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DAVID CANASSA

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PEDRO MASSA

PEDRO MASSA

Gerente Geral Corporativo de Sustentabilidade do Grupo Votorantim

David Canassa conduziu a elaboração e a im-

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plantação de um planejamento estratégico sustentável para oferecer as diretrizes do tema a todas as empresas do Grupo Votorantim, processo que implicou análise de práticas internas, comparações com iniciativas de companhias dos mesmos setores de atuação, desenvolvimento de indicadores para mensurar a eficiência das ações e um mergulho na definição do próprio conceito de sustentabilidade.

09A descoberta de um conceito que já existia

Em 2008, quando recebi, do Conselho de Administração da Votorantim, a missão de definir como o tema da sustentabilidade deveria ser incorporado em nossas práticas empresariais, não imaginava a dimensão dos desdobramentos que estavam por vir. Para uma empresa obstinada por eficiência e compliance em suas operações, aquela demanda me parecia, a princípio, uma oportunidade de organizar várias informações existentes e obter ganhos incrementais com uma análise apurada dos dados.

O trabalho partiu de algumas definições prévias importantes: a companhia contemplava uma visão de longo prazo em seu planejamento e respeito aos locais onde se inseriam suas operações; o Instituto Votorantim já havia coordenado um extenso projeto junto à liderança das empresas do Grupo, em 2007, responsável por definir seus princípios de sustentabilidade; e a organização contava com valores como ética, respeito e empreendedorismo consolidados entre seus empregados.

Sem um planejamento estratégico competente, ninguém sobreviverá nestes tempos globalizados.

Michael Porter

A partir dessas premissas, parecia óbvio simplesmente contratar um especialista para aplicar algum padrão de reporte pré-estabelecido, como o GRI. Contudo, em vez de começar a implantação by the book, zelei por buscar entender como funcionavam outras empresas que já trilhavam o caminho da sustentabilidade há mais tempo, além de beber em algumas fontes teóricas antes de dar o primeiro passo.

Visitei diversas empresas – Natura, Vale, CPFL, Cemig,

A identificação dos temas materiais vem de uma análise de riscos e impactos, ou seja, do que não é sustentável, do que pode prejudicar as gerações atuais e futuras.

entre outras – e li muitos relatórios de outras companhias brasileiras e internacionais. Era a “época” dos Relatórios de Sustentabilidade baseados no modelo GRI (Global Reporting Initiative), e existia uma verdadeira obsessão de diversas organizações por conseguir o “nível A”. Mas, da minha pesquisa, concluí que havia empresas que conseguiam o grau máximo da certificação porque estavam efetivamente dispostas a inserir sustentabilidade na sua cultura organizacional, enquanto outras também conseguiam sem demonstrar o mesmo comprometimento.

A constatação, bastante paradoxal, levou-me a fazer um estudo mais aprofundado sobre o GRI, e entendi que uma empresa poderia receber o disputado “nível A” se usasse uma abordagem que excluísse requisitos não considerados como “temas materiais”, ou seja, não aplicáveis ao contexto da empresa. Então, fui entender o significado preciso de “temas materiais”. À época, segundo o senso comum, eles emergiam da consulta a stakeholders, fato que me intrigou: como alguém externo à organização poderia saber mais sobre os desafios da companhia do que ela mesma? Não duvidava das contribuições de quem estava fora, mas a análise prioritária não deveria vir “de dentro”?

Minha inquietação ainda foi reforçada por outra não menos relevante: a definição de sustentabilidade variava; em diversos estudos, apareciam contextos e explicações diferentes para o mesmo conceito, o que me fez pesquisar a origem do termo. Cheguei, assim, ao relatório da ONU de 1987, coordenado pela primeira-ministra da Noruega, Gro Brundtland, Nosso Futuro Comum1. O documento não conceituava sustentabilidade, mas desenvolvimento sustentável, e se baseava em uma visão econômica: garantir a disponibilidade de recursos para as atuais e futuras gerações. E pontuava diversas questões – pistas para os temas materiais – que, se mal gerenciadas, poderiam impactar negativamente a humanidade: a

1. Lançado em 1987, o relatório resultou das discussões da Comissão Mundial sobre o Meio Ambiente e Desenvolvimento, criada em 1983, e, ao lançar um novo olhar sobre a ideia de desenvolvimento, cunhou o conceito de desenvolvimento sustentável como um processo que “satisfaz as necessidades presentes, sem comprometer a capacidade das gerações futuras de suprir suas próprias necessidades”. O Relatório Brundtland, como ficou conhecido, aponta para a incompatibilidade entre desenvolvimento sustentável e os padrões de produção e consumo, refletindo sobre a necessidade de uma nova relação “ser humano-meio ambiente”, sem sugerir a estagnação do crescimento econômico, mas sim, sua conciliação com as questões ambientais e sociais.

preservação da biodiversidade, o investimento em fontes de energia renováveis, a produção industrial com base em tecnologias ecologicamente adaptadas e o atendimento a necessidades básicas como saúde, educação e moradia.

Assim, fiz a conexão: se as operações da empresa tivessem relação significativa com algum daqueles temas, provavelmente eles lhes seriam “materiais”. E a identificação dos temas materiais, portanto, vem de uma análise de riscos e impactos, ou seja, do que não é sustentável, do que pode prejudicar as gerações atuais e futuras.

Quando estava às voltas com tantas indagações, conheci o professor Paulo Bento Maffei de Souza, que me apresentou a metodologia TNS2 (The Natural Step), desenvolvida pelo oncologista sueco Karl-Henrik Robèrt. Devorei seu livro de 293 páginas em poucos dias e o lotei de comentários e clipes indicando passagens a serem revisitadas; havia descoberto algo revelador: o importante era definir, para qualquer situação, o que não é sustentável no longo prazo, para nós, humanos. A busca dos tais “temas materiais”, afinal, envolvia, em última análise, a condição ética, moral e ecológica.

Transpor essa compreensão para o ambiente da empresa implicava identificar o que poderia comprometer significativamente a perenidade da companhia no longo prazo. E enquanto as descobertas ocorriam, realizávamos um processo de análise comparativa. Para cada um dos negócios da Votorantim, identificamos três organizações concorrentes que publicavam relatórios no modelo GRI. Dessa forma, criamos um banco de dados com, além de números, informações de como se fazia a gestão dos indicadores e qual seu vínculo com o contexto da empresa. Em paralelo, solicitamos o mesmo às empresas do Grupo, chegando a dois índices comparativos: valor do indicador dividido por receita e valor do indicador dividido por Começamos buscando quais questões poderiam inviabilizar os negócios e, com o passar do tempo, compreendemos que, muito além de tratar riscos, na verdade existiam várias oportunidades de influenciar discussões relevantes para nossos setores de atuação, de trabalhar com inovações e desenvolver novos negócios.

2. A estrutura do The Natural Step oferece um conjunto prático de critérios de planejamento que pode ser usado para orientar determinada ação para o alcance da sustentabilidade. Baseia-se fundamentalmente em uma avaliação integrada da situação atual em que se pretende atuar e na determinação da visão futura de sucesso. A TNS auxilia indivíduos e organizações a enfocar questões-chaves ambientais e sociais por meio de uma perspectiva sistêmica; a reduzir o uso de recursos naturais; a desenvolver novas tecnologias; e a facilitar a comunicação da empresa.

toneladas produzidas (por exemplo: <ton CO2>/<R$ receita> e <ton CO2>/<ton produto>). Queríamos avaliar a “eficiência” dos números relatados.

Claro que surgiram discrepâncias, mas, no geral, conseguimos realizar comparações pertinentes e entender o quão perto ou longe estávamos da eficiência daquelas empresas. E para nossa alegria, pudemos constatar como não estávamos longe das boas práticas. No processo, porém, precisamos contratar uma consultoria para nos apoiar na análise de tantos números... Eram mais de 50 indicadores, de seis negócios diferentes da área industrial da Votorantim, confrontados com os de três concorrentes, além da análise de alguns indicadores da holding, culminando em mais de mil páginas de estudo. Como não conseguíamos padronizar o formato de apresentação, colamos as folhas em colunas específicas para cada negócio nas

O caminho da sustentabilidade representa, para a Votorantim, o começo de transformações profundas e uma porta para a inovação permanente dos negócios, além de uma transformação na forma de gestão e de relacionamento com as partes interessadas.

paredes de uma sala extensa e comparávamos indicadores entre elas. Com alguns dias de trabalho, conseguimos padronizar e tirar as conclusões necessárias.

Dessas análises e do meu conhecimento prévio de gestão – pois anteriormente, eu era um dos responsáveis pela padronização da gestão operacional e administrativa –, concluí que a forma de inserir a temática da sustentabilidade na Votorantim era por meio do processo de Planejamento Estratégico, em que os “temas materiais” seriam os insumos para montagem dos planos de cinco anos das empresas do Grupo. Cada tema deveria contar com um conjunto de indicadores e uma padronização da forma de geri-los. De posse dos insumos, propus o caminho ao Conselho, que aceitou e me convidou a conduzir a implantação, inclusive o gerenciamento de todo o acompanhamento das obrigações legais relacionadas às licenças de nosso parque operacional.

A partir disso, formou-se um grupo para definirmos, com base na metodologia TNS, o que chamamos de “nossos desafios”. Estabelecemos nove temas materiais, publicados em 2010, e realizamos uma análise das nossas ações e dos nossos compromissos em relação a cada um deles. Nessa época, ainda não tínhamos metas definidas para os desafios.

SUSTENTABILIDADE NO PLANEJAMENTO ESTRATÉGICO

Para publicarmos os desafios, aplicamos ao longo de 2009 a primeira versão do Planejamento Estratégico de Sustentabilidade. Pretendíamos ter um só plano, mas dependíamos de um processo prévio para atingir esse objetivo. Então, estabelecemos um cronograma anual, no qual, entre os meses de abril e agosto, as

empresas da Votorantim tinham de preparar propostas de trabalho e projetos para os próximos cinco anos dentro dos nove temas. Em setembro, realizamos um workshop com mais de 100 pessoas, com um representante de cada empresa por tema, para alinhar conceitos e buscar sinergias.

Em outubro, os presidentes de cada empresa apresentaram as proposições finais à holding, para que, em novembro, na discussão de orçamento, as ações estivessem estruturadas e pudessem ser incorporadas às análises. Finalmente, entre dezembro e fevereiro do ano seguinte, já realizávamos o alinhamento das metas de todas as empresas para os temas discutidos.

Em 2010, definimos metas de longo prazo e aprimoramos o processo de Planejamento Estratégico de Sustentabilidade, utilizando os mesmos templates da parte econômica para os nove temas, o que forçou os profissionais a aprimorar as análises e indicar resultados não financeiros e financeiros com mais propriedade. Essa sistemática foi aplicada ao longo dos anos, fazendo os temas definidos se incorporarem cada vez mais ao processo de planejamento estratégico.

Em paralelo, formamos um Comitê Executivo de Sustentabilidade, com a participação dos diretores da holding. Duas vezes por ano eram avaliadas as estratégias e as ações em andamento. Começamos buscando quais questões poderiam inviabilizar os negócios e, com o passar do tempo, compreendemos que, muito além de tratar riscos, na verdade existiam várias oportunidades de influenciar discussões relevantes para nossos setores de atuação, de trabalhar com inovações e desenvolver novos negócios.

Um claro exemplo se deu nas atividades de mineração, para as quais definimos como meta reduzir a destinação dos resíduos minero-metalúrgicos para barragens. Isso levou à criação de áreas dedicadas à pesquisa, que identificaram diversas oportunidades e geraram a criação de novos negócios. Em 2014, por exemplo, a operação de zinco em Paracatu (MG) tornou-se resíduo zero: todo material antes destinado a barragens se transformou em calcário agrícola.

GESTÃO DA BIODIVERSIDADE

Entre tantos resultados dos nossos esforços, talvez o mais surpreendente tenha sido a possibilidade de criação de um negócio de gestão de ativos ambientais. O mapeamento da biodiversidade, que constava como um de nossos temas, levou-nos a identificar áreas conservadas há décadas pela Votorantim, que geram custos recorrentes para serem mantidas em virtude das pressões relacionadas a questões sociais e dos múltiplos usos da terra. Tais condições propiciaram a discussão e a proposição de um novo modelo de gestão para esse tipo de território, definido como Reserva Particular de Desenvolvimento Sustentável, cujo objetivo é gerar recursos financeiros por meio da conservação da biodiversidade, desenvolvimento de negócios sustentáveis e geração de valor compartilhado. Um enorme desafio que culminou na abertura de uma startup na Votorantim, a Reservas Votorantim LTDA, empresa que gere dois ativos ambientais da companhia: o Legado das Águas, com 31 mil hectares na região do Vale do Ribeira, em São Paulo, e o Legado Verdes do Cerrado, com 32 mil hectares, em Goiás.

Ao longo de todo o processo de amadurecimento em relação à sustentabilidade, as unidades do Grupo reforçaram práticas e estabeleceram as próprias equipes dedicadas ao tema. E a Votorantim, em processo

de evolução da governança, consolidou-se como gestora de portfólio em 2015, o que implicou definir uma nova forma de relacionamento entre holding e empresas: elas passaram a ter autonomia em uma série de assuntos, seguindo diretrizes de alto nível da holding. Dentre estas, está a premissa da manutenção do processo de planejamento estratégico, incluindo as temáticas relacionadas à sustentabilidade, específicas para cada empresa.

Talvez o resultado mais significativo e visível ao público em geral dessas transformações na Votorantim seja o processo de relato anual. Antes, havia o Relatório Anual e o Relatório da Sustentabilidade. Hoje, o que temos é um documento único: o Relatório Votorantim, que demonstra os resultados da empresa, por meio do conceito de relato integrado.

Quanto aos desafios vindouros, talvez o mais relevante seja a manutenção sistemática e obstinada dessa cultura. A empresa é um “ser” dinâmico e em evolução. Novas pessoas entram na organização a todo momento, sendo necessário passar a elas a compreensão do por que as “coisas são como são”.

Afinal, incorporar em qualquer companhia temáticas “não financeiras” não é tarefa trivial, principalmente quando os resultados dependem de esforços que ultrapassam o “ano fiscal”.

No caso da Votorantim, seus valores e sua obstinada busca em ser uma companhia cada vez melhor me dão a certeza de que o caminho da sustentabilidade foi o começo de transformações profundas e uma porta para a inovação permanente dos negócios, além de uma transformação na forma de gestão e de relacionamento com as partes interessadas.

A Votorantim irá completar 100 anos em 2018. A trajetória que nos trouxe até aqui foi embasada nos valores e na forma como gerencia seus negócios, sempre com um olhar atento para a sociedade e o entorno de suas operações. A sustentabilidade se tornou um dos pilares que irão assegurar a jornada da empresa nos próximos 100 anos.

Veja a palestra de DAVID CANASSA na Plataforma Liderança Sustentável:

https://goo.gl/qBUfC2

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