Ed 45: outubro 2021

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Jornal Psicologia em Foco Nº 45 - ISSN 2178-9096

Vinícius Romagnolli

Amanda Boll

Psicólogo clínico (CRP 08/16521), historiador e poeta. Doutorando em Psicologia pela UNESP.

Graduanda em Psicologia pela PUCPR e membra do Instituto Psicologia em Foco.

ISOLAMENTO NA PANDEMIA E A TENTAÇÃO DE DESAPARECER NA JUVENTUDE CONTEMPORÂNEA Em 1930, Freud em sua obra “Mal-estar na civilização” apontava que o isolamento deliberado e o afastamento dos demais é a salvaguarda mais disponível contra o sofrimento que resulta das relações humanas (FREUD, 1930/2010). Quase cem anos depois, o sociólogo David Le Breton leva adiante a pista legada pelo pai da psicanálise e investiga em sua obra “Desaparecer de si: uma tentação contemporânea” (2018) levou a esse tipo de conduta. Le Breton (2018) aponta para um sentimento recorrente entre jovens, que é o de se ausentar-se de si mesmo quando a existência pesa. Para o autor esse estado das coisas é acentuado pelo cenário contemporâneo marcado pela individualização do sentido que liberta da tradição e valores comuns, fragilizando os vínculos sociais convocando cada um a fruir de sua autonomia ou então sentir-se insuficiente e fracassado quando não alcança seus intentos. Ao não encontrar apoio na comunidade, os jovens contemporâneos estariam às voltas com uma tensão constante e uma aspiração por alívio de tal pressão, algo que o Le Breton chama de “tentação de desligar-se de si” com vistas a fugir das exigências e preocupações (LE BRETON, 2018). Numa sociedade da agilidade, espera-se que o sujeito seja maleável e adaptável, capaz de construir-se permanentemente. Para Le Breton (2018): A velocidade, o fluxo dos acontecimentos, a precariedade do emprego, as mudanças múltiplas impedem a criação de relações privilegiadas com os outros e isolam o indivíduo. Apenas a continuidade, a solidez do vínculo social e seu enraizamento possibilitam criar amizades duradouras e, portanto, formas de reconhecimento no cotidiano (LE BRETON, 2018, p.11).

Voltando para a “tentação” de desconexão com o mundo, Le Breton aponta algumas atividades que se prestam a esse fim, tais como: atividade física, lazer, vida noturna ou qualquer uma que possibilite ser um personagem diferente daquele que se representa no cotidiano, que possibilita estar distante por algum tempo, afastando-se da rotina e experimentando um anonimato sem exigências de identidade. Essa evasão do cotidiano e suas exigências performáticas pode ser um convite a interioridade via leitura, meditação, música ou sono, um recurso para aliviar a tensão. Le Breton aponta, no entanto, para momentos em que esse estado inspira preocupação como no caso das depressões, burnout e do colapso dos vínculos. Em trabalho recente de Gomes e Boll (2020) foram analisadas duas obras cinematográficas que representavam o adolescente no século XXI, a saber: Cisne Negro (EUA, 2010) e As vantagens de ser invisível (EUA, 2012). Ambas abordam questões acerca do “desaparecimento de si” durante a adolescência. A obra de Le Breton (2018) nos auxiliou nessa análise no que diz respeito às formas de apagamento de si. Sabemos que diante da separação e diferenciação dos pais, os adolescentes se veem em busca de um lugar no mundo, criando sua própria subjetividade e seus valores. Em busca de referências disponíveis, os adolescentes visam um sentimento de pertencimento e quando isso não ocorre se deparam com uma intensificação do desamparo (que já é característico do processo adolescente).


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