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Figura 12 - Interferência nº 2 sobre Não Me Deixe Intacto: Os Ex-Votos

4. Há alguma resposta? ou Considerações Finais

Obtive de alguns colegas artistas e não artistas com quem estudei e que frequentam a Escola de Artes Visuais do Parque Lage, imagens de interferências feitas sobre as estampas que os mesmos obtiveram na biblioteca do Parque Lage (figura 8 e figura 9). É a partir de duas dessas imagens-resposta recebidas desses colegas que eu responderei as seguintes questões: • Quais foram as angústias sobre o resultado do trabalho e de seu processo? • Há um resultado advindo do trabalho? • A ideia de dispositivo é mantida quando o trabalho chega ao público?

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Figura 11: Interferência nº 01 sobre Não Me Deixe Intacto: Os Ex-Votos

Figura 12: Interferência nº 02 sobre Não Me Deixe Intacto: Os Ex-Votos

4.1. Respostas

Obter uma resposta de um trabalho complexo como Não Me Deixe Intacto: Os Ex-Votos é uma tarefa hercúlea. Muitas foram as angústias sentidas durante o seu processo e ainda sentidas enquanto seus resultados continuam a se apresentar paulatinamente para mim. O primeiro tópico-pergunta pode ser correlacionado com o segundo e o segundo também ao terceiro. Conforme colocado perfeitamente por Marcel Duchamp, o trabalho do artista é realmente um trabalho mediúnico. Durante todo o processo de criação do trabalho eu precisei eclipsar as ideias que eram apenas racionalizadas e que por essa razão acabavam aparentemente não funcionar. Precisei também acreditar no que chamamos de intuição e que essa terminou se revelando mais objetiva do que as ideias aparentemente concebidas em um estado desperto da mente.

Apenas ao me submeter a um tatear que fui capaz de seguir integralmente ao contradispositivo criado a princípio e que foram as diretrizes que direcionaram a realização deste trabalho. Os resultados são interferências públicas e únicas sobre a imagem, mas há também quem escolheu levar o mesmo para casa e guardá-lo em uma gaveta ou emuldurá-lo e pôr como enfeite em um cômodo ou qualquer outro ambiente. É natural a disparidade de respostas e consequentemente a angústia que eles me causam como criador (ou melhor seria dizer propositor?) do trabalho. Isso é fruto de uma perda de controle sobre o mesmo. E esta perda de controle não deixa de ser também uma não edição e direcionamento da gravura. A gravura em Não Me Deixe Intacto: Os Ex-Votos está mais aberta a se tornar livre e a ser experienciada a quem assim se permitir quando em contato com ela. A omissão proposital de uma assinatura e de uma numeração, tanto quanto a não exclusão de cópias que não fossem rigorosamente similares às suas coirmãs acabaram por profanar o trabalho dos dispositivos rituais adotados pelo mercado de arte e que poderiam estabelecer as mesmas como originais, autenticas, possuidora de uma aura. Enfim, um mínimo julgamento de valor de obra de arte. Ao escolher um caminho diverso, consequentemente elas se tornaram livres e mais próximas, entretanto não alienadas. Tornaram-se dispostas a receber respostas, qualquer interferência, através do convite formalizado em um simples carimbo em seu verso: não me deixe intacto. Angustiante para um artista-propositor é ser visualizado ou ignorado como o trabalho é, ser achincalhado ou ver reconhecido o fruto de suas considerações e esforço. Assim, o resultado do trabalho pode ser também entendido como um crescimento desse mesmo artista-propositor para desdobramento em trabalhos futuros. Podemos igualmente dizer que a ideia de dispositivo ou se preferirem de contradispositivo é mantida quando chega ao publico tanto quanto não é mantida através dessa mesma visualidade ou indiferença que se materializa. Dessa maneira, faço um paralelo da duplicidade dos coração espelhados (tanto quanto do uso das cores e das técnicas na estampa utilizadas) com uma possível resposta positiva e outra negativa do trabalho. Assim como nas leituras que o pautaram essa tensão entre uma coisa e outra sempre existiu, nele também não existe uma resposta única mas ramificada. Ele é original ainda sendo indefinidamente multiplicado, a qualquer instante. Se sua matriz

serigrafica se destruir, ela poderá dar origem a outra exatamente igual, pois foi finalizada durante o processo de criação de sua matriz através de uma ferramenta digital, do uso de um computador pessoal, que utilizou o escaner de trabalhos manuais anteriores para criar o que agora consideramos como original: a matriz. Ele não é original justamente por ser fruto de uma série de retalhos de pensamentos e técnicas. Sujeito a reprodução indefinidamente e sem carregar nenhum símbolo tradicional de autenticidade (assinatura, numeração). E também por não excluir de seu conjunto as pequenas imperfeições surgidas no momento em que eram confeccionadas. Mas tais colocações correspondem justamente aos contradispositivos que o originaram e portanto, corresponde ao que se pretendia. Logo são um tipo diferente de imagem gráfica, pensadas para não obedecerem as convenções e é isso que as tornam autênticas.

5. REFERÊNCIAS BIBLIOGRAFICAS

AGAMBEN, Giorgio. O Que É O Contemporâneo? e Outros Ensaios. Tradução Vinícius Nicastro Honesko. Chapecó: Editora Argos, 2009.

ARGAN, Giulio Carlo. Arte Moderna. Tradução de: Denise Bottmann e Frederico Carotti. São Paulo: Editora Martins Fontes, 2010.

BENJAMIN, Walter. A Obra de Arte na Época de sua Reprodutibilidade Técnica. Tradução de: Sérgio Paulo Rouanet. Magia, Técnica, Arte e Política. Ensaios sobre literatura e história da cultura. Obras Escolhidas. Volume 1. São Paulo: Editora Brasiliense, 1996.

CABANNE, Pierre. Marcel Duchamp, Engenheiro do Tempo Perdido. Tradução de António Rodrigues. Lisboa: Assírio & Alvim Editora, 1990.

CATAFAL, Jordi; OLIVA, Clara. A Gravura. Lisboa: Editora Editorial Estampa, 2003.

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