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desaparecer na juventude contemporânea
Vinícius Romagnolli
Psicólogo clínico (CRP 08/16521), historiador e poeta. Doutorando em Psicologia pela UNESP.
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Amanda Boll
Graduanda em Psicologia pela PUCPR e membra do Instituto Psicologia em Foco.
ISOLAMENTO NA PANDEMIA E A TENTAÇÃO DE DESAPARECER NA JUVENTUDE CONTEMPORÂNEA
Em 1930, Freud em sua obra “Mal-estar na civilização” apontava que o isolamento deliberado e o afastamento dos demais é a salvaguarda mais disponível contra o sofrimento que resulta das relações humanas (FREUD, 1930/2010). Quase cem anos depois, o sociólogo David Le Breton leva adiante a pista legada pelo pai da psicanálise e investiga em sua obra “Desaparecer de si: uma tentação contemporânea” (2018) levou a esse tipo de conduta.
Le Breton (2018) aponta para um sentimento recorrente entre jovens, que é o de se ausentar-se de si mesmo quando a existência pesa. Para o autor esse estado das coisas é acentuado pelo cenário contemporâneo marcado pela individualização do sentido que liberta da tradição e valores comuns, fragilizando os vínculos sociais convocando cada um a fruir de sua autonomia ou então sentir-se insuficiente e fracassado quando não alcança seus intentos. Ao não encontrar apoio na comunidade, os jovens contemporâneos estariam às voltas com uma tensão constante e uma aspiração por alívio de tal pressão, algo que o Le Breton chama de “tentação de desligar-se de si” com vistas a fugir das exigências e preocupações (LE BRETON, 2018).
Numa sociedade da agilidade, espera-se que o sujeito seja maleável e adaptável, capaz de construir-se permanentemente. Para Le Breton (2018):
A velocidade, o fluxo dos acontecimentos, a precariedade do emprego, as mudanças múltiplas impedem a criação de relações privilegiadas com os outros e isolam o indivíduo. Apenas a continuidade, a solidez do vínculo social e seu enraizamento possibilitam criar amizades duradouras e, portanto, formas de reconhecimento no cotidiano (LE BRETON, 2018, p.11).
Voltando para a “tentação” de desconexão com o mundo, Le Breton aponta algumas atividades que se prestam a esse fim, tais como: atividade física, lazer, vida noturna ou qualquer uma que possibilite ser um personagem diferente daquele que se representa no cotidiano, que possibilita estar distante por algum tempo, afastando-se da rotina e experimentando um anonimato sem exigências de identidade. Essa evasão do cotidiano e suas exigências performáticas pode ser um convite a interioridade via leitura, meditação, música ou sono, um recurso para aliviar a tensão. Le Breton aponta, no entanto, para momentos em que esse estado inspira preocupação como no caso das depressões, burnout e do colapso dos vínculos.
Em trabalho recente de Gomes e Boll (2020) foram analisadas duas obras cinematográficas que representavam o adolescente no século XXI, a saber: Cisne Negro (EUA, 2010) e As vantagens de ser invisível (EUA, 2012). Ambas abordam questões acerca do “desaparecimento de si” durante a adolescência. A obra de Le Breton (2018) nos auxiliou nessa análise no que diz respeito às formas de apagamento de si. Sabemos que diante da separação e diferenciação dos pais, os adolescentes se veem em busca de um lugar no mundo, criando sua própria subjetividade e seus valores. Em busca de referências disponíveis, os adolescentes visam um sentimento de pertencimento e quando isso não ocorre se deparam com uma intensificação do desamparo (que já é característico do processo adolescente).
adolescente).
Os protagonistas dos filmes analisados, Nina e Charlie, são jovens que quando desprovidos de olhares e aprovações externas acabam por se fechar em relação ao meio externo. Le Breton (2018) a adolescência contemporânea tem sido marcada por dificuldades no processo de identificação de si no meio social. Os jovens se queixam constantemente da obrigatoriedade da representação, podendo adquirir um caráter evitativo, buscando meios para fuga de suas realidades com vistas a um desaparecimento literal, cujo objetivo é deixar suas existências mais leves.
Assim sendo, vemos em Cisne Negro e As vantagens de ser invisível a questão da supressão da realidade ligada à dificuldade de crescer e se compreender neste processo. É notável o caráter infantilizado e o desamparo de referências dos personagens Nina e Charlie, o que os leva a uma maior vulnerabilidade e a busca por um desligamento de si. Ambos se utilizam de um mecanismo de defesa por meio da esquiva e têm dificuldade de construção de laços sociais. Sem laços com o mundo externo, não há necessidade de sustentar um papel identitário, o que gera o fechamento em si mesmo e traz uma pretensa sensação de segurança e proteção (LE BRETON, 2018).
A respeito do fechamento em si abordado, Gomes (2020) postula que a falta de abertura ao mundo externo denuncia a precariedade das relações contemporâneas, marcadas por solidão e isolamento, consequentes da cultura e da época atual. O autor aponta o fechamento dos sujeitos em um ambiente “seguro” e narcísico no qual estes se relacionam apenas com seus semelhantes, não se tornando suscetíveis às consequências da relação com um outro diferente, tais como frustrações, expectativas e limitações (aspectos que são de grande importância para o desenvolvimento de relacionamentos e um psiquismo saudáveis). No personagem Charlie, vemos essa falta de contato e identificação com os pares o levar ao fechamento em sua casa, onde julga estar seguro e protegido de experiências externas que podem vir a frustrá-lo (CORSO, 2018).
O processo adolescente suscita questões fundamentais para a análise da subjetivação no cenário contemporâneo. Temas como: solidão, isolamento e o “desaparecer de si” como produtos de tempos performáticos e compulsivos aparecem com frequência na escuta clínica e merecem um debate amplo que articule a psicanálise com questões sociais mais amplas, daí a importância da obra do sociólogo Le Breton citado neste estudo.
Referências
As vantagens de ser invisível. Direção: Stephen Chbosky, Produção: Russell Smith. EUA: Summit Entertainment, 2012.
Cisne Negro. Direção: Darren Aronofsky, Produção: Scott Franklin; Mike Medavoy; Arnold Messer e Brian Oliver. EUA: Fox Searchlight Pictures, 2010.
BOLL, A. GOMES, V. R. R. O retrato cinematográfico do adolescente nos anos 2010: uma leitura psicanalítica. Relatório de pesquisa. PUC-PR (Câmpus Maringá). 2020.
CORSO, D.; CORSO, M. Adolescência em cartaz: filmes e psicanálise para entendê-la. Porto Alegre: Artmed, 2018.
GOMES, V. R. R. Medianeras: Buenos Aires na era do amor virtual: reflexões sobre as relações contemporâneas. In: MAIA, Bruna Bortolozzi; OKAMOTO, Mary Yoko. Leituras sobre a sexualidade em filmes: psicanálise e vínculos (v.3), São Carlos: Pedro & João Editores, 2020.
LE BRETON, D. Desaparecer de si: uma tentação contemporânea. Petrópolis – RJ: Vozes, 2018.
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