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Junho no plural Vinícius de Andrade

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Roberto Romero

Roberto Romero

AL PLU r NO UNHO J

sobre vozerio, de vladimir Seixas

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Vinícius de Andrade

Um dos poucos entendimentos comuns em torno das Jornadas de Junho de 2013 no Brasil, ao menos até antes do golpe de 2016, é o de que constituem um acontecimento ainda em disputa. Elaborar uma narrativa das manifestações de rua daquele ano trata-se, de saída, de um enorme desafio e uma característica fundamental de Vozerio pode ser descrita como um olhar destituído de pressa em determinar os sentidos ou encerrar a leitura dos fatos. Tal postura, nada irrelevante se olhamos para a irregular produção documental sobre Junho/2013, é notável em procedimentos fílmicos que operam o que nos parece ser uma série de intuitivas recusas. A primeira importante recusa é abdicar do tom didático – seja na forma de narração explicativa, letreiros informativos ou no uso excessivo da entrevista. Isso permite ao filme trabalhar no entrecruzamento dos problemas do Rio de Janeiro, premissa explicitada na abertura: durante imagens turvas de barricadas em chamas, vamos dos gritos em defesa da Aldeia Maracanã e de cobrança em relação ao caso Amarildo até aqueles contra a violência policial e o aumento da tarifa do transporte público. Esta primeira recusa se conecta a de estabelecer uma cronologia rígida dos acontecimentos, fazendo o filme avançar por circularidade: retornam temas, personagens e imagens, como as cenas das disputas em torno da Aldeia Maracanã, tornada símbolo que aproxima as lutas pela terra e associa o direito à cidade às cosmologias indígenas.

Nota-se também a recusa em lançar um olhar “de cima” das mobilizações ou circunscrevê-las em demasiado, bem como a de abordá-las como se tivessem iniciado como um “trovão em céu aparentemente sereno”,1 A recusa que nos parece mais singular, no entanto, está ligada ao uso do som direto. Podemos escutar ao longo do filme as vozes, gritos e palavras advindos das ruas, tal como foram captadas em meio aos embates, o que constitui uma diferença marcante em relação à maioria dos longas-metragens sobre as manifestações. Os acontecimentos de rua não são aqui apresentados sob a forma de videoclips – trilha rock’roll, teor de energia exacerbado, montagem acelerada –, tratamento que retira a possibilidade de pensamento sobre os conflitos a partir de sua própria observação e faz das ruas um lugar alijado de razão.

Trata-se, em Vozerio, de uma narrativa organizada por uma montagem hábil o suficiente para manter-se aberta à complexidade dos acontecimentos e vibrando, em alguma medida, com a pluralidade das vozes. Essa organização pode ser percebida em pelo menos três gestos, sendo o primeiro deles (ligado à própria trajetória do documentarista Vladimir Seixas) o de acercar os problemas do Rio de Janeiro pelas “margens”: as manifestações de Junho e as pautas que nela surgiram não são mostradas sem que antes passemos pelas injustiças vividas por indígenas e moradores de periferia e a violência policial nas manifestações é assim vista à luz do estado de exceção permanente a que essas populações são submetidas. É também destacado um segundo gesto, o de elaboração de cenas em que outras produções são filmadas em seu processo de realização. Diante do já mencionado desafio de filmar as revoltas de Junho, Vozerio dá ênfase à ideia de mediação e assume o imperativo de visar o modo como esses acontecimentos vem sendo visados – o que ficará evidente, afinal, na quantidade de entrevistas feitas com fotógrafos, cinegrafistas e montadores. Embora padecendo, por vezes, da busca por abarcar uma ampla variedade de questões, a exemplo da inclusão dos registros das entrevistas feitas pelos cineastas Carlos Pronzato e Sílvio Tendler para seus respectivos documentários. Essa operação se relaciona – terceiro procedimento importante – com a efetiva incorporação de imagens produzidas por outros fotógrafos, cinegrafistas e cineastas. Consciente da impossibilidade de realizar, nos tempos atuais, um filme engajado sem a utilização de imagens produzidas por outrem, o filme adota a fotografia coletiva e imagens de diferentes

naturezas e suportes (celulares, internet, desenhos). Aproxima-se do questionamento à autoria, reivindicado por Nicole Brenez como exigência para o cinema engajado feito hoje (2011), bem como da retomada de diferentes materiais realizada por filmes como Ressurgentes, de Dácia Ibiapina – documentário que, no cotejo com Vozerio, ofereceria uma rica reflexão. O filme de Vladimir Seixas caminha, afinal, no terreno de uma tensão, isto é, entre a tentativa de dar conta da multiplicidade expressiva de fatores que precipitam e atravessam Junho e uma disposição para fazer do filme não necessariamente uma fonte de saber, mas uma instância de sondagem sobre o que se revela ainda hoje como um complexo período de intensas mobilizações no Rio de Janeiro, no Brasil e mundo. Instância que absorve o que é possível desse momento histórico e revela-se disposta a recolocar, em alguma medida, os termos dos problemas vindos à tona com essas mobilizações.

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