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GLEICE DONINI

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JULIANA NUNES

JULIANA NUNES

Gerente de Sustentabilidade da Cielo

Com passagens por empresas consagradas em

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sustentabilidade, como Banco Real e Aracruz Celulose (hoje Fibria), Gleice Donini assumiu a gerência da área na Cielo com o desafi o de defi nir o signifi cado do conceito para uma companhia de características peculiares – com impactos ambientais diretos pouco signifi cativos, mas com imenso potencial de promover contribuições sociais – e de tangibilizar o valor do tema para convencer a organização de seu papel no apoio ao empreendedorismo no Brasil.

10Sustentabilidade, um “incômodo” que gera valor

Onegócio da Cielo não é nada trivial: a empresa atua no credenciamento, transmissão, processamento e liquidação financeira de transações e captura das principais bandeiras nacionais e internacionais de cartões de crédito e débito. Não raramente confundida com um banco, a companhia é, na realidade, um dos principais players mundiais do setor de adquirência: oferece soluções de e-commerce e tecnologias direcionadas ao varejo, como as máquinas utilizadas nos caixas de estabelecimentos comerciais, que possibilitam pagamentos em mais de 99% do território brasileiro.

Mesmo sem compreender os detalhes das operações da Cielo no dia a dia (e confesso que até hoje me deparo com algumas dúvidas, dada a dinamicidade do negócio), assumi a Gerência de Sustentabilidade e Responsabilidade Corporativa da companhia em setembro de 2014. O tema da sustentabilidade já apresentava um histórico na empresa, como o fato de estar entre os sete valores da organização1 ,

1. Colaboradores com atitude, espírito de equipe e paixão em tudo o que fazem; Cliente encantado; Atitude de dono; Ética em todas as relações; Excelência na execução; Inovação com resultados; Sustentabilidade e responsabilidade corporativa.

Creio que todo o progresso humano é precedido por novas perguntas.

Anthony Robbins

Como tangibilizar o valor que a sustentabilidade gera para os negócios? Como convencer os céticos sobre a importância de se pensar no longo prazo? Como demonstrar o enorme potencial de transformação e inclusão social do nosso negócio?

contar com um comitê e um planejamento específico desenvolvido pela equipe da área, realizar iniciativas como o inventário de gases de efeito estufa, a publicação de relatórios seguindo as diretrizes do GRI e a entrada no ISE (Índice de Sustentabilidade Empresarial), da B3, mas sua importância para a organização ainda não era estratégica. Faltava uma visão clara de aonde gostaríamos de chegar.

Um cenário desafiador, especialmente para alguém que vinha de empresas consideradas referência em gestão sustentável, como a Aracruz Celulose (atual Fibria, após a aquisição pela Votorantim Celulose e Papel) e Banco Real (posteriormente, Santander). Inspirada pelas experiências passadas, eu me perguntava: como inserir os temas da sustentabilidade no core business de uma companhia de meios eletrônicos de pagamento? Como tangibilizar o valor que o tema gera para os negócios? Como convencer os céticos sobre a importância de se pensar no longo prazo? Como demonstrar o enorme potencial de transformação e inclusão social do nosso negócio?

ARGUMENTOS INICIAIS

Nas primeiras interações com executivos da companhia, percebi como, na percepção da maioria deles, sustentabilidade se restringia às discussões sobre preservação de recursos naturais. Essa visão pouco abrangente do conceito dificultava a conexão do tema com o negócio, dado o baixo impacto ambiental direto gerado pela Cielo se comparado ao de outros setores, como o de mineração e o petrolífero. E somada aos aportes de recursos em projetos sociais realizados pela empresa, a visão tornava-se ainda mais restrita, pois, para os “leigos”, eles fortaleciam a impressão de já se fazer além do necessário.

As iniciativas implementadas eram vistas como adequadas ou suficientes. Sim, era importante fazer o inventário de gases de efeito estufa, mas poucos percebiam como ele poderia ser ainda mais relevante se estivesse incluído em uma estratégia climática estruturada; da mesma maneira, ninguém pretendia encerrar a contabilização de consumo de recursos naturais, mas uma quantidade mínima de executivos entendia a necessidade de aprimorar esse controle por meio da avaliação crítica proposta por um Sistema de Gestão Ambiental. E o mesmo acontecia com o Investimento Social Privado: beneficiavam-se vários projetos pelo uso de Leis de Incentivo, mas quem compreendia a relação deles com as atividades da companhia ou monitorava os resultados?

A missão era – e continua sendo – ampliar a visão do que é sustentabilidade corporativa e tangibilizá-la como valor agregado ao negócio. Nesse desafio, logo descobri como algumas “senhas” abriam portas. No caso do ISE, procurei mostrar como integrar essa carteira não fazia parte de um conjunto de boas ações ou de intenções generosas de um ou outro líder da companhia; pelo contrário, era uma prática de mercado reconhecida e, inclusive, já incorporada pelos controladores da Cielo – o Banco do Brasil e o Bradesco. Com essa linha de raciocínio, comecei a romper paradigmas e provocar reflexões, especialmente no âmbito da liderança sênior. Nos níveis menos elevados da hierarquia da organização, sempre houve maior reverberação das propostas da área de Sustentabilidade.

A compreensão do tema como elemento estratégico para a Cielo começou a ganhar corpo quando as provocações de visão de futuro passaram a dominar a pauta das reuniões do Comitê de Sustentabilidade, coordenado por um conselheiro independente e tendo como membros diretores de várias áreas, o CFO e outro conselheiro independente. As discussões pontuais pareciam não fazer mais tanto sentido e começaram a migrar para o campo da responsabilidade social da organização, ou seja, como, por meio do nosso negócio, poderíamos avançar na transformação da sociedade.

Na mesma época, aproveitamos um media training coordenado pela equipe de Marketing para apresentar uma visão mais ampliada sobre sustentabilidade ao CEO e vice-presidentes, a fim de colocá-los em uma simulação de entrevista sobre o tema. A ação deixou mais clara a necessidade de incorporar o conceito de maneira mais estratégica ao negócio, pois ainda não se podia responder com clareza uma questão essencial: afinal, o que significa sustentabilidade para a Cielo?

CONCEITO, DIRETRIZES E OBJETIVOS DE SUSTENTABILIDADE

Além das discussões no Comitê e da busca pela definição do conceito para a companhia, novas demandas contribuíram para consolidar o propósito de abordar a sustentabilidade por meio de um planejamento estratégico: integrar o DJSI (Dow Jones Sustainability Index), implantar uma estratégia climática e um Sistema de Gestão Ambiental de acordo com os critérios da ISO 140012, avançar em práticas de investimento social ligadas ao core business, consolidar o pilar de sustentabilidade na Universidade Cielo e desenvolver o Programa de Voluntariado Corporativo. Somavam-se às demandas internas as aspirações de investidores de agregar valor social e ambiental aos nossos produtos, processos e serviços, sempre com foco no cliente.

Para a elaboração de um planejamento estratégico de sustentabilidade capaz de organizar o conceito a partir de uma compreensão abrangente e de uma visão sistêmica, contamos com o apoio da consultoria Ideia Sustentável, que já havia tido algumas interações de sensibilização das nossas lideranças anteriormente. O processo teve início com a discussão da metodologia de trabalho e a validação da proposta tanto na Diretoria Executiva – formada pelo CEO, vice-presidentes e diretores – quanto no Comitê de Sustentabilidade, que assessora o Conselho de Administração.

2. Norma que especifica os requisitos de um Sistema de Gestão Ambiental e permite a uma organização desenvolver uma estrutura para a proteção do meio ambiente e resposta às mudanças das condições ambientais, levando em conta aspectos ambientais influenciados pela organização e outros passíveis de serem controlados por ela.

Concluímos que nenhuma concorrente da Cielo vinha tratando sustentabilidade de forma estratégica. A constatação, dependendo da ótica, podia representar tanto uma justificativa para não sair do lugar quanto um estímulo para se apostar e investir no tema: de um lado, a empresa não sofria nenhuma pressão externa para acelerar suas práticas; de outro, tinha a oportunidade de se tornar protagonista e promover uma verdadeira revolução em seu segmento de atuação, nacional e internacionalmente.

A primeira etapa da elaboração do planejamento consistiu em uma análise de cenários, tendências e de melhores práticas de sustentabilidade tanto de empresas do setor de meios eletrônicos de pagamento quanto de companhias da área financeira e de tecnologia. E a grande conclusão desse movimento inicial foi que nenhuma concorrente da Cielo vinha tratando sustentabilidade de forma estratégica. A constatação, dependendo da ótica, podia representar tanto uma justificativa para não sair do lugar quanto um estímulo para se apostar e investir no tema: de um lado, a empresa não sofria nenhuma pressão externa para acelerar suas práticas; de outro, tinha a oportunidade de se tornar protagonista e promover uma verdadeira revolução em seu segmento de atuação, nacional e internacionalmente.

Com base nas conclusões da primeira etapa e apostando no viés da oportunidade, foi desenhado um primeiro modelo de sustentabilidade para a organização, com temas, objetivos e ações que a companhia deveria contemplar para criar e estabelecer uma cultura mais sustentável. Esse modelo passou pela avaliação de stakeholders internos – CEO, vice-presidentes, diretores, conselheiros, gerentes – e externos – investidores, clientes, formadores de opinião, fornecedores, controladores –, que analisaram cada elemento estruturante segundo critérios como relevância, prioridade e potencial de diferenciação no mercado.

Acompanhei todas as entrevistas de avaliação e, apesar de longo, considero o processo muito construtivo, pois me permitiu entender as diferentes perspectivas e motivações dos entrevistados, esclarecer práticas já implementadas pela organização, reforçar conceitos, capturar argumentos para sustentar os temas propostos pelo próprio modelo e engajar, em especial, a alta liderança.

ESTÍMULO AO EMPREENDEDORISMO

Um dos temas de sustentabilidade propostos no modelo de sustentabilidade da Cielo é o empreendedorismo. De

acordo com pesquisa da GEM3 (Global Entrepreneurship Monitor), em 2016, cerca de 36% dos brasileiros entre 18 e 44 anos são empreendedores – em torno de 48,3 milhões de pessoas. Empreender surge como alternativa ao emprego formal, bem como fator importante para a manutenção do nível de atividade econômica no país. Desses 36%, aproximadamente 20% se encontram em estágio inicial dos seus empreendimentos. Considerando que, no Brasil, a maioria dos novos negócios não conseguem sobreviver por mais de três anos, devido às altas taxas de impostos, restrições de acesso ao crédito e à precariedade de gestão financeira, e tendo em conta que boa parte dos clientes da Cielo é de pequenos e microempreendedores, a companhia tem um enorme potencial de se diferenciar em seu setor de atuação – e no mercado como um todo – se apoiar esses clientes de alguma forma efetiva.

A Cielo está presente em estabelecimentos comerciais ou no atendimento de pessoas físicas credenciadas em 99% do território nacional. Com sua enorme infraestrutura de serviços e pela natureza do seu negócio, a empresa já estimula comércios e empresas locais, contribuindo para o desenvolvimento social a partir do impulso à economia, com a geração de novos mercados, a redução dos roubos e inadimplência gerados pela substituição de pagamentos em dinheiro e cheque pelos eletrônicos. Se a empresa apostar no tema da sustentabilidade, poderá gerar ainda mais impactos positivos; se, por exemplo, capacitar os empreendedores, contribuirá na redução da taxa de mortalidade dos novos negócios, o que será tão bom para os empreendedores quanto para a companhia – que não perde seus clientes –, quanto para o país, que mantém a economia aquecida.

Ao falarmos nas entrevistas sobre o potencial de contribuição com o empreendedorismo brasileiro, um diretor que não conseguia estabelecer o elo entre a empresa com o tema da sustentabilidade ficou entusiasmado e fez o seguinte comentário: “Se estamos presentes em cerca Se a Cielo, por exemplo, capacitar os empreendedores com informações sobre tecnologia e gestão, poderá contribuir com a redução da taxa de mortalidade dos novos negócios, o que será tão bom para quem empreende quanto para a companhia – que não perde seus clientes –, quanto para o país, que mantém a economia aquecida.

3. O Global Entrepreneurship Monitor é o principal estudo mundial de empreendedorismo. Por meio de um esforço de coleta de dados vasto, centralmente coordenado e internacionalmente executado, o GEM é capaz de fornecer informações de alta qualidade e relatórios abrangentes, que melhoram a compreensão do fenômeno empresarial. Serve como fonte para organizações internacionais importantes, como as Nações Unidas, o Fórum Econômico Mundial, o Banco Mundial e a Organização de Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), fornecendo conjuntos de dados personalizados e pareceres de especialistas.

de 70% dos comércios brasileiros, poderíamos nos tornar tão relevantes quanto o Sebrae4 para o micro e pequeno empreendedor. Quando alguém pensar em empreender, deverá ter em mente a Cielo como parceira de seu negócio.” Em outras palavras, ele percebeu o potencial de geração de valor que a sustentabilidade poderia oferecer à companhia.

As reflexões geradas ao longo das entrevistas contribuíram para uma mudança de cultura em relação ao tema. Fóruns e discussões que não costumavam envolver profissionais da nossa área agora nos consultam nas tomadas de decisão. A própria alta liderança está mais engajada também.

Hoje, diante do desafio de colocar o planejamento em prática, no dia a dia, após aprovações nas instâncias internas, já não me preocupo mais com as opiniões divergentes que, antes, talvez ainda pudessem me afetar um pouco. Outro dia, em uma conversa, ouvi o seguinte comentário: “Você tem consciência de que seu tema é chato, não é?” Para surpresa do colega, respondi que sim. Afinal, tirar as pessoas e organizações da zona de conforto causa incômodos mesmo, não há como negar. Porém, para situações como essa, costumo parafrasear o que meu antigo diretor, Carlos Nomoto, dizia quando estávamos no Santander: “Nada melhor do que ser pago para incomodar!”

4. Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas, integra o Sistema S e objetiva auxiliar o desenvolvimento de micro e pequenas empresas, estimulando o empreendedorismo no país.

Veja a palestra de GLEICE DONINI na Plataforma Liderança Sustentável:

https://goo.gl/kzrMRp

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