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No compasso do tempo
from CDM 54 - Digital
A Sociedade Recreativa Internacional Água Verde abre sua história de vida
Carolina de Andrade Gabriel Dittert Thais Porsch Gabriela Savaris
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Ao entrar na sala, o cheiro de cloro fica para trás. Comparado ao cômodo anterior, este é mais espaçoso a ponto de caber um sofá preto, uma pequena mesa com quatro cadeiras, e uma maior que, nota-se pelo tamanho e o amontoado de papéis em cima, pertencer ao cargo do presidente da Sociedade Recreativa Internacional Água Verde. Atrás dela está um senhor de cabelos brancos finos penteados para trás e um sorriso no rosto de quem não parece ter chegado aos 82 anos.
“Veja, é por tradição nossa aqui, que o vice vire presidente. Isso acontece há vários anos.”, justifica o senhor Rubens da Cunha ao ocupar o mais alto cargo executivo da Sociedade Recreativa Água Verde. Vestindo uma polo cujo tamanho parece ser dois números maior do que seu, Cunha parece animado em receber visita para contar um pouco sobre a bem para o corpo, para alma, e para o espírito.” Acabou se tornando assíduo dos bailes que ocorrem sextas e sábados, e onde todo mundo se conhece e enche de gente. Domingo chega a ter mais de mil pessoas dançando nos salões.
Antes de sair da sala, Cunha entrega um panfleto em que diz que aniversariante do dia ganha um bolo. Porém já teve gente que se aproveitou a promoção. “Já aconteceu de o cara chegar aqui 4 horas da tarde, pegar o bolo e não ficar para o baile”, reclama rindo. Agora eles convencionaram que o bolo seja entregue às 9 da noite no baile da última semana do mês, após o parabéns..
história da instituição. “Eu sou sócio aqui do Água Verde uns 30 e tantos anos, mas não os bailes. Eu frequentava aqui para jogar bocha”, ressalva, rapidamente, antes que escape um juízo de valor.
Cidadãos e fundadores em frente a Sociedade no século XIX.
Viúvo há 20 anos, Cunha começou a frequentar os bailes sob a prescrição do médico, e não parou mais. “O médico falou para dançar todos os dias. Faz Após a reforma que foram obrigados a fazer por causa do incêndio, há dois anos, em um dos salões foi colocado taco de madeira, por pressão do público. Segundo Cunha, é para eles dançarem e baterem o pé. Ele faz uma demonstração alegre na pista vazia fazendo jus ao barulho que
Cunha precisa pegar no corrimão para subir a escada até onde fica o bar da casa e os salões. Não parece dia com a penumbra intencional do lugar.
“Achei tudo muito diferente dois bailes que eu era acostumada a ir, lá no interior não podia dançar sozinha, os meninos tinham que chamar.” Rosangela Wolff - cuidadora
causa no salão. “Aqui até algumas mulheres vêm vestidas com moda gaúcha.”
Uma música sertaneja dos anos 1990 ressoa no outro lado de uma sala aba- fada em que fica disposto um bar com um balcão de madeira, um caixa, e al- gumas mesas dispostas com cadeiras de ferro. O som vem do outro salão. Lá se veem alguns casais já dançando, sem percepção do tempo. Homens e mulheres que há muito já passaram da mocidade, mas que sabem mexer seus pés no ritmo da música como se tivessem nascido com o dom.
Cunha corrige a si próprio ao apon- tar que já era presidente, e não vice, quando o incêndio aconteceu, em no- vembro de 2017. Relembrando os mo- mentos anteriores, relata que os bai- les já tiveram a presença de artistas famosos, mas que, após a reforma, destruiu tudo. “Os bombeiros contam que esqueceram uma panela ligada na cozinha arrendada.” O incidente fez a sociedade ficar fechada até maio do ano seguinte.
O clube sobrevive, basicamente, dos bailes, já que a entrada é paga para aqueles que não são associados, e também da academia ao lado, que também foi arrendada. Cada asso- ciado paga R$ 70 por mês. “São 140, 150 associados, mas só 30 ou 40 que chegam a votar nas reuniões”.
“Às vezes nós distribuímos isso aqui.” Ele entrega um cartão. “Nós damos um convite para o pessoal vir para o baile, porque tem gente que não tem dinheiro.” Ali está escrito ‘Convite VIP’. É uma entrada de graça para qualquer dia que tenha baile.
BAILE DE ENCONTROS
Rosangela Wolff, mas conhecida por todos como Rô, parou de lavar a louça quando perguntei há quanto tempo ela frequenta os bailes da Sociedade Água Verde. “Eu? Faz...Faz 14 anos”, disse ela.
A Sociedade Recreativa Internacional Água Verde existe desde 1905. Em seu site, a sociedade afirma que os bailes acontecem sempre de quinta-feira a domingo, e avisa que “é proibido: entrar de bermuda, chinelo, sandália, boné, chapéu, camisa de time, regata, agasalho e tênis”. Os jovens de hoje que tentassem entrar no salão, prova- velmente seriam barrados.
Rô é empregada doméstica e trabalha na mesma casa há mais de 20 anos. Mesmo depois de a senhora para quem trabalhava morrer, em 2015, ele continuou trabalhando lá e cuidan- do do filho excepcional da idosa, junto com uma outra cuidadora.
Ela nunca deixou de aproveitar os fins de semana que tinha livre e, quando indagada se tinha conhecido o marido dela nos bailes fala: “Conheci”, rindo nervosamente. Conta que chegou ao baile com as amigas, assíduas fre- quentadoras, mas não havia mesa. “A garçonete, a Eliane na época, ela foi e falou com ele, que estava sozinho numa mesa. E pediu se podíamos sentar lá.”
O então futuro marido de Rô apenas disse: “Só tem um problema: eu bebo, fumo e danço.” E ela retrucou: “Isso não tem problema que a gente tam- bém faz”. Porém, o primeiro encontro não a conquistou logo de cara. O ho- mem que havia dito que dançava tinha na verdade dois pés esquerdos.“Você dança coisa nenhuma, falei a ele. Conheci ele em fevereiro, em junho começamos a namorar.”
A cuidadora e doméstica revela que já foi outros bailes, mas não gostou de nenhum, se familiarizou mesmo com o Água Verde, bairro onde também trabalha. Rô e seu marido frequentam até hoje, mas sua última passada por lá não a agradou muito: “Era horrível a banda, a garçonete disse que tava mais pra velório do que pra baile”.
Quando a Rô chegou a Curitiba, houve uma espécie de choque com a moder- na capital. “Achei tudo muito diferente dois bailes que eu era acostumada a ir, lá no interior não podia dançar so- zinha, os meninos tinham que chamar. Hoje, já pode, tem até mulher dan- çando com mulher. Bom, hoje em dia tá tudo assim mesmo”, desabafa ela. Mas salienta para que não fique ne- nhum mal entendido: “Eu não. Mesmo aqui eu sento e fico ali, vou dançar na pista só. Esse negócio de ficar rebo- lando não é comigo”.