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A arbitragem e os investimentos
Não sendo a atividade de árbitro de futebol a mais popular no mundo do desporto é, acima de tudo, uma paixão que ofereceu aprendizagens que extravasaram as quatro linhas e que hoje em dia podem ser aplicadas nos investimentos.
ontrariamente ao que C possa esperar, este artigo não se refere à arbitragem que muitos dos intervenientes dos mercados procuram. Nos mercados financeiros, estamos familiarizados com o termo arbitragem quando se refere à obtenção de um ganho, normalmente sem risco, através da compra e venda do mesmo ativo (ou seu derivado) em diferentes mercados com preços diferentes. Mas, para mim, arbitragem é primeiro uma paixão. A atividade de árbitro de futebol, que exerci durante oito épocas, trouxe-me aprendizagens que extravasaram as quatro linhas e que hoje em dia aplico nos investimentos. Ser árbitro de futebol não é a atividade popular. A generalidade das pessoas fica admirada quando alguém refere que vai tirar o curso de árbitro. No meu caso, a minha motivação foi o gosto pelo desporto e em concreto pelo futebol, aliada a uma irrefutável falta de qualidade para igualar os remates de Cristiano Ronaldo ou as assistências de Lionel Messi.
Na arbitragem descobri elevados níveis de exigência física e intelectual: os árbitros correm em média mais do que um jogador, para além de terem de afastar essa fadiga para, numa fração de segundo, terem de tomar decisões que se pretendem acertadas e de acordo com as leis do jogo. Mas foi sobretudo a exigência comportamental que mais dividendos me trouxe.
Das aptidões que creio que melhor se aplicam tanto na arbitragem como nos investimentos é a determinação e a consistência. A ambição de querer ser melhor, de poder acertar mais, de obter melhores performances, suporta o processo contínuo de aprendizagem sob o qual deve assentar tanto a atividade de árbitro como a de gestor de investimentos. A esta determinação deve estar aliada a consistência de conseguirmos seguir o caminho traçado mesmo quando ele se apresenta como tortuoso.
O processo de tomada de decisão é crucial. Não apenas o exato momento em que se assinala uma infração
no terreno de jogo ou se efetivamente compra ou vende um determinado ativo, mas todo o processo que suporta essa deliberação é fulcral para que as decisões sejam as melhores possíveis. Numa atividade temos o treino semanal, tanto físico como teórico. Noutra temos o processo de investigação, tanto fundamental como técnico, sobre os ativos investíveis. Ambas são peças chave para alcançar resultados satisfatórios no longo prazo.
Mais a mais, acredito que a convicção no momento da tomada de decisão é determinante no retorno que ela terá. Dentro do campo a falta de convicção transparece facilmente para os restantes intervenientes do jogo e, mesmo que a decisão se mostre correta, enfraquece a imagem do árbitro, o que por sua vez fará com que as decisões futuras sejam aceites de forma mais difícil. Nos investimentos, também uma decisão tomada sem convicção é precipitadamente colocada em xeque se algum movimento do mercado ocorrer contra ela. Considero, pois, preponderante a existência de confiança e convicção na definição de uma estratégia de investimento, sempre suportadas por um racional resiliente.
Não obstante, temos uma novidade (já de alguns anos, mas ainda a ser aprimorada). O vídeo-árbitro é agora uma ferramenta disponível para os árbitros de ligas de topo para que tenham a possibilidade de corrigir as decisões manifestamente erradas. Por vezes, nos investimentos, também o mercado nos dá oportunidades para repensarmos vícios de raciocínio e posicionamentos errados. Nestes momentos, deve ser mostrada praticidade e corrigir o que não se apresenta como adequado.
Adicionalmente, também encontro um paralelo entre as duas atividades no que toca ao ambiente de pressão que existe de forma ininterrupta. O dia de negociação em bolsa é feito de altos e baixos e de momentos de picos de tensão, onde, pelo dever fiduciário que guia a gestão de ativos, se espera que as decisões tomadas sejam sempre as melhores para proteger e potenciar o património dos clientes. De igual modo, num jogo de futebol espera-se que o árbitro esteja concentrado e bem posicionado para tomar as melhores decisões em prol da verdade desportiva e em linha com as leis do jogo.
Termino com mais uma semelhança: assinalar um pontapé de penalti que depois se mostra como uma decisão errada pode ser comprável a uma decisão de investimento que depois não se mostra como vencedora. Quando isso acontece há que trazer a velha máxima futebolística do jogo a jogo e lembrarmo-nos que o melhor árbitro ou gestor não é o que nunca erra, mas sim o que erra menos. Há que mostrar resiliência e saber tirar ilações do que correu menos bem.
Last but not least, uma palavra para o melhor que tanto a arbitragem como a gestão de ativos me trouxeram: as relações pessoais. As duas atividades permitiram-me conhecer pessoas de caráter exímio, elevado profissionalismo e grande altruísmo. Mesmo entre colegas de diferentes empresas e que competem para ficar no topo, a entreajuda está latente e a amizade é o que sobra para lá da hora do fecho e das quatro linhas.