assimetria na transmissão de preços ao longo da cadeia. A mesma nota destacou que há falta de competição no setor de distribuição de combustíveis.
Já a nota 006/2019 ressalta que os reajustes praticados nas refinarias e repassados pelas distribuidoras aos postos ocorrem em intensidades diferentes e com defasagem temporal. Ou seja, se há falta de competitividade na ponta final, não se trata da revenda, que possui mais de 40 mil postos revendedores no mercado.
Venda direta de etanol
A venda direta de etanol das usinas aos postos também foi tema de debate ao longo do ano. A Resolução 12, do CNPE, recomendou prazo de até 180 dias, contados da data da publicação (4 de junho), para o Ministério da Economia e demais entidades envolvidas se manifestarem quanto à monofasia tributária, condição preliminar para aprovação do tema, com até 120 dias contados a partir da publicação da lei que estabelecer a monofasia tributária federal.
Para Evandro Gussi, presidente da União da Indústria da Cana-deAçúcar (Unica), a sugestão é que as usinas tenham as suas próprias distribuidoras, se quiserem vender etanol. A preocupação da entidade é que a parcela tributária das distribuidoras, seja repassada para as usinas. “Não é nossa intenção proibir que se faça a venda direta, só não queremos uma carga tributária que mata o empreendedor (usina). Nossa proposta é abaixar o nível de exigências da regulamentação das distribuidoras para que as usinas possam criar uma distribuidora vinculada”, disse.
A Plural não se posiciona contra, porém considera que, antes de permitir a venda direta, é necessário ajustar a questão tributária.
A preocupação por parte dos agentes, especialmente algumas distribuidoras e a totalidade da revenda, é de que a venda direta possa fomentar um mercado irregular de grandes proporções, inviabilizando a operação de empresas que pagam seus impostos. A Fundação Getúlio Vargas (FGV) estima que os prejuízos com sonegação são da ordem de R$ 7,2 bilhões por ano, dos quais R$ 5 bilhões se concentram no mercado de etanol.
Apesar de o CNPE atribuir responsabilidades à ANP e ao Ministério da Economia sobre o tema, os projetos de leis sobre o assunto continuam caminhando no Congresso. Em 20 de novembro, o projeto de lei do deputado Elias Vaz (PSB-GO), favorável à venda direta, foi aprovado pela Comis
Paulo Miranda, da Fecombustíveis, e Décio Oddone, da ANP, participaram da audiência pública sobre verticalização na Comissão das Minas e Energia da Câmara dos Deputados
![](https://assets.isu.pub/document-structure/200207144541-bb387fdf1c3b6325b1cf1393773742fd/v1/242adcabf549eff0df7f53837f076f82.jpg?width=720&quality=85%2C50)
Divulgação
O que esperar da economia?
![](https://assets.isu.pub/document-structure/200207144541-bb387fdf1c3b6325b1cf1393773742fd/v1/7ece935b97089aca4dde22053e660e35.jpg?width=720&quality=85%2C50)
Além dos reflexos de todas essas mudanças, uma das grandes preocupações do setor é com o desempenho econômico. O ano de 2019 está se encerrando com um PIB de 1,2%, segundo projeções da Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC). No entanto, Fábio Bentes, economista da entidade, ressaltou que esse pequeno crescimento, embora represente uma melhora, está longe de ser um bom resultado. Porém, alguns economistas, inclusive os da própria CNC, se mostram mais otimistas com 2020. “Enfrentamos um longo período de retração da economia e muitas incertezas. Então, existe uma grande demanda reprimida no mercado. Esse aumento do consumo deve contribuir para o reaquecimento da economia”, explicou Roberto Luis Troster, sócio da consultoria Troster & Associados. “Para 2020, a expectativa é de crescimento do PIB para 3%. Isso, ao lado de uma maior tendência de queda do dólar, cujo câmbio deverá ficar na casa de R$ 3,70, indica uma perspectiva de maior consumo de combustíveis”, destacou. Porém, para o analista, para que o reaquecimento da economia ocorra de fato, algumas questões ainda precisam ser equacionadas. Uma delas é o desemprego, que ainda está em taxas bastante elevadas, caindo lentamente. Outra é a definição da reforma da Previdência.
Já a CNC tem projeções mais modestas e espera um PIB de 2,2% para 2020. Embora seja uma projeção baixa, é a melhor dos últimos três anos. Bentes também considera que o grande problema é a taxa de desemprego. “É preciso atacar os problemas estruturais do mercado de trabalho”, afirmou. “Ainda vivemos um quadro de recessão, não será possível esperar um crescimento espetacular. A retomada da economia está sendo lenta e isso se reflete em todas as atividades comerciais”, pontuou Helder Queiroz.
Apesar disso, os analistas consideram que os segmentos industrial e agropecuário devem crescer e a inflação tem tendência de queda. No cenário internacional, o crescimento das economias chinesa, europeia e norteamericana deve trazer oscilações sobre a economia mundial. A guerra comercial entre Estados Unidos e China não apresenta perspectivas de se encerrar e as instabilidades na América Latina colaboram para a redução de investimentos nesses países, inclusive para o Brasil. Pixabay
30 • Combustíveis & Conveniência Divulgação/Unica
![](https://assets.isu.pub/document-structure/200207144541-bb387fdf1c3b6325b1cf1393773742fd/v1/1d405ae4e053b6683161109b36d4a7c2.jpg?width=720&quality=85%2C50)
são de Minas e Energia da Câmara dos Deputados. Sua justificativa é de que o fim da proibição traria benefícios para a sociedade, maior concorrência no mercado e, consequentemente, menor preço para os consumidores.
A proposta seguiu para a Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania (CCJ) e depois deverá ser votada no Plenário da Câmara. No entanto, o Ministério Público Federal já se pronunciou de forma contrária à permissão, que é defendida principalmente por um grupo de usineiros do Nordeste.
Visão da Fecombustíveis
“Isso tudo gera um grande desgaste para a revenda, que precisa conviver com incertezas sobre o futuro. Esse desgaste atinge também as lideranças sindicais, pois, muitas vezes, precisamos fazer um trabalho de bastidores, que o revendedor não enxerga”, destacou
Reforma tributária a passos lentos
![](https://assets.isu.pub/document-structure/200207144541-bb387fdf1c3b6325b1cf1393773742fd/v1/73ca3f38f033f63cb0630c87ae354703.jpg?width=720&quality=85%2C50)
Uma das premissas para as mudanças que estão em andamento no mercado de combustíveis é a reforma tributária. Sem ela, segundo os agentes de mercado, o risco é de que as fraudes e irregularidades se tornem ainda mais relevantes, prejudicando a competitividade.
Existem duas propostas principais em debate, mas ambas se arrastam sem definição. Há barreiras, como a necessidade de arrecadação por parte dos estados.
Para fortalecer o posicionamento do setor, em julho, foi instituída a Câmara Brasileira do Comércio de Combustíveis (CBCC). Maurício Rejaile, coordenador da câmara, destaca que seu objetivo é tratar das questões tributárias e fiscais, buscando ferramentas para evitar os desequilíbrios gerados pela inadimplência e sonegação fiscal.
A venda direta de etanol das usinas aos postos foi um dos temas mais discutidos no ano, mas esta definição depende de um alinhamento da questão tributária
Paulo Miranda, referindo-se às reuniões com parlamentares para elucidar o funcionamento do mercado, além de acompanhamento de diversos projetos de lei que podem afetar o setor. “Existem cinco projetos de lei para instituir o self service no país, outro quer tornar obrigatório o uso de mangueiras transparentes no abastecimento e tem mais um com o intuito de passar a vender Gás Natural Veicular (GNV) por quilo”, disse.
Em relação às questões que afetam diretamente a revenda, como a verticalização e a venda direta de etanol das usinas aos postos, Miranda se mostra otimista. “Existe uma lei federal que estabelece a necessidade de estudos de impacto regulatório antes desse tipo de decisão. O governo parece ter dado uma freada nas propostas, esperamos que tenham entendido que o ideal é promover as mudanças em etapas”, afirmou.
Combustível delivery Outro assunto que deixou o mercado estarrecido foi o lançamento do Gofit pela Refit, novo nome da Refinaria Manguinhos. Com extenso histórico de sonegação e, inclusive, a inscrição estadual cassada no estado de São Paulo, em função do rombo aos cofres públicos, a empresa lançou um novo modelo de venda de combustíveis no formato delivery, por meio de um aplicativo.
A proposta é proibida conforme as regras do setor (veja mais na página 19). O consumidor que desejar abastecer seu veículo sem precisar ir ao posto de combustíveis pode chamar a empresa, por meio do aplicativo. O produto chega em um caminhão-tanque pequeno e o próprio motorista faz o abastecimento. Em princípio liberado apenas em alguns bairros do Rio de Janeiro (RJ), o serviço foi suspenso pela Justiça, mas não pela ANP, depois de liminar concedida ao Sindicomb (sindicato que representa a revenda no município do Rio de Janeiro).
Embora a ANP tenha optado por não comentar o assunto, a reportagem da Combustíveis & Conveniência teve acesso à nota técnica que estabelece o serviço, pelo período de um ano, como um projeto-piloto.
A notícia também já havia sido divulgada no site EPBR, que destacou que “o entendimento dos técnicos da ANP é que a Lei da Liberdade Econômica, sancionada pelo presidente Jair Bolsonaro em setembro, e a resolução do CNPE 12/2019, abrem espaço para uma regulação aberta às novas tecnologias e aos arranjos de negócios que estimulem a concorrência no setor”.
Flexibilização do monopólio Em 2019, a abertura do mercado começou a acontecer com
a venda de ativos de transporte da Petrobras (Gaspetro), das refinarias, da Liquigás, de áreas de exploração e prospecção e da BR Distribuidora. Essas ações, juntamente com a venda de participações internacionais, como as subsidiárias em países da América Latina, fazem parte do programa de desinvestimentos da estatal.
Para a revenda, a privatização da BR Distribuidora é uma das grandes preocupações. Afinal, qual será o destino dos postos da bandeira? Flávio Dantas, diretor Comercial, de Varejo e de Inteligência de Mercado da companhia, considera que é preciso rever algumas estratégias, para tornar os postos mais competitivos e, com isso, fortalecer a empresa. “Queremos buscar negócios que possam trazer fluxo e rentabilidade para os postos revendedores. Estamos revendo vários projetos e parcerias da bandeira, mas temos consciência de que a BR só será forte com o fortalecimento de sua rede de postos”, destacou. Para Pires, do Cbie, as mudanças na BR são positivas, pois o novo modelo permitirá maior transparência e, por consequência, maior segurança a todos os agentes. No entanto, o mercado precisará acompanhar as novas demandas que surgirão para os postos. Na avaliação de Paulo Miranda, com a mudança de mãos da BR, o Cade precisará ter atenção a possíveis multas abusivas para os postos que quiserem encerrar o contrato. n
Aumento do petróleo abre discussão sobre o ICMS
A tensão entre Estados Unidos e Irã culminou com a morte do general Qassim Suleimani, no dia 2 de janeiro, logo após uma invasão da milícia iraquiana à área onde está localizada a embaixada americana em Bagdá, no dia 31 de dezembro de 2019.
Os desdobramentos do conflito levaram a um novo ataque, desta vez por parte do Irã, a duas bases que abrigam tropas americanas, no Iraque. O conjunto de acontecimentos levou ao aumento dos preços do petróleo no mercado internacional. Até o fechamento desta edição, o preço do barril já havia superado US$ 65, acumulando uma alta de 6% desde a morte de Suleimani.
Com isso, a questão dos preços dos combustíveis voltou a ficar em evidência no Brasil. Como alternativa para conter a alta, o presidente Jair Bolsonaro defendeu a revisão da tributação do Imposto Sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) e a venda direta de etanol.
No caso do ICMS, cuja alíquota (na gasolina) varia entre 18% e 34%, de acordo com a unidade federativa, não há concordância entre os estados, que perderão arrecadação. Dados do Comitê de Secretários de Fazenda (Comsefaz) apontam que a contribuição incidente sobre a gasolina deverá ser de cerca de R$ 60 bilhões em 2020. A atual situação financeira dos estados não permite que os governos abram mão dessa receita.
Já quanto à venda direta de etanol, que segue em discussão, não há consenso e nem concordância dos principais representantes do setor de combustíveis, pois a medida poderá abrir brechas para sonegação e irregularidades, causando ainda mais prejuízos aos cofres públicos.
Conforme levantamento da ANP na primeira semana do ano, o valor médio do litro de gasolina para o consumidor subiu 0,07%, do diesel 0,75% e para o etanol, 0,54%.
Em 6 de janeiro, Bento Albuquerque, ministro de Minas e Energia (MME), declarou que o governo vem trabalhando em medidas para minimizar os efeitos de possíveis altas no preço do petróleo, porém não detalhou quais seriam as alternativas.
É possível quebrar o contrato por causa de preços abusivos?
Esta é uma pergunta que cada vez mais revendedores vêm fazendo aos departamentos jurídicos dos seus sindicatos. E não é sem razão. Em tempos difíceis para a revenda, com margens cada vez mais apertadas, comprar combustíveis por preços elevados pode inviabilizar completamente o negócio.
A regra geral é que as distribuidoras podem praticar livremente seus preços, sem limitações de valores ou margens. No entanto, em certas situações especiais, a liberdade de formação de preços pode ser limitada, a fim de preservar os direitos das partes.
Há, basicamente, dois tipos de conduta que podem justificar a rescisão do contrato por imposição de preços abusivos: a imposição de preços não competitivos e a prática de preços discriminatórios.
Imposição de preços não competitivos
Ao fixar seus preços, as distribuidoras devem observar certos limites que guardem relação com a racionalidade econômica do negócio e com os objetivos do contrato de bandeira. Quando a distribuidora pratica preços que impossibilitam o revendedor de concorrer com os demais postos que atuam na sua área de influência, ela está dando causa ao descumprimento do contrato.
Nesses casos, havendo prova de que são os preços de aquisição dos combustíveis que inviabilizam as atividades do posto, é possível pleitear judicialmente a rescisão do contrato por culpa da distribuidora, isentando o revendedor da aplicação de multas e outras penalidades contratuais. Esta prova deve ser feita por meio de laudo técnico de economia e contabilidade, que demonstre a relação de causa e efeito entre os preços de aquisição e a inviabilidade de competição com os demais postos localizados no mesmo mercado relevante ou área de influência.
Prática de preços discriminatórios
Em relação à diferenciação de preços entre postos da mesma bandeira, a regra geral é que a distribuidora deve observar a isonomia comercial, ou seja, deve fornecer os produtos, pelo mesmo preço, a todos os postos de sua rede localizados no mesmo mercado relevante ou área de influência. A regra da isonomia comercial somente pode ser afastada quando houver elementos concretos que justifiquem a diferenciação dos valores. Há, basicamente, três elementos que podem justificar a diferenciação de preços em uma mesma data para postos da mesma bandeira em uma mesma região: o volume de aquisição, o prazo de pagamento e a logística de entrega. Esses elementos estão diretamente relacionados aos custos de fornecimento da companhia e com as economias de escala e eficiências que ela pode obter por meio da diferenciação de preços. Quando dois ou mais postos se encontram em uma mesma situação, isto é, quando adquirem volumes similares, pagam no mesmo prazo e são abastecidos com mesma logística, não há razoabilidade econômica que justifique a diferenciação de preços. Nesses casos, o tratamento diferente certamente irá prejudicar um posto em detrimento de outros. Isto configura evidente quebra dos deveres legais de boa-fé e lealdade contratual, a justificar a rescisão judicial do contrato.
A falta de comprovação da racionalidade econômica que justifique a diferenciação de preços em razão de volumes, prazos de pagamento e logística de entrega é motivo para a rescisão contratual por culpa da distribuidora. Nesses casos, a rescisão deve ocorrer sem a cobrança de multas e penalidades do revendedor, sendo também possível pleitear a indenização das perdas e danos e dos lucros cessantes suportados pelo posto em razão da conduta abusiva da companhia.
Desse modo, seja em razão da imposição de preços não competitivos, seja em função da prática de preços predatórios, desde que tal condição esteja devidamente comprovada, é possível pleitear a rescisão do contrato de bandeira por culpa da companhia distribuidora.
![](https://assets.isu.pub/document-structure/200207144541-bb387fdf1c3b6325b1cf1393773742fd/v1/256e06b5925c8482a6aa9e9be391879c.jpg?width=720&quality=85%2C50)