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Heróis da madrugada
from CDM 54 - Digital
Todas as noites, pessoas abdicam seu sono para socorrer quem precisa
Horários comerciais não são suficientes quando uma emergência acontece. Por isso, existem profissionais que se disponibilizam a atender em horas incomuns, principalmente de madrugada. Muitos nem recebem pelas horas extras que fazem, mas continuam atendendo, simplesmente, por amor à profissão. Beatriz Tedesco Camille Casarini Fernanda Xavier
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Esse é o caso de Reinaldo Batista, pastor há 23 anos, além de ser teólogo e professor de Teologia. Costumeiramente, ele é chamado durante a madrugada por pessoas desesperadas que estão passando por algum problema, como conflitos familiares, doenças, tentativa de suicídio e morte. Não importa a hora nem o local: quando recorrem a ele, ele vai. Na maioria das vezes, Reinaldo vai acompanhado de outro pastor para aconselharem e darem apoio espiritual às famílias.
O pastor conta que já aconteceu de precisar ir visitar uma família por duas semanas seguidas, todas as madrugadas, para orar e aconselhar e isso o marcou. “Também já aconteceu de eu passar a madrugada inteira conversando e aconselhando uma família e, às 7 horas, ter que ir dar aula até o meio-dia.”
Batista destaca que sempre orienta quem atende a buscar ajuda médica, psicológica e psiquiátrica quando necessário. “Nós fazemos a parte espiritual e sempre conversamos com a família para que, se preciso, seja feito o encaminhamento a um profissional da saúde. Grande parte das pessoas precisa de tratamento médico.”
Reinaldo afirma que o que o motiva a ter esse esforço e aceitar atender as famílias na madrugada é o amor de Deus e a certeza de que foi chamado para cuidar de pessoas. “O amor de Deus é o principal. Se não fosse isso, acho que eu não faria.” Quando o pastor volta para casa após um atendimento de madrugada, a gratidão vence o cansaço. “Eu tenho a sensação de dever cumprido, sinto que a minha parte eu fiz. Sempre valeu a pena e sempre vai valer.”
Marco Aurelio Iurk hoje trabalha como professor, mas anteriormente era policial militar. Ele conta que sua escala era intercalada entre dias e noites, com folgas de 24 horas entre os turnos e depois se repetia novamente.
Beatriz Tedesco
“Era uma escala que tinha suas ‘vantagens’, permitia que pudesse fazer serviços extras, o famoso ‘bico’.” Para Iurk, os dias mais complicados para trabalhar à noite eram os de confrontos armados e prisões em flagrante, pois sempre ultrapassavam do horário de saída, geralmente às 8 horas, quando outras equipes chegavam. Dentre as muitas, ele lista algumas dificuldades de trabalhar nesse turno, como frio, fome, sono e a dificuldade de conciliar estudos, mas acredita que toda essa rotina acostuma. Segundo o ex-policial, devido ao fato de a escala ser alternada, ou seja, com jornadas de trabalho de dia e à noite, não havia uma rotina, o que o impedia de se acostumar. Ele conta que o seu cotidiano acabava influenciando as pessoas ao seu redor. “Geralmente, nos dias depois das escalas noturnas, quando podia, eu dormia a dia todo.” Marco Aurélio explica que, quando não se dorme direito, o humor tende a ficar diferente também, mas diz acreditar que não tenha adquirido nenhum problema psicológico. Outro profissional que está sempre de prontidão para atender quem precisa é o médico veterinário Thiago Glaser. Ele possui uma clínica própria e também atende a domicílio e conta que, em São José dos Pinhais, onde fica seu estabelecimento, a demanda é grande. Não há na região um hospital veterinário de referência que fique aberto durante a noite. O médico veterinário fala que muitas pessoas recorrem a ele pela madrugada, o que acaba afetando a sua vida pessoal, reduzindo o tempo em casa com a família. “Apesar de poder negar o atendimento, você vê a pessoa em uma situação de apelo, que já recorreu a outras pessoas que não auxiliaram. Isso mexe com a consciência, soa realmente como sou a pessoa que pode resolver o problema dela.” Glaser ressalta que só um profissional autônomo ou empreendedor consegue ter flexibilidade no trabalho, podendo atuar em horários não comerciais. Assim, apesar dessa rotina afetar a vida pessoal, é possível recuperar o tempo trabalhado em um outro momento, descansando ao lado da família. A saúde é outro fator necessário a ser considerado. O veterinário explica que isso pode realmente ser uma “bomba relógio”. Para que a saúde não seja afetada, é necessário disciplina para organizar o tempo com atividade física, sono e refeições. “Às vezes que não me cuidei nesse sentido, percebi meu corpo sofrendo as consequências como resfriado, ganho de peso e imunidade baixa”. Apesar das chamadas de madrugada não serem tão recorrentes na região em que o médico atua, muitos atendimentos fora do horário comercial acontecem. Alguns até podem ser resolvidos por mensagem, mas outros necessitam o deslocamento do profissional. Porém, para ele é muito gratificante ser o porto seguro das pessoas: “É um dos melhores momentos você estender a mão pra quem precisa. Às vezes, até esqueço de cobrar a consulta, por sair feliz vendo a pessoa ou família tranquilizada e contente”. Muitas vezes a consulta fica em segundo plano. O médico acaba sendo uma fonte de amparo, independentemente do horário, para os “pais e mães” de bichos. Glaser conta que a maior parte dos clientes são mulheres e, assim, acaba sendo um aporte emocional muito grande.
Sempre valeu a pena e sempre vai valer.” - Reinaldo Batista, pastor