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Dermatites: de dentro pra fora

Doenças de pele que, além de machucarem, trazem como um dos principais efeitos colateriais a baixa autoestima

Por Beatriz Tedesco, Camille Casarini e Fernanda Xavier

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Adermatite é uma doença que afeta inúmeras vidas e acaba mudando, inclusive, a vida de famílias. Um exemplo é Mary Hellen Poli, mãe de uma adolescente de 15 anos. Conta da dificuldade que enfrentou com a filha na época em que a garota ainda tinha 14 anos e nenhum médico a diagnosticou corretamente. “No começo, ninguém sabia dizer o que era. Ela chegou a usar vários produtos fortes, inclusive sabão de pedra e permanganato de potássio. Não sabíamos o que era.”

Outro caso é o da jovem Stephane Laynez, 23 anos, arte-educadora. Ela conta que descobriu a doença após ter uma crise grande dos 15 aos 17 anos. “Foram dois anos em que eu ia a médicos e ficava sem resposta. Somente o último médico acertou no diagnóstico e no tratamento. Hoje eu sei o que me afetou na época. Foi um momento bem delicado da minha vida.” “É autoimune, é de dentro pra fora. Por isso, a lógica é tratar de dentro para fora também.” - Mary Hellen Poli, servidora pública

A arte-educadora conta que o tratamento auxiliou para que ela voltasse a ter uma vida normal novamente, e cita como exemplo tomar banho que antes era muito doloroso.

Já Gabriel Zaninelli, 21 anos, é ilustrador, designer gráfico e teve sinais da doença desde seus primeiros anos de vida. Assim, desde cedo apresentou inflamações e ressecamento na pele.

“Durante minha infância meu quadro não era grave. Apesar dos hidratantes recomendados não funcionarem, eu não me queixava. Fui uma criança como qualquer outra.”

Contudo, conforme foi crescendo, Gabriel começou a precisar de mais cuidados, que nem sempre foram efi- cazes. Então buscou os mais variados tratamentos alternativos vendo que os dos médicos não funcionavam sempre. A espiritualidade foi um deles.

“Me ajudou muito. Mas, por outro lado, me trouxe uma positividade tóxica. Passei a acreditar em curas milagrosas. Quando voltei para o mundo real e percebi que as coisas não são tão simples, entrei em uma depressão profunda. Precisei buscar ajuda de um psiquiatra. Isso me auxiliou muito.”

A filha de Mary também sofreu durante o processo de tratamento. Quando algumas feridas se espalharam pelo corpo e ficaram em carne viva, a adolescente começou a tomar antibióticos. E, para não se contaminar, parou de ir para a aula e passou os últimos três meses de 2018 em casa.

Por fim, após a realização de uma biópsia, a jovem foi diagnosticada com dermatite espongiótica. A mãe, então, a levou a um alergologista. Vendo que não tinha melhora, ela decidiu procurar grupos que falassem sobre o assunto na internet. Entrou então em um grupo do Facebook, que possuía mais de 20 mil membros.

Gabriel e Stephane também participam do grupo que Mary entrou. Nele, a mãe conseguiu encontrar diferentes tipos de tratamentos indicados pelos membros. E, após algumas tentativas, achou uma combinação de medidas que acabou melhorando 80% do corpo da filha. A mãe conta que ela não é de mostrar sua autoestima abalada, mas, nas férias, ficou constrangida de ir para a praia. “Então, eu disse para ela que ninguém a conhecia ou pagava as suas contas, assim ninguém podia julgá-la. Até por que não tinha motivo para sentir vergonha da situação.”

O ilustrador conta que a doença o privou de inúmeras coisas, como sair de casa. “Se estou em crise, não boto o pé pra fora”. Além disso, Gabriel já pediu demissão de dois empregos por conta do estresse que acabava o afetando. “Algumas vezes preciso usar roupa de frio em dias quentes para não mostrar a pele, e em outro preciso tirar roupas quentes por conta do excesso de calor que faz coçar.”

Já Stephane conta que, muitas vezes, a pele machucava com a roupa, o que fazia com que muitas pessoas perguntassem o que era e acabavam se afastando por temer ser algo contagioso: “Uma vez um homem se recusou a sentar ao meu lado no ônibus por achar que era algo transmissível e relacionado com a falta de higiene”.

“As manchas e o jeito que as pessoas me olhavam ainda me machucava muito. Mas com o tempo, vi que minhas necessidades com o meu corpo deveriam vir acima de tudo. Hoje minha relação comigo mesma é o que dou mais valor.” Contudo, Stephane conta que a doença fez ela perceber como é importante perceber os sinais do corpo, e dar atenção.

Como tem a doença desde que nasceu, ao contrário da filha de Mary e da arte-educadora, Gabriel fala que a doença o fez ter uma visão deprimente da vida. “É uma grande tortura. Não consigo viver e não consigo morrer. Já perdi a esperança de ter relacionamentos, tenho vergonha de todos. Fico fechado no meu quarto.”

Ele aconselha que as pessoas que possuem a doença procurem por algo que lhes dê algum prazer, como a arte é para ele. Além disso, ele ressalta a busca pela ajuda psicológica/psiquiátrica, “indispensável”.

Mary Hellen é um caso que acabou enxergando algo além da doença, ela aprendeu muito com a doença da filha.“É autoimune, é de dentro pra fora. Por isso, a lógica é tratar de dentro para fora também.”

A dermatologista Michelle Pontes conta que os principais sintomas da dermatite são vermelhidão, coceira e descamação da pele. Os tipos mais comuns da doença são: dermatite atópica, dermatite de contato, dermatite perioral e eczema numular (ver quadro abaixo). Ela afirma que o diagnóstico e realizado por meio de exame clínico e somente quando há dúvida diagnóstica pode ser solicitada a biópsia da pele.

Michelle explica que os principais tratamentos para a dermatite são o uso de corticoides tópicos, cremes hidratantes, orientações sobre banhos e afastamento de substâncias que possam ser responsáveis pelo desencadeamento da doença, no caso da dermatite de contato. “Em alguns casos, podem ser necessárias medicações orais como imunossupressores e até medicamentos biológicos.”

Segundo a especialista, a dermatite pode ser desencadeada ou piorada por estresse emocional, ansiedade e depressão, por isso, cuidar da saúde psicológica também é muito importante no tratamento contra a doença.

A dermatologista orienta que quando uma criança ou adulto suspeitar de alguma alteração na pele, seja ela vermelhidão, coceira ou descamação, deve procurar um médico dermatologista para o diagnóstico correto e orientações e tratamentos direcionados para cada pessoa, pois, segunda ela, existem vários tipos de dermatite e os tratamentos não são os mesmos.

Michelle ressalta que o uso de cremes corticoides deve ser muito bem orientado, pois eles causam vários efeitos colaterais. E também destaca que infecções podem vir junto com a dermatite, sendo necessário, muitas vezes, o uso de antibióticos. “Sempre procurar um especialista e seguir suas orientações é a melhor dica.”

A psicóloga Odivânia Krüger, especializada em terapia cognitiva Comportamental, participou de uma pesquisa com grupos de famílias com crianças que tinham dermatite, no Hospital Evangélico, em Curitiba. Ela comenta que existe um programa chamado de escola de atopia, onde participam os pais e crianças com dermatite e afirma que dermatite causa um sofrimento psicológico para toda a família. “As crianças são discriminadas na escola, porque a doença é pouco conhecida e imaginam que é algo contagioso. Muitas professoras reclamando para os pais, falando que não têm cuidado com a criança”, disse ela.

Krüger comenta que essa reação das pessoas causa um sofrimento, não só para a criança, pois compromete a socialização, fazer amigos e ter relacionamentos, mas também para os pais, que recebem críticas dos outros por falta de cuidado com a criança. “Para

as mães é difícil, porque elas veem a situação e não têm o que fazer. Como é uma doença crônica, é bem complicado, gera um sofrimento para toda a família.”Ela fala sobre o olhar das outras pessoas para os portadores da doença e acabam evitando situações como ir a praia e usar roupa curta.

“Sempre procurar um especialista e seguir suas orientações é a melhor dica.” - Michelle Pontes, dermatologista

Em casos de dermatite, é comum existir um componente emocional, de acordo com a psicóloga. “Normalmente, quando a família está passando por alguma crise ou dificuldade, acabam piorando as crises, aumenta a coceira, piora o estado geral da doença e isso afeta a autoestima da pessoa.” Conta que algumas das principais queixas recebidas são relacionadas a áreas que ficam expostas como pescoço e colo. As feridas ficam com aspecto avermelhado ou esbranquiçado, há vezes em que surgem espécies de feridas, crostas.

Odivânia afirma que o ideal é que além do acompanhamento médico, seja feito um psicológico, pois existem casos onde a terapia acabou favorecendo para o desaparecimento dessa doença. “Às vezes, um adulto pensa que fez algo de errado, sendo um defeito do corpo mas esquecem que é um fator genético, biológico, agravado pelo emocional, mas não é um castigo ou algo que fez de errado.” Ela lembra que conflitos familiares dentro de casa podem piorar o caso, por isso é importante que todos sejam tratados.

A baixa autoestima pode se somar a outros fatores e, um dia, desenvolver depressão e outros problemas. “Causa um sofrimento psíquico para a pessoa, que não tem amor próprio, se cobra muito, tende a ser mais perfeccionista. O ideal é que ela faça terapia para que consiga ter uma relação diferente consigo mesma”, finalizou a psicóloga.

• Tipos mais comuns de demratite

Dermatite atópica: apresenta erupções na pele que coçam e apresentam crostas. Seu surgimento é mais comum nas dobras dos braços e na parte de trás dos joelhos. Pode vir acompanhada de rinite alérgica ou asma.

Dermatite de contato: reação inflamatória na pele que acontece por conta da exposição a um componente que causa alergia ou irritação. Seus principais sintomas são: vermelhidão, coceira, erupção cutânea e descamação. Não é contagiosa e geralmente aparece mais nas mãos e rosto.

Dermatite perioral: aparece na região da face, principalmente ao redor da boca e nariz. Pode evoluir para a região ao redor dos olhos, quando passa a ser denominada dermatite periocular.

Eczema numular: é caracterizada por placas de eczema simétricas que aparecem em várias partes do corpo. Esse tipo de dermatite é mais frequente no inverno por conta do ressecamento da pele.

Vale ressaltar que a dermatite pode ocorrer em todos os tipos de pele!

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