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O teletrabalho e as pensões

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Ned Naylor-Leyland

Ned Naylor-Leyland

Se o teletrabalho se impuser desorganizará a relação laboral atual. Mas esta nova realidade não deveria fazer com que os direitos sociais, em particular no âmbito das pensões, se afastassem dos trabalhadores.

Tranquilizemo-nos. Não existem as telepensões. O que existe, sim, é o teletrabalho. Na realidade existe mais hoje do que existia antes da COVID-19. Com alguns aspetos pouco desejáveis, a enorme extensão do teletrabalho tem sido a grande notícia dos últimos meses. Assistiram a algum simulacro integral do teletrabalho na vossa empresa? Ou seja, posto de outra forma, a vossa empresa tinha realizado antes de março passado algum simulacro geral e integral enviado a toda a equipa, sem aviso prévio? Não deixem de o expressar, se assim for, por favor. Realizamos dois ou três simulacros de incêndios por ano, e até necessitamos deles para fumar um cigarro ou para apanhar um pouco de ar, e por isso não nos chateia muito que tenham lugar sem aviso. Mas não estou ciente de que alguma empresa pública estivesse preparada, ou fizesse simulacros, face a um cenário de teletrabalho tão extremo como aquele que se viveu a partir da declaração do Estado de Emergência. De repente, embora não do nada, surgiram as aplicações, os dispositivos e os protocolos que permitiram a milhões de trabalhadores continuar a gerar valor para as suas empresas, e permitiram que centenas de milhares continuassem a gerar valor para os seus clientes. E assim, todos puderam manter uma atividade vital para a sobrevivência diária e, também, para a luta contra o vírus. De repente desvaneceram-se as dúvidas e as reticências dos trabalhadores, dos responsáveis de recursos humanos e dos empregados acerca disto do teletrabalho. Ao ritmo pré-COVID, ter-se-ia demorado anos a conseguir a generalização que se conseguiu em meses. Teve que se colocar em marcha, rapidamente, também um processo legislativo para regular o teletrabalho.

Trará o teletrabalho as telepensões? Ou seja, se esta prática se impõe nas empresas, uma vez resolvidos os problemas (conciliação, conetividade, e adequada regulação), a prestação da atividade produtiva deixará de ser presencial em grande medida no local de trabalho. Com isto, modificar-se-á a relação laboral, talvez mais do que aquilo que imaginámos até agora. Pode até ser que onde antes se valorizava o trabalho numa determinada base ou frequência, agora se valorize através de outros critérios. Algo que poderia diminuir a proporção de assalariados na população trabalhadora. Neste caso, acelerar-se-ia a transição para as formas não convencionais de trabalho. Dados estes desenvolvimentos, poderemos pensar que as pensões tal como as conhecemos hoje se afastam cada vez mais do alcance dos trabalhadores?

Na economia convencional, a divisão habitual entre trabalhadores por conta de outrém e independentes já vinha a expor a ampla divisória que ambas as modalidades de trabalho comportavam para a proteção social de cada coletivo. Em particular no âmbito das pensões. Existindo basicamente

SERIA INFELIZ QUE O TELETRABALHO AMPLIASSE A DIVISÃO ENTRE TRABALHADORES NO ÂMBITO DAS PENSÕES COMO A JÁ EXISTENTE ENTRE DEPENDENTES E AUTÓNOMOS

a mesma normativa previsional para cada tipo de trabalhador, as pensões de uns e de outros, por uma série de fatores muito específicos, são muito diferentes. Neste caso, a divisória fica marcada pela capacidade de eleger a base de valorização, mais do que a diferença entre salários e receitas (líquidas) de, respetivamente, assalariados e independentes. Seria muito lamentável que o teletrabalho ampliasse a divisória da proteção social dos trabalhadores que se tem observado desde sempre entre os assalariados e os independentes, ao mesmo tempo que se generalizam as formas não convencionais de trabalho.

A luta dos trabalhadores independentes para conseguir a plena equiparação de direitos (e obrigações) sociais é muito destacável, mas as suas conquistas, seguramente, sendo também destacáveis, são inferiores, no entanto, ao que se requere nestas alturas do século. Devemos tomar plena consciência destas tendências que, ao acelerarem-se, podem chocar com os desejos gerais de um desenvolvimento harmonioso da proteção social no século XXI e fomentar o debate e a adoção de soluções avançadas.

O teletrabalho não tem por que conduzir às telepensões, ou seja, conduzir a que os direitos sociais se afastem dos trabalhadores. Se o teletrabalho facilita ou traz à tona novas formas de trabalho de relações laborais, ninguém se deve surpreender. E mais: convém que seja algo fomentado aproveitando a necessidade de que hoje, e por muito tempo, teremos de manter, pois vai ser algo mais do que temporário. O teletrabalho acelerou-se para ficar. Mas os direitos (e as obrigações) sociais, que sem dúvida necessitam de uma boa atualização na altura do século em que nos encontramos, não deveriam afastar-se, nem ficar atrás em termos de valor que aportam aos trabalhadores, sejam estes por conta de outrem ou independentes convencionais ou não convencionais.

É importante que não seja possível diluir os direitos de forma legal, que não seja possível de se esquivarem a obrigações (para si mesmos no futuro) o que guie as decisões dos trabalhadores. Que os direitos e as obrigações sociais de todo o trabalhador sejam equivalentes e comensuráveis com uma métrica comum, por mais variada que seja a casuística da causa de cada um. Temos de progredir no futuro; quem não o quer? Será pela via da produtividade, cumprindo as nossas obrigações e melhorando os nossos direitos. Que as pensões não se afastem de nós, e muito menos o trabalho.

A OPINIÃO DE

ÁLVARO FERNÁNDEZ E MÁRIO GONZÁLEZ Corresponsáveis de desenvolvimento de negócio, Capital Group Iberia

QUE TEMÁTICAS OS INVESTIDORES VÃO MOVER NOS PRÓXIMOS ANOS?

Se há algo pelo qual a nossa empresa de investimentos se destaca, é pela genuína visão de longo prazo que imprime o processo de investimento. Não podia ser de outra forma, vindo de uma entidade com 90 anos de experiência às costas. Nascemos na agonia do crash de 1929 e fomos capazes de navegar através de muitas crises graças à capacidade de ver além do presente. Por isso, em momentos como o atual, a pergunta é: como será o mundo dentro de dez anos? Acreditamos que o segredo radica em saber identificar tendências futuras com antecedência para nos posicionarmos nas empresas que vão liderar. Pensamos que existem várias temáticas que vão funcionar, como a continuidade das grandes empresas mundiais, sobretudo entre as tecnologias ou o aparecimento de líderes em mercados emergentes. Mas uma das tendências nas quais acreditamos que nos temos de fixar é na inteligência artificial, já que poderá desencadear a nova revolução tecnológica. A aprendizagem automática já existe à nossa volta. Desde o reconhecimento vocal até à deteção de fraudes, as suas aplicações são inumeráveis, e os computadores são cada vez mais inteligentes. O facto de que podem aceder a enormes quantidades de dados faz com que os algoritmos e a potência de cálculo se encontrem num ponto no qual podem ensinar a si mesmos formas nunca antes possíveis. Procurem os vossos líderes.

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