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30. O escritor Prisco descreve a corte de Átila, o rei dos hunos (448
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O escritor Prisco descreve a corte de Átila, o rei dos hunos (448)
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O escritor grego Prisco, na verdade, visitou os hunos e conversou com Átila. Teve desse povo uma impressão muito diferente dos espantosos quadros descritos antes dele por Amiano Marcelino. Podemos deduzir, porém, que os hunos tenham um tanto se modificado por seu contato com os povos europeus. Prisco e um companheiro, Máximo, foram enviados pelo governo romano com mensagens para Átila em 448. Prisco narra sua longa viagem de Constantinopla a Cítia, o território então ocupado pelos hunos ao norte do baixo Danúbio. Depois de algumas dificuldades, os mensageiros obtiveram uma primeira entrevista com Átila. Então, como o rei dos hunos estava a ponto de se mover em direção ao norte, ele e seu companheiro resolveram segui-lo. Depois de descrever os incidentes da viagem e sua chegada a uma grande aldeia, Prisco continua:
A residência de Átila, aqui situada, era considerada mais esplêndida que suas casas em outros lugares. Era feita de tábuas polidas e rodeada por cercados de madeira projetados não tanto para proteção, mas em função da aparência. A casa do comandante Onegésio só perdia em esplendor para a do rei e também era rodeada de cercados de madeira, mas estes não eram adornados com torres como os do rei. Não longe do cercado ficava uma grande piscina construída por Onegésio, que era o segundo em poder entre os cítios.
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As pedras para essa piscina haviam sido trazidas de Panônia, pois os bárbaros neste distrito não tinham pedras ou árvores, mas usavam material importado [...] No dia seguinte, entrei no cercado do palácio de Átila, carregando presentes para sua esposa, cujo nome era Kreka. Ela tinha três filhos, dos quais o primogênito governava o Acatiri e as outras nações que habitam a Cítia de Pontic. Dentro dos cercados havia numerosos edifícios, alguns de tábuas esculpidas, graciosamente entalhadas, outros de vigas retas aplainadas, sem entalhes, firmadas em blocos circulares de madeira que subiam a uma altura considerável do chão. A esposa de Átila vivia aí; e, tendo sido admitido pelos bárbaros à porta, encontrei-a reclinada em um divã macio. O chão do quarto estava coberto de tapetes lanosos para se caminhar por cima. Vários criados em pé a rodeavam e amas sentadas no chão em sua frente bordavam de cores panos feitos de linho, com o fito de serem colocados em cima do vestido da cítia para ornamento. Tendo me aproximado, saudei-a e apresentei-lhe os presentes, saí e caminhei até as outras casas onde estava Átila e esperei por Onegésio, que, como eu sabia, estava com o rei dos hunos... Vi várias pessoas avançando e uma grande comoção e barulho; esperava-se a saída de Átila. E ele surgiu adiante da casa com um braço digno, olhando em volta de um lado para o outro. Vinha acompanhado por Onegésio e parou em frente da casa; e muitas pessoas que tinham processos uma contra a outra surgiram e receberam seu julgamento. Depois, voltou para dentro da casa e recebeu embaixadores dos povos bárbaros [...] (Fomos convidados para um banquete com Átila às 3 horas.) Quando a hora chegou fomos para o palácio, com a embaixada dos romanos ocidentais, e paramos no limiar do saguão, na presença de Átila. Os criados nos deram um copo, de acordo com o costume nacional, e devíamos rezar antes de sentar. Tendo provado do copo, prosseguimos a tomar nossos assentos, todas as cadeiras arranjadas ao longo das paredes da sala, de todos os lados. Átila se sentava num divã no meio; um segundo divã estava atrás dele e dali alguns degraus conduziam até sua cama, que estava coberta com lençóis de linho e colchas de ornamento forjado, como os gregos e romanos costumavam enfeitar suas camas nupciais. Os lugares à direita de Átila eram os principais em honra — os da esquerda, onde nos sentamos, vinham em segundo [...] (Primeiro o rei e seus convidados brindaram um ao outro com o vinho.) Quando essa cerimônia terminou os criados se retiraram e mesas grandes o bastante para três ou quatro, ou até mesmo mais, se sentarem foram colocadas perto da mesa de Átila, de forma que cada um podia se servir de comida nos pratos sem deixar seu assento. O criado de Átila entrou primeiro com um prato de carne e atrás dele vieram os outros criados com pão e carnes, que colocaram às mesas. Uma refeição luxuosa, servida em pratos de prata, havia sido preparada para nós e os convidados dos bárbaros, mas Átila comeu apenas carne num espeto de madeira. Em tudo mais ele se mostrou comedido — seu copo era de madeira, enquanto aos convidados eram oferecidas taças de ouro e prata. Também sua vestimenta era totalmente simples, parecendo apenas estar limpa. Sua espada, que ele levava a seu lado, os tacões de suas sandálias cítias, a rédea de seu cavalo não eram adornados, como as dos outros cítios, com ouro ou pedras preciosas ou qualquer coisa cara.
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Quando haviam sido consumidas as carnes do primeiro curso, todos nós nos levantamos e não retomamos nossos assentos até que cada um, na ordem antes observada, bebeu à saúde de Átila na taça de vinho a ele apresentada. Sentamo-nos então, e um segundo prato foi colocado em cada mesa com comestíveis de outro tipo. Depois deste curso, a mesma cerimônia foi observada como depois do primeiro. Quando a noite caiu, tochas se acenderam e dois bárbaros que avançavam à frente de Átila cantaram canções que haviam composto, celebrando suas vitórias e suas valorosas ações na guerra.
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