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Anna Paula Vencato

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Jota Mombaça

Jota Mombaça

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Anna Paula Vencato2

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Lewis Carroll (2010) em seu famoso texto Alice no País das Maravilhas, escreve um diálogo entre a menina Alice e o Gato que Ri (Cheshire Cat) quando esta chega a uma bifurcação na estrada. Ela pergunta a ele qual estrada deve tomar. Ele retruca perguntando qual caminho ela quer seguir. Ela responde que não sabe. Então, diz o gato, não importa. Se fosse possível contar a história do Movimento LGBT brasileiro em poucas linhas, seria improvável negar que o conflito – para dentro e para fora – lhe é constituinte. O movimento LGBT é conhecido e reconhecido como um movimento de afirmação das identidades de distintos grupos que estão “fora da norma” em termos do gênero ou das sexualidades e que compõem a sigla formando uma espécie de “força conjunta” contra o preconceito e a discriminação. Ao menos em tese. Em outras palavras, LGBT diz respeito a afirmação da identidade de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais. Evidentemente, este movimento não nasceu LGBT. Foi primeiramente, em meados dos anos 1970, “movimento homossexual”. Depois mulheres lésbicas

1 Texto preparado para a mesa-redonda “Teoria Queer Hoje!”, organizada pelo forumdoc.ufmg.2016. A mesa contou com a fala de Paulo Henrique

Nogueira (FaE-UFMG) e a mediação de Paulo Maya (FaE-UFMG). 2 Doutora em Antropologia pelo PPGSA/UFRJ, mestre em Antropologia

Social pelo PPGAS/UFSC e licenciada em Pedagogia pela FAED/UDESC.

Professora Adjunta da FaE - UFMG. Pesquisadora Associada do “Quereres -

Núcleo de Pesquisa em Diferenças, Gênero e Sexualidade” da UFSCAR e do “Transgressões- Gênero, Sexualidades, Corpos e Mídias contemporâneas” da UNESP. Endereço para correspondência: apvencato@gmail.com.

reclamaram para si seu espaço no movimento, assim como criticavam (e ainda criticam) o machismo e a misoginia dentro da militância.3 A própria passagem do L para a frente do G na sigla LGBT ilustra esta reivindicação. Foi só na “I Conferência Nacional GLBT”, realizada em 2008, que houve a troca de posição das letras, em resposta à reivindicação das mulheres lésbicas acerca de sua invisibilidade histórica não apenas na sociedade, mas também dentro do movimento LGBT. A segunda conferência, realizada em 2011, já foi chamada de “II Conferência Nacional LGBT” (DANILIAUSKAS, 2011). Com o passar do tempo, além das mulheres lésbicas, pessoas bissexuais, travestis e transexuais passaram a reivindicar seu lugar no movimento a partir da ideia de que o “movimento homossexual” contemplava somente aos homens homossexuais, tanto na política e representação “para dentro” quanto na política “para fora”. Pode-se dizer que há duas frentes de luta: a externa, que lhes une, a interna, que lhes divide. Pode-se inferir também, que mesmo aquelas pessoas que estão “a margem”, tem processos de hierarquização e exclusão internas. Evidentemente a história do movimento LGBT é muito mais extensa e complexa que isso. Mas o que queria destacar aqui é como a “sopa de letrinhas” (Facchini, 2005), sua ampliação, fala não apenas de reconhecimento dos sujeitos políticos que fazem parte do movimento ou da sociabilidade daquelas pessoas que não estão socialmente associadas às heterossexualidades. Fala também dos limites dessas categorias na vida. Se por um lado, o reconhecimento das identidades é importante para a luta política, por outro lado, também se conforma em amarras. A teoria queer se contrapõe, nesse contexto, a ideia de identidades cristalizadas. Mas não apenas a ela: questiona também a abordagem canônica das ciências ao tratar da diferença a partir da ideia de normalidade ou desvio. Ou seja, ela não se propõe a pensar criticamente apenas sobre a produção das identidades e seus limites na vida social. Propõe-se também a pensar criticamente as teorias que pensam sobre tais comportamentos ou certos indivíduos a partir da noção de marginalidade ou de um indivíduo à margem das normas sociais. A teoria queer, ao cabo, tensiona a ideia de identidades e tem como proposição que partamos da ideia de que precisamos olhar para as diferenças. Tanto como são engendradas no bojo da vida social como quanto engendram distinções,

diferenciações, desigualdades e privilégios no interior de diferentes contextos socioculturais. Até meados da década de 1970, muito da crítica social se pautava numa critica economicista. Assim, importava mais olhar para a luta de classes, a pobreza e a riqueza, as relações de trabalho e exploração do que para outros aspectos da realidade. Mesmo no campo científico este era o panorama geral dos debates. A ciência se pautava na ideia de que as diferenças podiam ser compreendidas a partir da noção de contraposição a norma. Assim, havia o normal e o desviante/patológico. E o desviante só poderia ser compreendido a partir da ideia de que havia uma norma, referente, que este quebrava ou questionava. De lá para cá, este debate, que primeiro se debruçou sobre a problemática das classes sociais, se ampliou, se modificou e se aprofundou. Questões como raça/etnia, gênero, sexualidade, geração vão entrando paulatinamente em cena e questionam tanto os ideais dos movimentos sociais quanto aos acadêmicos. Não se abandona aqui a pauta da classe social, mas se reconhece que ela, sozinha, não dá contam de compreender a desigualdade na vida social. Segundo Adriana Piscitelli (2008), trabalhar a noção de interseccionalidades e/ou categorias de articulação é oferecer um instrumental que ajude a pensar como múltiplas diferenças e desigualdades se articulam na vida social. Para a autora, “é importante destacar que já não se trata da diferença sexual, nem da relação entre gênero e raça ou gênero e sexualidade, mas da diferença, em sentido amplo, para dar cabida às interações entre possíveis diferenças presentes em contextos específicos” (p. 266). Entender que a lógica da diferenças e da produção ou não da desigualdade é relacional e contextual é importante para pensarmos também porque a teoria queer pode ser “boa para pensar” nas relações hierárquicas entre gays, lésbicas, travestis, transexuais, bissexuais, bichas, sapatões, bofes, etc. A sexualidade em si não é revolucionária. Nem a identidade de gênero. Uma pessoa LGBT pode também oprimir outras pessoas dependendo de como se insere numa malha complexa de pertencimentos sociais. Para dar um exemplo de análise interseccional, Laura Moutinho (2006), ao pesquisar a relação entre raça/cor, homossexualidade e desigualdade em uma comunidade do Rio de Janeiro marcada pela violência e pelo tráfico de drogas, percebeu que os homens homossexuais “mais escuros" que moram nos subúrbios e nas favelas do Rio de Janeiro possuem um campo de manobra mais amplo do que aqueles nos quais se inserem rapazes e moças heterossexuais da região, e, mesmo, as lésbicas e travestis de diferentes cores que habitam essas áreas” (p. 103).

Justamente em razão da homossexualidade, estão “fora” dos padrões de masculinidade locais requeridos para a atividade do tráfico, podendo, eles, circularem mais livremente dentro da própria comunidade, nas comunidades onde há traficantes rivais e também nos bairros turísticos de classe média cariocas, uma vez que a cor/raça, nesses contextos, atua como um fator que os torna “mais desejáveis” para homens homossexuais brancos e/ou estrangeiros do que os rapazes gays “mais brancos”. Por isso, para esses rapazes, a articulação entre os marcadores sexualidade e raça/cor não produz subordinações em todos os contextos pelos quais circulam. Isso implica em reconhecer que, para além das categorias que marcam as diferenças, é preciso fazer uma leitura do contexto em que as diferenças acontecem e qual seu impacto na produção ou não das desigualdades em dado espaço ou contexto. Evidentemente, para que este debate faça sentido, o ponto de partida da análise deve ser o respeito às diferenças e sua valorização. Penso que, nesse ponto, é importante falar sobre a construção social da identidade e da diferença. Quando falamos em identidade é fundamental que se fale sobre diferenças. Tomaz Tadeu da Silva (2007) nos alerta que é fácil reconhecer a identidade quando a pensamos como aquilo que se é ou, de forma auto referencial, como aquilo que somos. Nesta linha de raciocínio, questiona Silva,

A identidade é simplesmente aquilo que se é [...] Nessa perspectiva, a identidade só tem como referência a si própria: ela é autocontida e autossuficiente. Na mesma linha de raciocínio, também a diferença é concebida como uma entidade independente. Apenas, neste caso, em oposição à identidade, a diferença é aquilo que o outro é [...]. Da mesma forma que a identidade, a diferença é, nesta perspectiva, concebida como auto referenciada, como algo que remete a si própria. A diferença, tal como a identidade, simplesmente existe. (2007, p.74)

Contudo, a proposição da diferença não se esgota na categorização de si ou do outro. Quando dizemos que somos brasileiras, estamos dizendo que não somos de uma ampla lista de outros pertencimentos nacionais. Ou seja, ao afirmarmos o que somos, também renegamos a aquilo que não somos. O que é proposto pelo autor, então, é uma (re)significação do conceito de diferença, provocando a ruptura com a visão cristalizada da identidade como norma. Podemos afirmar, então, em consonância com a proposta que por ele apresentada, que

Assim como a definição da identidade depende da diferença, a definição do normal depende da definição do anormal. Aquilo que é deixado de fora é sempre parte da definição e da constituição do ‘dentro’. A definição daquilo que é considerado aceitável, desejável, natural é inteiramente dependente da definição daquilo que é considerado abjeto, rejeitável, antinatural. A identidade hegemônica é permanentemente assombrada pelo seu Outro, sem cuja existência ela não faria sentido. (2007, p.84)

Para um debate sobre as diferenças é preciso que reconheçamos que tanto a identidade quanto a diferença são produzidas nas interações entre indivíduos, no interior da vida social. Nos identificamos e rejeitamos diversos modelos e práticas que existem, estão disponíveis, no mundo (ou na sociedade em que fomos socializados). Ambas se desvelam a partir do (re)conhecimento de si frente ao outro. As categorias de identificação, nesse sentido, não nos comunicam lugares na vida apriori das relações sociais. Em outras palavras, não somos quem somos ou estamos quem estamos porque temos uma diferença, uma marca no corpo, que nos individualiza. Essas marcas que nos produzem estabelecem sim distinções, mas é preciso entendê-las como produzidas no bojo das relações sociais. E elas são muito mais particulares e contextuais do que globais. Se nos despirmos de certos pertencimentos de raça/etnia, gênero ou sexualidade que não são socialmente hegemônicos seremos legitimados automaticamente? Ou a produção social das diferenças é algo bem mais complexo que isto? A identidade e a diferença são produzidas durante o processo de socialização, um processo permanente de aprendizado cultural, que se estende desde o nascimento até a morte de um indivíduo. Assim, é a partir do processo de socialização que aprendemos e assimilamos aos valores e experiências de uma cultura (no caso, a nossa). A medida em que nascemos, crescemos e desenvolvemo-nos, vamos incorporando as normas sociais e agimos cada vez mais de acordo com a forma com que fomos ensinados. Este processo não se dá de forma consciente e, em geral, essas regras nos são ensinadas a partir das experiências sociais ao longo de nossas vidas. Em resumo, a socialização consiste em um processo de aprendizado cultural que (in)forma os comportamentos de todos indivíduos e permite que pertençam a dada sociedade. Um desses aprendizados diz respeito ao gênero e às sexualidades. Nesse contexto, podemos afirmar que meninos e meninas, possuem comportamentos diferentes não em função de transmissão genética ou

do ambiente que vivem, mas pela educação diferenciada que cada um recebeu desde o nascimento. Em geral, quando nos colocamos em comparação com o outro e o julgamos diferentes de nós, tendemos a tomar nossos próprios hábitos, costumes e modos de vida como verdadeiros e os demais como inadequados, falsos. Assim, categorizamos a humanidade a partir da nossa experiência e descartamos outras formas de ser e estar no mundo como menos humanas. É preciso que reconheçamos, contudo, que a diferença não é um atributo exclusivo do outro, que tendemos a perceber como atrasados, errados, estranhos, etc. um primeiro passo aqui é justamente reconhecer que, do ponto de vista dos outros, também somos diferentes. Assim, só é possível estabelecer diferença a partir do contato com o outro, diferente de nós. E, ao mesmo tempo, é só a partir desse contato que nos é possível perceber que nos identificamos ou não com ele. Em outras palavras, somos quem somos – e só é possível sermos quem somos – porque estamos em relação com outros, diferentes de nós. Muito embora a teoria queer tenha sido inicialmente menos difundida no Brasil que nos países anglofônicos, é difícil falar sobre gênero e sexualidade hoje sem fazer referência a ela.4 A teoria queer, semelhante ao que ocorre nos EUA, chega ao Brasil principalmente via discussões realizadas por autoras vinculadas aos Estudos Culturais, como Guacira Lopes Louro (2002) e Tania Navarro Swain (s/d), que se servem principalmente das teorias propostas por Judith Butler (1999, 2003). Apesar de uma referência importante, a obra Epistemologia do Armário, de Eve Sedwick (2007) passa a ser difundida no Brasil amplamente anos depois de Butler - inicialmente reconhecida a partir do livro “Problemas de gênero” e do artigo “Corpos que pesam”. Do mesmo modo, conforme Richard Miskolci (s/d), o queer surge nos EUA

...das bordas do movimento feminista branco e de classe média assim como das margens do movimento gay também predominantemente branco e classe-média. Assim, o movimento queer emerge como coalizão feminista-gay marginal com pessoas negras, chicanas, profissionais do sexo, portadores do hiv, esquerdistas, etc.

O termo queer tem sido usado para englobar gays, lésbicas,bissexuais, travestis, transexuais e transgêneros na literatura anglo-saxônica.

O termo foi primeiramente usado pejorativamente para definir homossexuais e mais tarde englobado pelos movimentos ativistas, que tentavam ressignificá-la (esse movimento fala numa política e numa teoria queer). Queer pode significar, também, “estranho”. Em certo sentido, a teoria queer anda pelo mesmo caminho dos pós-estruturalistas, sendo que suas discussões remetem a questões de identidade. Para essa teoria, as identidades – apreendidas como norma ou antinorma – não são fixas e não determinam quem somos. Nesse ponto, podemos dizer, ao mesmo tempo em que aparece colada a ideia de LGBT, por exemplo, ela tece críticas a ela e busca compreender de que modo são produzidas e a partir de que relações ou normas. Essa teoria sugere que não há porque falar em “mulheres”, “homens”, ou qualquer outra categorização que pressuponha uma “essência”, pois as identidades são compostas de tantos e distintos elementos que a simples afirmação de que pessoas podem ser agrupadas por possuírem uma ou duas características comuns seria algo enganoso. As identidades seriam, em suma, plurais, em constante construção e este processo não teria margens nem limites. O termo queer expressa, assim, os diferentes aspectos de uma pessoa, entendendo-a como sujeito multifacetado e em constante mudança. Ou, para citar Tiago Duque (2014), reifica uma “... valorização da prática, da experiência, e não necessariamente o agenciamento via uma identidade” (2014, p.73): valoriza-se, em suma, mais aos desejos do que às classificações identitárias, tidas como limitadas, engessadas e com alto potencial normativo. A pauta do direito à diferença e do combate à desigualdade vem tensionando a cena pública. Os Direitos Humanos5 e o direito à diferença, ao contrário do que se poderia pressupor, causam polêmica e estranhamento sobretudo em contextos conservadores – lembrando que o conservadorismo informa amplamente a formação do Brasil enquanto nação e, isto explica, porque é tão difícil nos livrarmos dele. Esta tensão

5 A noção de Direitos Humanos, conforme explicitado pela da Organização das Nações Unidas (ONU) através da Declaração Universal dos Direitos Humanos, referese ao conjunto de leis que contemplam o direito à vida e à proteção a uma pessoa ou a um conjunto de pessoas em relação às diversas formas de abusos, tanto físicos quanto psicológicos. Para Norberto Bobbio direitos humanos “são aqueles cujo reconhecimento é condição necessária para o aperfeiçoamento da pessoa humana, ou para o desenvolvimento da civilização, etc.” (1992, p. 17). Para Samuel A. M. de Oliveira, “devemos analisar que a dignidade do ser humano enquanto membro vivente de uma sociedade está situada num contexto político atualmente marcado por grandes injustiças sociais, profundas diferenças socioeconômicas e pelas não menos trágicas disparidades de distribuição de renda. Para que um ser humano tenha direitos e possa exercê-los, é indispensável que seja reconhecido e tratado como pessoa, o que vale para todos os seres humanos.” (2007, p. 363).

aumenta significativamente se o direito humano em questão estiver relacionado à seara dos direitos sexuais e reprodutivos.6 Mesmo em âmbitos regulatórios internacionais que definem como os direitos humanos devem ser compreendidos na esfera global (CORREA, 2009), não é raro perceber que quando o direito das mulheres e os direitos sexuais e reprodutivos emergem no debate há setores conservadores que se contrapõem, mesmo, à inserção da pauta e do debate nesses organismos. Conforme Claudia Fonseca e Andrea Cardarello (1999) pode-se falar, nesse contexto, que mesmo no âmbito do que se convencionou chamar de direitos humanos hoje há categorias que são priorizadas em detrimento de outras, o que desvela lutas simbólicas e critérios particulares de legitimação de diferenças e indivíduos que, quando se reivindicam direitos, determinam quem é mais e quem é menos humano, e, nesse sentido, humanos com mais chance de estarem contemplados nas políticas públicas e de acessarem os bens de cidadania e terem sua humanidade reconhecida do que outros. Há uma tensão evidente entre o movimento LGBT e a teoria queer no Brasil. A teoria queer é acusada de negar as identidades o que faria dela, por este motivo, homofóbica. Questiona-se a instrumentalidade desta teoria para o movimento. Ao questionar a essencialização das identidades, e a veracidade de sua coerência interna, a teoria queer causa desconforto. Especialmente porque dialoga com uma estratégia política de parte do movimento LGBT se denominou de “essencialismo estratégico”. Causa desconforto também por informar que as identidades, ao serem tomadas como verdades, tornam-se também normativas. Sergio Carrara e Julio Simões (2007) acenam para a possibilidade de diálogo ao afirmarem que

a tensão entre as aspirações inclusivas e pluralistas, de um lado, e a adesão compulsória à lista de identidades reconhecidas como alvo da ação do movimento, de outro, não tem levado somente a conflitos amargos e autodestrutivos, mas também a iniciativas bem-sucedidas como as ‘Paradas do Orgulho GLBT’, expressões de um espaço

6 Podemos definir Direitos Sexuais como “direitos a uma vida sexual com prazer e livre de discriminação” e Direitos Reprodutivos como aqueles que dizem respeito ao “direito básico de todo casal e de todo indivíduo de decidir livre e responsavelmente sobre o número, o espaçamento e a oportunidade de ter filhos/as e de ter a informação e os meios de assim o fazer, gozando do mais elevado padrão de saúde sexual e reprodutiva”. Fonte: Reprolatina. Para a definição ampliada dos conceitos, veja o site: <http://www.reprolatina.org.br/site/html/areas/sexualidade.asp>. Acesso em: 18 maio 2014.

Seguindo a pista dos autores penso que – como pesquisadora que sou – as perguntas com muita frequência são mais importantes do que as respostas. Termino perguntando então se há, de fato, um diálogo improvável e impossível entre a militância LGBT e a teoria queer? Ainda, há como operar uma noção não identitária ao pleitear direitos e reconhecimento na arena pública? O Estado realmente só reconhece o direito a partir do estabelecimento de uma identidade ou estamos tão imbuídos da norma que não conseguimos pensar direitos sem recorrer a ela? Sem pretender responder a essas questões, diria que é possível usar as identidades estrategicamente sem lhes auferir o status de norma ou de torná-las parte do binarismo que (in)forma o mundo ocidental há séculos. Por outro lado, há de se questionar sempre as verdades que se tornam normas. Finalizo o texto – não a reflexão – pensando a partir da ameaça de direitos históricos das minorias que vem sendo postos em questão no atual momento político que vivemos – com uma proposta de coalizão. Não é incomum a percepção de que a afirmação da diferença é o equivalente à fragmentação política. Aproveito-me aqui da análise sobre o consumo de Douglas & Ihserwood de que “os bens são neutros, seus usos sociais, podem ser usados como cercas ou como pontes” (2006, p. 36) para refletir que os conflitos e dissensos, mesmo que não sejam neutros, também podem. Creio que é fundamental nesse momento pensarmos a partir de outro lugar. Pensando a luta política a partir de uma perspectiva essencialista ou de uma perspectiva queer – ou mesmo, de nenhuma delas - já entendemos que existem diferenças que nos separam. E que geram demandas específicas para distintos sujeitos. E esta assunção isso é importante. Por outro lado, penso, especialmente a partir do momento atual que vivemos o desafio que se coloca é: como sentarmos para dialogar e estabelecer estratégias conjuntas de luta, que contemplem nossas diferenças e, ao mesmo tempo, torne possível uma estratégia coletiva e potente de luta pelo direito de “viver uma vida que possa ser vivida”, nos termos de Butler (2014), a partir de nossos desejos.

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