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JORGE SOTO

Diretor de Desenvolvimento Sustentável da Braskem

Com o diferencial de assumir, já no seu nascimen-

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to, o compromisso público de investir em inovação e desenvolvimento sustentável, a Braskem se estabeleceu como referência no mercado, principalmente pela criação do plástico verde; Jorge Soto, porém, destaca que ainda há muito a ser feito na jornada da companhia e do setor, destacando desafi os como o pagamento por externalidades, trade-offs e o senso de urgência.

02Em busca da moeda de ouro

Entre 2008 e 2016, no mínimo seis capítulos de livros registraram os esforços da Braskem na ampliação de suas contribuições para o desenvolvimento sustentável. E a relevância da inovação para a empresa foi um tema comum a todos eles: como ela reforça a integração da sustentabilidade à estratégia dos negócios1,2,3; como essa integração pode se converter em um diferencial para a indústria química4

e promover a superação do estágio de mesmice da “melhoria contínua”5; e como fortalece as relações6 , agregando valor a diversas partes interessadas.

1. Alexandre Szkol (2008). Geopolítica e gestão ambiental do petróleo. Capítulo de Jorge Soto, Alessandra Magrini e Rogério Valle: Indústria química brasileira e o desenvolvimento sustentável. 2. Ricardo Voltolini (2014). Líderes Sustentáveis com a Mão na Massa. Capítulo: Jorge Soto – Construindo no dia a dia a visão de ser líder global em química sustentável. 3. Ricardo Voltolini (2016). Sustentabilidade como Fonte de Inovação – Oito Entrevistas com Líderes que Estão Criando o Futuro no Presente. Capítulo: Luciano Guidolin – Inovação e sustentabilidade, irmãs siamesas. 4. Fernando Almeida (2012). Desenvolvimento Sustentável 2012-2050. Capítulo de Jorge Soto: “A Química Sustentável: desafios, dilemas e perspectivas. Inovar não é 5. Ricardo Voltolini (2013). Escolas de Líderes Sustentáveis – Como empresas estão envolvendo e educando líderes para a sustentabilidade. Capítulo: Carlos Fadigas – Coragem para criar o futuro. reformar. 6. Osvaldo Quelhas, Marcelo Meiriño, Sergio França e Cid Alledi Filho (2015). Transformação organizacional para a sustentabilidade. Capítulo de Maria Edmund Burke Cristina Lopes Fedato, Cecilia Seravalli Soares e Jorge Soto: Gestão da cadeia de valor: construindo relações para a sustentabilidade do negócio.

Não sem motivo, portanto, proponho-me, neste artigo, a aprofundar minhas reflexões sobre: por que inovação é cada vez mais necessária? Quais seus potenciais mais relevantes? Que aprendizados tivemos na Braskem buscando integrar desenvolvimento sustentável e inovação? Que desafios se apresentam para o futuro e como estamos nos preparando para enfrentá-los?

CRESCENTE IMPORTÂNCIA DA INOVAÇÃO

Há duas agendas globais em curso com fortes implicações locais. A primeira é a do enfrentamento das mudanças climáticas. A grande maioria dos especialistas afirma que elas já estão em curso – na Braskem, aliás, não temos dúvida7. Os mesmos estudiosos apontam que, para evitarmos alcançar uma variação de temperatura maior que 2°C em relação à era pré-industrial8, devemos nos tornar uma sociedade carbono neutro entre os anos de 2060 a 2070. Ou seja, daqui a 50 anos, tudo que vemos hoje deverá ter mudado. Nossa forma de transportar, aquecer, vestir, alimentar, construir, embalar, medicar, comunicar, disponibilizar e tratar a água. Tudo. Todas essas atividades emitem gases de efeito estufa. Novas formas de produzir e de satisfazer nossas necessidades terão de ser desenvolvidas.

A segunda agenda é a que a ONU chamou de Objetivos do Desenvolvimento Sustentável. Pretende-se, até 2030, acabar com a pobreza, com a fome, prover uma vida saudável para todos, entre outros desafios. Trata-se de 17 objetivos amplos e desafiadores voltados a inspirar uma forma inclusiva de alcançar a prosperidade, “sem deixar ninguém para traz”. Mas como iremos atingi-los, dentro dos limites do planeta, com uma população crescente? Seguramente, não da forma que produzimos e consumimos hoje, pois a ONU projeta que seremos 8,5 bilhões daqui a 13 anos. A inovação torna-se cada vez mais crucial.

POTENCIAL EXPONENCIAL

Dos apontamentos anteriores, vem como consequência a pergunta: mas será a inovação suficiente? É preventivo dizer que não, a fim de alocar mais responsabilidade sobre cada um de nós, cidadãos-consumidores, mas basta se fazer algumas perguntas básicas – quantos anos nossos avós viveram? Quantos irmãos tiveram? Qual seu nível educacional? Dispunham de esgoto em casa? Conviviam com algum amigo estrangeiro? – para perceber como os tempos mudaram rapidamente. Olhando para traz e fazendo uma análise das estatísticas de algumas variáveis no Brasil, constatam-se facilmente melhorias gritantes. A expectativa de vida de um brasileiro nascido em 1900, por exemplo, era de 33 anos; em 2014, mais de 75 anos9 (duas vezes maior). A taxa de fecundidade em 1940 girava em torno de 6,16 filhos; em 2014, chegou a 1,5710 (quatro vezes menor). O índice de analfabetismo no Brasil caiu de 65,3% em 1900 para 13,6% em 200010 (cinco vezes menor). Em

7. Um exemplo: no Rio Grande do Sul, em um dos locais de atracação de navios, o índice de dias que não podemos fazê-lo (no período de 12 meses) devido a intempéries saiu de 25% na década de 1990 para 50% no ano passado. 8. Valor do acordo de Paris para evitar perdas muito graves para a humanidade. 9. Dados do IBGE. 10. Dados do Ministério da Educação – Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira.

1970, apenas 13,2%10 das pessoas contavam com rede de esgoto; em 2015, o número subiu para 50,3%11 (quatro vezes maior).

Em outras palavras, se olharmos para frente, o potencial é exponencial. Peter Diamandis e Steven Kotler afirmam que um “mundo de abundância” seria possível graças à evolução tecnológica12. No ambiente de que sou mais próximo, o da indústria química, já se assumiu o potencial da impressão 3D, dos polímeros inteligentes (materiais capazes de se regenerar quando danificados), dos materiais sintéticos super-resistentes (já em uso na fuselagem de aviões), dos biopolímeros (reduzem a dependência de fontes fósseis), entre outras tantas inovações.

DOS COMPROMISSOS COM INOVAÇÃO SUSTENTÁVEL ÀS REALIZAÇÕES

Se há tanto potencial, o que estamos esperando? Felizmente, não estamos. Em 2002, a Braskem foi criada com o compromisso público de investir em inovação e desenvolvimento sustentável13. Desde então, vivenciamos muitas experiências e acumulamos aprendizados.

Aprendi, por exemplo, que, assim como o desenvolvimento sustentável, a inovação não é exclusividade da área que recebe seu nome. Ano após ano, cada integrante da Braskem define seus desafios em alinhamento com seu líder. Quanto maior o desafio, mais próximo da inovação ele fica. velocidade e

Aprendi também que as fontes da inovação não estão apenas dentro de casa – e a colaboração potencializa sua velocidade e resultados. Temos feito parcerias com universidades, centros de pesquisa, fornecedores, clientes e, mais recentemente, com novos empreendedores.

E outra lição: quanto mais abrangente a aplicação da inovação, maior é seu potencial. Normalmente a associamos a produtos ou serviços, mas inovação também se aplica a novos recursos, processos e a novos modelos de negócios.

A criação do nosso polietileno de origem renovável, por exemplo, começou inovando já na sua forma de finanAprendi que as fontes da inovação não estão apenas dentro de casa – e a colaboração potencializa sua

ciamento, com um acordo financeiro firmado com um resultados. Temos feito parcerias com universidades, centros de pesquisa, fornecedores, clientes e, mais recentemente, com novos empreendedores.

11. Dado do Instituto Trata Brasil. 12. Peter H. Diamandis e Steven Kotler (2012). Abundância – O Futuro é Melhor do que Você Imagina. 13. Compromisso público e relatório anual disponíveis em: www.braskem.com.br

futuro cliente. Olhando para uma fonte relativamente abundante no Brasil (etanol da cana-de-açúcar), nossa equipe de tecnologia iniciou seu desenvolvimento em 2007. Em 2010, com um investimento de R$ 500 milhões na primeira fábrica de “plástico verde”, nos tornamos o maior produtor mundial de biopolímeros. Com o sucesso, decidimos investir, também em 2010, em um centro de pesquisa focado no desenvolvimento da química a partir de renováveis.

Já em 2015, sem qualquer inovação tecnológica, mas sim, de modelo de negócio, lançamos uma plataforma de valorização dos resíduos plásticos, chamada Wecycle. Pela primeira vez, a Braskem colocou à disposição da sua cadeia de clientes tanto seu conhecimento no desenvolvimento de produtos quanto seus relacionamentos com determinados stakeholders para promover a reciclagem de resíduos plásticos. Alguns projetos com clientes evoluíram satisfatoriamente, a ponto de termos lançado, em 2016, as primeiras resinas com conteúdo reciclado do nosso portfólio.

Naquele mesmo ano, mais uma iniciativa inovadora passou a fazer parte da nossa estratégia: o Braskem Labs. Trata-se de uma aceleradora de projetos ligados à química ou ao plástico que, além de inovadores, têm de gerar benefícios socioambientais. Visando iniciar um relacionamento estruturado com startups, a ação apoia empreendedores a fortalecer seus negócios, como nos casos do ColOff Industrial14 e do Piipee15. O sucesso do Braskem Labs nos levou, em 2017, a ampliar seu escopo. Iremos lançar duas iniciativas complementares. Uma visando apoiar projetos em um estágio mais preliminar e outra focando projetos capazes de resolver algum problema socioambiental da nossa própria empresa.

Além disso, em 2016, anunciamos o desenvolvimento de uma solução em polietileno verde capaz de ser usada em impressoras 3D em gravidade zero. A inovação decorreu de uma parceria inusitada e ousada com a Made in Space, empresa norte-americana voltada ao desenvolvimento da manufatura do futuro, fora da Terra.

Esses exemplos representam inovações “fora da curva”, mas alinhadas aos princípios do desenvolvimento sustentável. E esse alinhamento é cada vez mais presente. Em 2013, por sinal, discutimos qual seria o propósito da Braskem e definimos da seguinte forma: melhorar a vida das pessoas criando as soluções sustentáveis da química e do plástico.

PAGAMENTOS POR EXTERNALIDADES, TRADE-OFFS, VIÉS ECONÔMICO E OUTROS DESAFIOS

Da forma que descrevi, parece que esta caminhada já está completamente pavimentada e tem sucesso garantido. Infelizmente, não funciona assim. O presente e o futuro ainda são desafiadores.

14. Empresa fabricante do produto ColOff®, revestimento para assento sanitário que confere conforto e higiene ao paciente e evita a contaminação das amostras e de quem o utiliza. O produto possui duas versões distintas, uma para o varejo e outra para o mercado hospitalar e diagnóstico. Para ajudar o consumidor a reconhecer o Plástico Verde no material da ColOff Industrial, os produtos contarão com o selo I’m green, que garante a origem renovável da embalagem. 15. O Piipee é uma solução biodegradável que elimina em 100% o uso da descarga ao urinar, economizando até 75% da água potável utilizada em vasos sanitários. O dispositivo é acoplado à bacia sanitária ou mictório sem a necessidade de reformas e, quando acionado, libera o Piipee, que atua nas características físico-químicas da urina, removendo o odor, alterando a coloração e higienizando o vaso.

Lembro claramente da nossa empolgação com as primeiras manifestações dos nossos clientes – ou dos clientes deles – quanto ao interesse pelo desenvolvimento do polietileno de origem renovável. Nosso presidente à época chegou a noticiar que tínhamos uma expectativa de demanda três vezes superior a nossa oferta, mas outra realidade se impôs. Apesar de ser muito competitivo entre os biopolímeros, o produto é mais caro do que o tradicional, à base de petróleo ou gás, e essa expectativa de uma demanda imediata tão superior à capacidade de produção não se concretizou. O sistema econômico não reconhece externalidades ambientais. Produtos com mais impactos negativos não pagam por seus danos sobre o ambiente ou a sociedade; já aqueles com efeitos positivos não são “remunerados” por eles. Pelo menos nas questões climáticas, uma solução para esse quadro se vislumbra: a precificação do carbono. Mais de 12% das emissões mundiais16 se encontram em algum sistema de precificação. O desafio reside na ampliação do uso dessa ferramenta para todos os países do mundo, inclusive o Brasil.

Lidar com trade-offs – termo da língua inglesa que define uma situação de conflito de escolha – constitui outro desafio. Fizemos a avaliação do ciclo de vida de diversos tipos de copos para identificar qual seria o melhor no caso de escassez hídrica; os descartáveis, de plástico, ganharam com folga de outras soluções retornáveis. De um lado, os retornáveis devem ser lavados. De outro, os descartáveis, não, mas geram mais resíduos. Qual a melhor opção? A reciclagem dos copos pode ser a solução, mas, no Brasil, ainda estamos engatinhando no tratamento adequado dos resíduos sólidos urbanos.

A prevalência do viés econômico no mercado como um todo também representa um desafio importante para a sustentabilidade. A orientação dos negócios continua a ser principalmente financeira. Nada condenável. Somos uma empresa privada. E não há empresa verde no vermelho. Por outro lado, a solução das mazelas socioambientais explicitadas nos ODS é oportunidade para o desenvolvimento de negócios. Como alimentar centenas de milhões de famintos de forma acessível? Como levar água para outros tantos milhões de pessoas? Estamos dentro – e fazemos parte – de um grande transatlântico. Ele tem seu motor próprio, as chamadas “forças de mercado”, e reorientar os negócios não é tão simples. Mas a inovação é fundamental nessa reorientação.

Por fim, destaco como desafio a necessidade de senso de urgência. Há questões globais e locais que deixam claro a necessidade de agirmos de forma rápida. A data alvo dos ODS, 2030, está ao alcance das nossas vistas. Mas os novos desenvolvimentos responderão em tempo? Diamandis e Kotler acreditam que sim. Pela nossa experiência, alguns projetos são bem-sucedidos, outros caminham mais devagar do que esperávamos e alguns nem sequer funcionam. O desafio é mudar inclusive a forma de inovar. Não sei a fórmula, mas seguramente devemos ousar mais, criar de forma mais aberta, com mais parceiros, com mais cooperação e, em especial, mais rapidamente.

16. Dado da Carbon Pricing Leadership Coalition, liderado pelo Banco Mundial.

Não conseguiremos avançar no desenvolvimento sustentável sem inovação, e as inovações que não considerarem benefícios concretos para os impactos socioambientais não serão, de fato, inovação. Serão mais do mesmo.

A busca da sustentabilidade nos coloca muitos desafios, mas espero ter deixado claro que eles representam também oportunidades. Como disse Guidolin17, “a inovação e a sustentabilidade são irmãs siamesas”, ou como eu mesmo costumo dizer, “são duas faces da mesma moeda”. E essas faces, como em qualquer moeda, são indissociáveis. Não conseguiremos avançar no desenvolvimento sustentável sem inovação, e as inovações que não considerarem benefícios concretos para os impactos socioambientais não serão, de fato, inovação. Serão mais do mesmo.

Estou convicto de que a moeda da qual inovação e sustentabilidade representam as duas faces pode ser de ouro: ela tem tudo para gerar também resultados financeiros. Se ainda não gera, carece de mais inovação, seja no âmbito de seus processos, de seu negócio ou do sistema econômico. Ou – por que não? – em todos eles.

17. Ricardo Voltolini (2016). Sustentabilidade como Fonte de Inovação – Oito Entrevistas com Líderes que Estão Criando o Futuro no Presente. Capítulo: Luciano Guidolin – Inovação e sustentabilidade, irmãs siamesas.

Veja a palestra de JORGE SOTO na Plataforma Liderança Sustentável:

https://goo.gl/Hj6w6G

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