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JULIANA NUNES

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DENISE HILLS

DENISE HILLS

Executiva de Comunicação e Sustentabilidade

Para Juliana Nunes, o engajamento nos temas de

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sustentabilidade acontece ou ainda vai acontecer

nas empresas de duas maneiras: por convicção, com vistas à otimização do uso de recursos e a ganhos de imagem e reputação, ou por necessidade, em eventuais situações de crise ambiental ou social. O fato é que a inserção do tema na agenda das companhias é cada vez mais uma questão de tempo. Pelo amor ou pela dor? A executiva recomenda o primeiro caminho.

12Sustentável por convicção

Começo este capítulo ressaltando a alegria de poder compartilhar minha experiência, conquistada ao longo de anos de trabalho e dedicação intensos, em um tema tão atual e, ao mesmo tempo, tão desconhecido: a sustentabilidade. Na minha visão, empresas que inserem o conceito de maneira transversal à estratégia dos negócios são aceleradoras efetivas da conscientização dos seus públicos de relacionamento e da sociedade como um todo. É nessa crença que me apoio para encarar, todos os dias, o desafio de desenvolver uma cultura cada vez mais sustentável tanto no ambiente corporativo quanto nas relações com stakeholders.

Estou completando quase 20 anos de atuação em sustentabilidade, trajetória iniciada na área ambiental, que foi uma grande escola para o meu desenvolvimento e evolução pessoal e profissional. No final dos anos 90, tive a oportunidade de implementar o Sistema de Gestão Ambiental

Os dois elementos mais importantes não aparecem no balanço de uma empresa: sua reputação e seus funcionários.

certificado pela ISO 14001 e meu primeiro grande aprendizado foi que sustentabilidade supera fronteiras. Isso porque,

Henry Ford

para consolidar a mudança de procedimentos e implementação de novas práticas, como reciclagem de resíduos sólidos, não basta envolver apenas o ambiente de trabalho. E já naquela época foi possível estender o programa de reciclagem para os funcionários, possibilitando que usassem uma Estação de Reciclagem (ou Ponto de Entrega Voluntária-PEV), com coletores para materiais recicláveis das embalagens pós-consumo geradas em suas residências. Com enorme adesão, implementamos um projeto-piloto nos pontos de vendas de produtos, de clientes parceiros que também já entendiam o diferencial de atuar em sustentabilidade. Os consumidores passaram a destinar para reciclagem suas embalagens pós-consumo. E atualmente são inúmeras Estações de Recicláveis existentes em diversos municípios, bairros e estabelecimentos do país. Além do benefício ambiental, vieram diretamente os benefícios social e econômico, com a participação de cooperativas de recicláveis, gerando postos de trabalho e renda, respectivamente.

Vários anos depois, com muitos relatórios de sustentabilidade, iniciativas e projetos com parceiros estratégicos, participação no desenvolvimento de novas políticas públicas como a Política Nacional de Resíduos Sólidos, experiência na Rio+20, dentre outras passagens incríveis, tive uma oportunidade ímpar de estruturar a área de Sustentabilidade em uma companhia já dotada de preocupações e iniciativas socioambientais. A partir do momento que se cria uma vice-presidência específica para o tema – com reporte direto para o CEO e integrante do board executivo da empresa –, fica nítido seu valor estratégico e sua prioridade para a organização. À governança de Sustentabilidade cabe integrar as dimensões social, ambiental e econômica na conquista de resultados, com foco na criação de valor compartilhado.

Implantada a vice-presidência, uma de nossas primeiras medidas consistiu em formar o Comitê de Sustentabilidade, um grupo multifuncional voltado à discussão de ações e projetos estratégicos para a empresa, composto por líderes das áreas de: Planejamento e Logística, Sustentabilidade, Marketing Institucional e Compliance, Finanças, Suprimentos, Comunicação Corporativa, Recursos Humanos, Marketing, Industrial, Jurídico, Segurança & Saúde Ocupacional e Meio Ambiente e Comercial. Dentre os objetivos prioritários do Comitê, estava a inserção da sustentabilidade nas mais diversas iniciativas, como renovação de frotas e automatização da logística, passando pela adoção de fontes de energia renovável, pela gestão de embalagens e também no projeto de valor compartilhado, apoiando, por exemplo, a prática de esporte (vôlei, patrocinando um time masculino profissional e as categorias de base, formadas por atletas de 14 a 21 anos, e também o desenvolvimento de crianças e adolescentes por meio do esporte).

Após a formação do Comitê de Sustentabilidade, a empresa conduziu suas ações de acordo com os temas definidos como prioritários na estratégia. A definição contou com a participação dos públicos internos e externos e com a análise dos documentos norteadores da companhia, das boas práticas adotadas na organização e no mercado e das tendências nacionais e internacionais. O resultado da consulta com stakeholders, realizada 10 meses após o início da área, resultou no desenvolvimento da matriz de materialidade (revisitada depois de um ano e meio, a partir da ampliação do corpo de respondentes com uma pesquisa online).

Como resultado da força-tarefa da área, foi publicado o Relatório de Sustentabilidade referente ao ano anterior e a empresa foi listada, antes do primeiro ano de existência da área, como uma das empresas mais sustentáveis do Brasil pelo Guia Exame de Sustentabilidade. O reconhecimento serviu como um indicador

significativo de que estávamos no caminho certo e se tornou um marco na evolução da sustentabilidade na empresa, pois o tema se concretizou em resultados que poderiam ser comunicados para fortalecer a marca institucional. Eu, em particular, confirmei uma tese: o conceito de sustentabilidade, em sua abrangência e quando realizado de forma genuína, consiste em um dos principais caminhos para a construção de dois pilares fundamentais de uma companhia, a reputação e a imagem corporativa. E se inclui aqui o Employee Value Proposition1 (EVP), fundamental para a construção do capital humano!

Outro marco na história da empresa foi a integração do time de Sustentabilidade com o de Compliance. Nesse sentido, seguimos consolidando a atuação da governança de sustentabilidade em toda a empresa. O tema passou a compor as metas de remuneração variável da liderança e o quadro de treinamentos disponíveis na escola corporativa da empresa. Criamos a Escola de Sustentabilidade, com conteúdos disponíveis para todos os funcionários, à distância. Inclusive, parte do conteúdo vem do excelente trabalho da Plataforma Liderança Sustentável.

A CRISE HÍDRICA, SEUS DESDOBRAMENTOS E LIÇÕES

Como toda trajetória tem seus desafios pelo caminho, em 2014 houve a crise hídrica que afetou todo o país e, em especial, vários municípios do interior do estado de São Paulo. Diante de um cenário caótico e desafiador, agimos rapidamente para apoiar a comunidade local e constatamos o quanto a governança de sustentabilidade, inserida no dia a dia da empresa, foi um fator decisivo para a superação daquele momento.

Superação que, somada à bem-sucedida implantação da área de Sustentabilidade na companhia, permitiu-nos compartilhar os aprendizados adquiridos ao longo dos anos com os públicos de interesse. Iniciamos o Laboratório de Água, em parceria com uma startup, para promover uma roda de conversas entre comunidade local, representantes do governo e da indústria, além de especialistas, a fim de debater iniciativas que pudessem contribuir para o uso consciente da água. E o diferencial desse grupo está no fato de cada participante colaborar como pessoa física, não como representante de sua atividade profissional, pois a crise hídrica nos mostrou claramente que todos, independentemente de sua carreira ou cargo, são atingidos da mesma forma quando o problema envolve sustentabilidade (ou a falta dela).

O próximo passo foi alinhar os temas prioritários com os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável e também com as prioridades globais da empresa. A partir dessa perspectiva, reorganizamos nossa matriz de materialidade em quatro temas principais: Meio Ambiente, Desenvolvimento Comunitário, Saúde e Bem-Estar e Consumo Responsável de Bebidas. Em torno desses eixos, construímos um conjunto de indicadores, baseados no GRI, para nos apoiar em uma gestão mais integrada, atenta aos riscos e oportunidades mais decisivos para o sucesso dos negócios.

Além disso, consolidamos o projeto-piloto de Micro Distribuidores, integrando negócio com geração de valor compartilhado. Trata-se de uma iniciativa para agilizar o processo de distribuição dos produtos. Em

1. Proposta de valor aos empregados, que contempla atributos como clima organizacional, relacionamento com superiores, proposta de entrega de produto ofertado e salário e benefícios. O EVP. na sigla em inglês, é o conjunto de características que tornam uma companhia atraente a colaboradores e futuros profissionais.

vez de contarmos apenas com distribuição de grande porte, optamos por também contar, por exemplo, com empreendedores locais, que passam a garantir a donos dos pontos de venda um atendimento mais rápido e personalizado, e à população, produtos mais frescos, qualificados, mesmo em regiões de difícil acesso. Ainda no mesmo ano, desenvolvemos o PEV (Ponto de Entrega Voluntária), em parceria com outra startup, que possibilita a troca de embalagens recicláveis por itens de cesta básica, como um “supermercado reverso”.

PELA DOR OU PELO AMOR

Minha experiência me leva a afirmar que existem duas razões para promover o engajamento com a sustentabilidade: a dor e o amor. A primeira, comumente, envolve uma situação de crise, a partir da qual uma empresa se reinventa ou desaparece. Já o amor é a forma como, cada vez mais, os líderes protagonistas têm conduzido o tema para deixar um legado. São eles os responsáveis por criar companhias influenciadoras e conquistar o apoio de funcionários e parceiros. Afinal, todos temos a missão de disseminar os pilares da sustentabilidade não somente nas corporações ou instituições, mas também no dia a dia.

Em uma análise mais pessoal, entendo que a competência mais relevante para cumprirmos esse papel de disseminação é atuarmos sempre como ouvintes, com a capacidade de nos colocarmos no lugar do outro para entender a melhor maneira de expor o tema e convencer nosso interlocutor. Já de uma perspectiva mais empresarial, sustentabilidade deve integrar claramente a missão, visão e valores da companhia, discriminando-se como ela vai refletir no comportamento de cada funcionário, no seu dia a dia.

Implementar uma governança de sustentabilidade não representa um desafio simples. Implica passar pela formação de um comitê específico, pelo processo de engajamento de stakeholders, pela parceria com formadores de opinião e instituições-referência em suas respectivas áreas de atuação, pela definição de uma estratégia e pela construção de um plano de ação para, por fim, entrar em uma etapa de monitoramento constante. Sem dúvida, um trabalho contínuo, que demanda cuidado e, acima de tudo, resiliência. Para quem ainda vai enfrentar todo esse caminho, recomendo duas ferramentas para o sucesso da empreitada: primeiramente, o exercício de elaboração do Relatório de Sustentabilidade, com base na metodologia GRI; a segunda, a participação em iniciativas externas de avaliação do tema na organização.

Para elaborar o relatório, passamos indiretamente por uma “terapia” na empresa: por meio do processo, conseguimos reconhecer as fortalezas, identificar oportunidades e aprender a enfrentar os desafios. Alguns pontos não serão imediatos e precisarão ficar mapeados para uma execução futura; outros deverão ser colocados em prática de acordo com as prioridades do momento. Já as avaliações externas servem como ótimo parâmetro para analisar se a empresa se encontra na direção correta, considerando a evolução, as melhores práticas e tendências do mercado.

Nos próximos anos, um desafio me parece imprescindível de constar no radar dos profissionais da área de sustentabilidade: o engajamento dos stakeholders – com conscientização e envolvimento dos consumidores – para a geração do valor compartilhado. Mas por que engajar? Porque cada vez mais vivenciaremos crises em razão da falta de governança da sustentabilidade e precisaremos estar atentos aos seus impactos na reputação/imagem da empresa. E o engajamento acontecerá, como já disse, pela dor ou pelo amor. Recomendo que seja pelo amor.

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