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Menstru(ação

Menstru(ação) a invisibilidade no cotidiano

Meninas relatam suas histórias envolvendo o período mestrual nas escolas públicas

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Thais Porsch Carolina de Andrade Gabriel Dittert Gabriela Savaris

Aos 12 anos, Tais havia se tornado uma das primeiras meninas da sua sala a menstruar. Ainda que fosse um marco importante na vida de uma garota, ela conta hoje, aos 15 anos e “desacanhada”, que foi tranquilo conversar com suas amigas da sala sobre o assunto, porém admite que não havia nenhuma orientação de professora sobre o tema. “Nunca foi trabalhado em sala isso. Os professores não comentavam. Sempre foi um tabu. E, tipo, sempre que acontecia alguma coisa com alguma menina, os professores só falavam ‘vai lá na enfermaria’, e aí lá tinha absorventes, sabe? Só que, assim, eles não tentavam ajudar”, relembra com um sentimento de impotência. Além de passar por todos os sintomas decorrentes do período menstrual, as meninas têm que lidar, ainda, com a vergonha e com o medo de constrangimento. “Quando eu estudava em escola pública, tinha meninas que faltavam por causa disso, porque ela não tinham condições de comprar um absorvente. Eu nunca tive que passar por uma situação assim, mas eu já vi muito.” Na falta da atuação governamental, as iniciativas são criadas na sociedade pelas próprias pessoas. Ou melhor, pelas meninas. É o caso de Luana, que surpreendentemente não teve vergonha em nenhum momento ao falar do assunto. Muito pelo contrário. Aos 15 anos, estudante do ensino médio, ela relata que muitas vezes se sentiu intimidada ao ter que ir até a coordenação para pedir orientação quando menstruava. Porém, junto com sua colega, tentaram, por iniciativa própria, deixar uma caixa no banheiro da escola com alguns absorventes. “A ação, no entanto, não deu certo”, suspira, desanimada. das pedagogas, mas a gente pensou: ‘Meu, fica na sala das pedagogas’, mas a gente tem vergonha de ir lá, e imaginamos que no banheiro ficaria mais exposto, e o diretor aceitou a ideia, mas não deu muito certo. Na mesma semana. destruíram tudo, roubaram e até a caixinha levaram embora”, conta. A adolescente disse que uma vez, quando seu ciclo menstrual se iniciou na escola, preferiu chamar sua mãe para ir embora, interrompendo sua aula.

“Nunca foi trabalhado em sala isso. Os professores não comentavam. Sempre foi um tabu.” - Tais, estudante.

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PAPEL DA EDUCADORA

No outro lado da sala de aula, muitas vezes os professores não têm uma clara percepção que poderia ajudar na orientação das meninas sobre o tema. Professora de História há 25 anos, Carina Nogueira, 51, leciona na rede estadual de ensino no município de Colombo, região metropolitana de Curitiba. Ao aceitar ser entrevistada, a educadora, com um olhar apreensivo, contou que não havia pensado tão a fundo sobre um tema tão pragmático, como o uso de absorventes no período da pré adolescência, e que as perguntas a fizeram relembrar que, quando jovem, não tinha dinheiro para comprar absorvente, o que deveria ser algo de fácil acesso, já que é uma necessidade básica.

“Às vezes, elas moram longe, não estão perto de um mercado, perto de uma farmácia, não podem ir sozinhas, e aí? Isso aí a gente não problematizou com elas, talvez nem nas aulas de Ciências. Não sei se é conversado sobre isso. Deveríamos trabalhar a questão do corpo. Às vezes, vemos a ação das enfermeiras dos postos de saúde que vão até a escola falar da vacina HPV, mas fora isso, não existe mais nada”, questiona a professora sobre a abordagem do tema nas escolas. O uso de absorventes e a menstruação, segundo a historiadora, ainda são tabus presentes na sociedade, e não apenas no Brasil. Carina puxa da memória um filme ao qual assistiu sobre o indiano Arunachalam Muruganantham, que revolucionou e possibilitou às mulheres de uma zona rural na Índia o acesso a absorventes, muitos caros e cercados de preconceitos no país. A educadora compartilha que, onde leciona, os absorventes estão disponíveis na sala da pedagoga, e que a qualquer momento as meninas podem pegá-los, quando precisam. Mas a questão vai muito além da distribuição nas escolas. Falta ensino sobre o conhecimento do corpo feminino. “Se você não recebe essas informações, significa que os pais e as mães não receberam essas informações. E se você não tem essa informação, como você vai notar que tem algo de diferente no seu corpo? E que é questão de saúde ir no ginecologista? Você precisa ter conhecimento de como utilizá-lo, há um limite no seu uso, e o mau uso pode trazer uma série de consequências”, ressalta a psicóloga Danielly Brandão, que trabalha na ONG Bom Aluno. A psicóloga, que ajuda na capacitação de jovens nascidos em famílias humildes por meio da educação, comenta, indignada, a partir da sua experiência na instituição, as complexidades que as meninas têm que lidar nas escolas, entre tantas outras que um jovem carente tem que enfrentar, quando estão menstruadas. Danielly ressalta, com indignação nos olhos, que o Brasil é o país com a maior porcentagem de imposto sobre absorventes, chegando a 25%. No Canadá, em 2015 a taxação foi abolida, já que as mulheres pagam, ao longo da vida, um imposto muito maior, devido ao consumo do item.

POLÍTICAS PARA MENINAS

A advogada Maria Cláudia fica inconformada ao chegar à conclusão de que o assunto ainda é um tabu por relacionar o sexo com a transformação do próprio corpo feminino. “A menstruação é tida como algo desagradável e sujo. Mulheres têm vergonha de falar sobre o tema e há a constante tentativa de camuflar o período menstrual para que o assunto não venha à tona. Isso cria barreiras para discutirmos alternativas de acolhimento de mulheres jovens e adultas que sentem extremo desconforto nesse período, como cólicas intensas e desmaios. Usufruir de eventuais protocolos voltados a mulheres relacionados à menstruação, significaria, necessariamente, assumir estar menstruada, o que poderia implicar um sentimento de exposição.” A advogada comenta que essas questões não devem impedir a criação de políticas públicas voltadas a pensar na mulher nessa etapa, mas deveriam, sim, incentivar a criação de programas para que sejam debatidos temas como sexualidade, corpo e prazer femininos, para que mulheres conheçam melhor seus corpos e seja possível debater esses temas com maior naturalidade.

“Às vezes, vemos a ação das enfermeiras dos postos de saúde que vão até a escola falar da vacina HPV, mas fora isso, não existe mais nada.” - Carina Nogueira, professora.

A médica ginecologista Kadija Rahal Chrisostomo atende mulheres e meninas de classe média alta. Ainda sim, ela confirma que há falta de diálogo entre suas pacientes sobre o tema: “Muitas vezes não se fala em menstruação perto dos

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irmãos ou pai. As informações que obtêm geralmente vem da mídia e amigas, de uma forma incorreta”. quem eu sou, e não ter vergonha de falar que estou menstruada, e não estou em uma boa semana.”

Kadija já trabalhou em diversos lugares, em clínicas particulares, públicas, dentro e fora de Curitiba, e fala que informação é uma questão chave para melhorar a qualidade de vida de jovens, como organização de palestras, conscientização de anticoncepcionais, preservativos, vacinas.

Durante a puberdade, há, segundo a ginecologista, “uma série de modificações físicas e psicológicas , um período que leva, em média, quatro anos. Há o estirão de crescimento, redistribuição da gordura corporal e aparecimento dos caracteres sexuais secundários (mamas, pilificação em região genital e axilar)”. Uma série de mudanças, nada fácil para se enfrentar sozinha.

Quando perguntada sobre o assunto, Mariana da Matta, de 20 anos, sorri e tranquilamente relata sua experiência com o assunto. Para ela, conversar sobre questões femininas sempre foi muito normal e frequente, já que foi criada em uma família com muito mais mulheres do que homens. Mariana afirma que nem todas as meninas têm a possibilidade de viver no mesmo ambiente em que foi criada, e que podem ter vergonha ou não entender o que está acontecendo quando iniciado o período de puberdade feminina. Ela comenta que, durante sua adolescência, teve aulas de educação sexual, mas não sobre o período pré-menstrual e menstrual que envolve uma sensibilidade corporal muito maior.

No Brasil, os impostos incidem em 30% no valor do absorvente.

“Desde cedo, sempre fui muito influenciada a não ter vergonha de ser quem eu sou, e todas as mulheres da minha família são independentes. Então, sempre conversamos sobre todos os assuntos. Viver em um meio onde estou confortável ao falar, com certeza foi um fator decisivo para ser

Conheça o projeto de Lei 6603/2019

Lei Municipal do Rio de Janeiro determina o fornecimento de absorventes para as estudantes em escolas públicas.

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