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Saudosa realidade
Luana Ramos Rocha
Graduada em Psicologia pela Universidade Estadual de Maringá (2017) e em Letras Português/Inglês pelo Centro Universitário Cesumar (2020). Pós-graduada em Tecnologias Aplicadas ao Ensino a Distância pelo Centro Universitário Cidade Verde (2020). Graduanda em Pedagogia pela Universidade Cesumar e Pós-graduanda em Tradução e Revisão de Textos em Língua Inglesa pela Faculdade Unyleya.
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Fevereiro de 2020. Tudo mudou. O Brasil se vê dentro da grande teia do coronavírus, que vinha afetando diversos países ao redor do mundo. Começou-se a obrigatoriedade do uso das máscaras e também a “prisão domiciliar” . O vírus tirou a nossa liberdade de ir e vir.
Essa mudança abrupta da realidade pessoal ocasionou um impacto grandioso na saúde mental (GAMEIRO, 2020). Temos vários novos diagnósticos de depressão e ansiedade, pessoas que não conseguem mais lidar com o que a Covid-19 causa e o fato de precisar se distanciar de pessoas queridas e da vida que era tida anteriormente.
Algumas requisições referentes ao sanitarismo foram trazidas, tais como: o adiamento de eventos esportivos, o cancelamento de festas e, o que mais afetou a população, o impedimento de sair socialmente. Sem dúvida, esse afastamento causa certo desconforto e demanda muita paciência. Alguns recursos utilizados como forma de passatempo são os “exercícios físicos, leituras, filmes, meditações, orações, práticas amorosas, manutenção da casa” (BITTENCOURT, 2020, p. 171). Diante dessa realidade, a população sentiu uma necessidade ainda maior de usar as redes sociais, na expectativa de compartilhar seu cotidiano (PERROTTA; CRUZ, 2021) e sentir-se mais próxima dos amigos, tal qual era quando convivíamos em sociedade, sem tantas privações.
Todo esse contexto me faz lembrar de um autor que tenho muito apreço – Augusto dos Anjos – e de um de seus sonetos, chamado "saudade" .
Pintura de Augusto dos Anjos por Flávio Tavares
Hoje que a mágoa me apunhala o seio, E o coração me rasga atroz, imensa, Eu a bendigo da descrença, em meio, Porque eu hoje só vivo da descrença.
À noute quando em funda soledade Minh’alma se recolhe tristemente, P’ra iluminar-me a alma descontente, Se acende o círio triste da Saudade.
E assim afeito às mágoas e ao tormento, E à dor e ao sofrimento eterno afeito, Para dar vida à dor e ao sofrimento,
Da saudade na campa enegrecida Guardo a lembrança que me sangra o peito, Mas que no entanto me alimenta a vida.
A mágoa da doença apunhalou nosso seio, rasgando-o e tirando qualquer fé de que as coisas pudessem melhorar. Em meio ao isolamento, temos saudade e nos recordamos tristemente de tudo que vivíamos em tempos melhores. Nesse meio, nos apegamos à dor e ao sofrimento do luto, da perda de familiares, amigos queridos e vida antiga.
No entanto, agarrados à saudade e à esperança da vacinação, nos lembramos da pré-pandemia, com toda liberdade, aglomerações, festa, vida, animação e preocupações saudáveis. E é isso que nos mantêm firmes. A saudade que alimenta a vida e a expectativa de cura e dias melhores.
A vacina chegou como uma esperança e uma expectativa do fim de todo esse momento triste. Entretanto, segundo Bittencourt (2020, p. 170), “Países que, por irresponsabilidade governamental e motivos antissociais, demoraram a realizar medidas de controle epidêmico sofrem as consequências dessa hesitação capital” . Infelizmente, esse é o caso em que o Brasil se encontra.
Enquanto o governo demora a fazer a parte que lhe cabe, continuamos fazendo a nossa parte. Use máscara. Se puder, fique em casa. Nos resta agarrar-nos à saudade que alimenta a vida e esperar pelo dia em que a Covid-19 será lembrança e essa saudade se tornará a realidade. Saudosa realidade.
Referências
ANJOS, A. dos. Saudade. In: ANJOS, A. dos. Eu e outras poesias. 42. ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1998.
BITTENCOURT, R. N. Pandemia social e colapso global. Revista Espaço Acadêmico, n. 221, p. 168-178, mar./abr. 2020.
GAMEIRO, N. Depressão, ansiedade e estresse aumentam durante a pandemia. FioCruz, 2020. Disponível em:
https://www.fiocruzbrasilia.fiocruz.br/depressao-ansiedade-e-estresse-aumentam-durante-a-
pandemia/.
PERROTTA, I.; CRUZ, L. S. Objetos da quarentena: urgência de memória. Estud. Hist., Rio de Janeiro, v. 34, n. 73, p. 320-342, maio/ago. 2021.