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A vida através da Padre Anchieta

A história jamais vista de uma das avenidas mais conhecidas da capital paranaense

Leonardo Cordasso Franz Fleischfresser

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Todo dia seu Francisco Viana acorda às 5h30, prepara um café reforçado e deixa tudo pronto para a esposa, que levantará mais tarde. Depois de tomar o café, ele escova os dentes, põe o uniforme e vai até o terminal. Em Colombo, pega o ônibus cheio, quase sem espaço para respirar e vai até o Cabral, chegando lá sobe no lotado inter 2, indo até o do Campina do Siqueira, por fim, apanha o Centenário – Campo Comprido, chegando a estação tubo Gastão Câmera à Rua Padre Anchieta, onde está trabalhando há dois meses. Seu Francisco é só mais um personagem, que entre idas e vindas, está sempre transitando pela rua, uma linha reta repleta de histórias, pessoas, árvores, flores e, é claro, o famoso vermelhão. A Padre Anchieta pode ser considerada uma pequena rua se formos pegar a extensão como parâmetro, porém a “pequena” via pública, que começa logo após o terminal Campina do Siqueira e acaba três quarteirões da Praça da Ucrânia, está sempre em movimento: são moradores, trabalhadores e pessoas que estão apenas de passagem, seja fazendo exercício físico, comendo em algum estabelecimento ou apenas visitando parentes e amigos. Logo após conhecer seu Francisco, continuei subindo a rua e conversando com todas as pessoas que por ali passavam. Foi assim me deparei com Matheus Depetris, um jovem de apenas 16 anos, vindo de Ponta Grossa, mas que passou dez anos de sua vida em Itajaí, no litoral catarinense. Ele mora em Curitiba há quase três anos, e o motivo de tantas mudanças é o trabalho de seu querido pai, que trabalha como gerente de vendas. Mas ele ainda continua com o sonho de criança, se tornar um grande piloto de avião e ninguém mais habituado à mudanças do que ele. Matheus mora na Martin Afonso, via rápida paralela à Padre Anchieta, mas estava, como sempre, na donairosa rua da canaleta para vender seus brigadeiros com a intenção de pagar a viagem de formatura do terceirão, que o levará até Porto Seguro. Por ser uma rua bem movimentada, em questão de pedestres, ele escolheu aquele lugar como ponto estratégico de vendas. Ele também afirmou gostar bastante da região, apesar de não

“Nós que trabalhamos na rua sempre tentamos nos ajudar, o importante é estar unido.”

Cristina Ferreira, vendedora de frutas.

esconder o descontentamento com o clima curitibano.

Uma esquina após conversar com Matheus, encontrei Cristina Ferreira, uma ambulante, que vende goiabas e peras na frente da Caixa, ao lado da estação tubo “Bigorrilho”. Cristina diz estar naquele local há quase seis meses. Ela é uma mulher de fibra que mora no Campo Comprido e vem todo dia com sua eterna kombi para vender suas frutas na Padre Anchieta. Enquanto ia oferecendo os produtos às pessoas que passavam e mexendo no cabelo, a vendedora explicou o motivo por gostar tanto de trabalhar na região, ela considera um lugar muito seguro e altamente movimentado, contando que as pessoas que trabalham naquela região fazem uma troca com ela, trocando cartelas de EstaR (Estacionamento Regulamentado) por frutas fresquinhas.

O que mais incomoda a ambulante, naquela região, é a quantidade de “malandro esperto”, como ela define. Cristina nunca sofreu ou viu nenhuma ação fisicamente violenta, mas, infelizmente, já caiu em alguns golpes, perdendo R$ 40 uma vez. Ela observa, constantemente, infratores tentando “golpear” pessoas de idade, principalmente o do bilhete premiado. Com um sorriso no rosto, e um abraço apertado, a mulher se despede e segue trabalhando, eu sigo o caminho da encantadora Padre Anchieta atrás de mais histórias.

Próximo à Praça da Ucrânia, encontrei o seu Clóvis Braun, um senhor que estava indo comprar pão as 15h15 da tarde. Logo quando o abordei, abriu um sorriso e, na maior calma e tranquilidade, conversou, conversou e conversou comigo. Contou que é um dentista do Exército, aposentado, e mora na Padre Anchieta há mais

“Curitiba? Nunca foi uma opção morrar para cá, mas hoje acredito que tenha sido a melhor escolha.” Clóvis Braun, dentista do Exército aposentado

de 30 anos. Na conversa, seu Clóvis contou quase tudo sobre sua história. Ele é gaúcho de Porto Alegre, rodou o Brasil inteiro e quando foi mandado para Curitiba não queria vir de jeito nenhum, porém seguiu o que lhe foi mandado e acabou residindo e gostando da capital paranaense.

O problema é que seu Clóvis gostou tanto da cidade que mesmo após a aposentadoria resolveu ficar em Curitiba e nunca mais voltou para as terras gaúchas. Ele afirma gostar muito da região da Padre Anchieta, pois todas as ruas são bem asfaltadas, os quarteirões têm calçadas para os pedestres transitarem em segurança, não falta nada em relação a estabelecimentos e adora o clima curitibano. Após mais uma boa e longa conversa, me despedi de uma das pessoas mais educadas e receptivas que conheci na vida, seguindo a minha caminhada.

Em frente à Praça da Ucrânia, no edifício Capri, me aproximei da última pessoa com quem iria conversar. Um senhor um pouco eufórico e que gostava de papear sobre a vida ou qualquer outra coisa. Seu Hamilton Junior trabalhava como representante de uma empresa que vendia feijões cariocas, porém a empresa faliu e ele,

à procura de emprego, acabou virando porteiro de um dos prédios que complementam as laterais da rua. Junior conta que fica, diariamente, surpreso com o movimento da canaleta. Diz que apenas na Padre Anchieta se pode observar esse fenômeno: gente correndo, caminhando, andando de bicicleta, skate, patins, etc. Ele afirma que os moradores ao redor veem a rua como um refúgio no meio da selva de pedra, para praticar esportes e respirar ar fresco, pois, como ele explica, apesar do movimento moderado de carros na rua, o túnel de árvores que a cobre em seu percurso inteiro passa a sensação de tranquilidade e leveza. Apesar dos vários elogios, Hamilton se mostrou levemente preocupado com o grande número de casos de jovens pegando “rabeira” nos ônibus. Ele ainda diz que, cerca de dez dias antes dessa nossa conversa, presenciou um acidente, no qual um jovem caiu e teve ferimentos leves após pegar a famosa “carona” com os vermelhões. E esse foi mais um dia normal na Rua Padre Agostinho. Centenas de dezenas de pessoas passando, e que apesar de todos os imprevistos do dia a dia, sabem aproveitar toda essa simplicidade que a vida proporciona. “Padre Anchieta é a solução para eu conseguir a viagem de formatura.”

Matheus Depetris, vendedor de brigadeiro

Seu Clóvis, morador da Padre Anchieta há mais de 30 anos aproveita a vida de dentista do Exército aposentado.

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