7 minute read

Um barro só

C D M D I G I T A L E S P E C I A L A VIDA QUE NINGUÉM VÊ

Um barro só

Advertisement

Localizado no sul de Curitiba, o bairro Umbará teve seu início na segunda metade do século 19 e, ainda hoje, permanece desconhecido pela maioria dos curitibanos

Anelise Wickert Gabriel Domingos Mariane Pereira

Como um típico e bom bairro de origem italiana, além das casas antigas, tradição e muita cultura, o Umbará tem grandes famílias que carregam nomes importantes para o bairro, como Tortato, Zonta, Nichele, Negrello, Bonato, Moletta, Gabardo, Costa, Joai e uma derivação do mesmo, mas terminada em y, ficando Joay.

As famílias são muito conhecidas e possuem diversas propriedades e comércios. Mas o bairro também tem moradores que vieram de fora para construir a vida com quem morava lá, como é o caso de Antonio Bernardo Blasius, de 72 anos.

Nascido no interior de Santa Catarina, em 1947, Antonio era de família humilde e, em 1968, veio pela primeira vez para Curitiba devido a um tratamento de saúde e acabou permanecendo na cidade.Morou por algum tempo em uma pensão e arrumou emprego de cobrador de ônibus. E com muito sacrifício, comprou um terreno no bairro, pois com o que ele ganhava dava apenas para a alimentação e a prestação do terreno. “Dormi em albergues, debaixo de pontes, passei fome, mas consegui”, conta Antonio.

Em 1975, aos 28 anos, com casa própria, o aposentado se casou com Marilene Antonia Joai, que também tem 72 anos e é natural de Curitiba, descendente de italianos e moradora do Umbará. Foi assim que formaram uma família. Marilene conta que seus avós foram os primeiros da família a morarem no bairro e, em seguida, seus pais se casaram e continuaram a morar lá.

Os imigrantes que popularizaram o bairro, também foram responsáveis por diversificar a produção agrícola, introduzir a indústria e voltar-se para o abastecimento do mercado de Curitiba. Um dos marcos do bairro é a Paróquia de São Pedro, construída inicialmente em 1896, e que teve papel na organização social das colônias do bairro. O Umbará representa 5,16% do território total de Curitiba, e o último censo demográfico do IBGE apontou uma população de 18.730 mil habitantes. De 2000 a 2010, o crescimento populacional anual do Umbará saltou de 0,99% para 2,53%. As mulheres são maioria entre os habitantes, representando 50,51% da população do bairro.

Sirley Maria Joay tem 70 anos, é irmã de Marilene e tem mais duas irmãs. As três moram no Umbará e outra no Capão Raso, mas, como de costume, desde muito tempo, todo domingo, se reúnem em família na casa onde cresceram para conversarem e tomarem café, com a mesa sempre farta. Como em uma verdadeira casa de descendentes de italianos, o que não falta são as conversas agitadas e em voz alta.

Assim como Marilene, Sirley continua morando no bairro, e como nunca se casou, ainda mora na casa que foi de seus pais, construída em 1946. Seu pai, Claudio Joay, logo após voltar da Segunda Guerra Mundial, quando foi pracinha (nome dado aos soldados brasileiros), construiu a casa, casou-se com Joana Maria Costa e tiveram quatro filhas, entre elas Sirley e Marilene.

“Foi sempre assim, e a gente pede para virem arrumar algumas coisas como asfalto, mas demora muito e acabam não resolvendo.”

Maria Celeste Tortato, 45 anos, diarista

Os pontos turísticos vão desde casas antigas á igrejas e parques, onde os moradores se reuniem aos finais de semana.

Mariane Pereira

Mariane Pereira

Sirley comenta que gosta de morar no bairro e na casa de seus pais, que mesmo sendo antiga, ainda permanece em boas condições e se iguala a diversas outras casas antigas das famílias mais tradicionais do bairro. “Eu nasci aqui, me criei aqui e para mim está bom. As famílias antigas se conhecem, mas as que chegam novas por aqui a gente não conhece e não sabe sobre eles, mas pode perguntar para as famílias antigas que todos se conhecem do tempo antigo do Umbará, das festas, confraternizações e da igreja também.”

Ela ainda conta que alguns problemas atrapalham a vida no bairro, já que a segurança não é tão boa quanto deveria ser, algumas ruas não têm asfalto e falta acessibilidade. E quanto aos ônibus, Sirley comenta que, apesar de serem poucos na linha, para ela está bom, já que antigamente nem passavam ônibus próximo à casa dela.

Em termos de infraestrutura, o censo 2010 aponta que menos da metade, 49,09%, das casas do Umbará está ligada à rede geral de esgoto. Por outro lado, todo o bairro possui coleta de lixo e pouco mais de 4% das casas ainda não está ligada à rede geral de abastecimento de água.

O trânsito é movimentado. Em proporção, são 1,90 automóvel para cada habitante, o que representa 0,44 a mais do que a média de Curitiba. Ao todo são 9.841 veículos, a maioria carros (que representam 5.802) e, curiosamente, cinco tratores.

As ruas sem asfalto também são um grande problema para quem mora no bairro, já que, várias são de terra batida, e outras, mesmo pavimentadas, são extremamente precárias e com buracos.

Além da falta de asfalto, muitos lugares não têm calçadas, e não dispõem de acesso para as pessoas deficientes, como é o caso de Antônio. Ele é cego e sua esposa precisa ajudá-lo em tudo quando estão na rua, devido à grande quantidade de buracos. “Mesmo com todos esses problemas, a vida por aqui é bastante calma e tranquila. Eu faço meus serviços de casa, cuido da minha horta, dos meus cachorros, das minhas galinhas, eu gosto daqui”, conta Sirley.

Maria Celeste Tortato tem 45 anos, trabalha como diarista e todos os dias sai para trabalhar, usando as poucas linhas de ônibus do bairro. Ela conta que a maior dificuldade é o tempo entre um ônibus e outro, já que, a linha que ela pega, chamada Luiz Nichele, só tem um veículo, que precisa fazer a viagem toda até o terminal do pinheirinho e voltar para o bairro, o que leva em torno de uma hora e meia.

Desde que ela se instalou por lá, em 2006, a situação do bairro continua a mesma, como se ele estivesse fora do mapa de Curitiba. “Foi sempre assim, e a gente pede para virem arrumar algumas coisas como asfalto, mas demora muito e acabam não resolvendo. Além disso, quando tem sujeira, galhos de árvore, e até mesmo mato, nós mesmos temos que limpar porque a prefeitura não vem até aqui, e nosso bairro tem bastante vegetação, árvores, chácaras, olarias e grameiras.”

Porém, a maior dificuldade, de longe é a falta de infraestrutura básica para a vida em sociedade, como contou Raphael Reis da Silva de 21 anos, que é morador do bairro desde 2008.

Segundo ele, o bairro possui apenas uma agência bancária e dois postinhos de saúde. Em 2018, um deles acabou pegando fogo, o que causou confusão e mais demora nos atendimentos, já que a Unidade de Pronto Atendimento (UPA) mais próxima fica no bairro vizinho.

Apesar de todos os problemas do bairro, o Umbará é visto pelos moradores como um bairro tranquilo e bom de morar, com muito lazer e lugares para visitar, casas antigas, chácaras e uma natureza que não se encontra em outros bairros da cidade. Mas, por ser afastado acaba se tornando desconhecido por muitos curitibanos.

As ruas do Umbará ainda são de chão batido, mesmo a cidade inteira sendo de asfalto.

Do “um barral”, expressão utilizada pelos primeiros habitantes, surgiu o nome Umbará. A referência é a terra fértil, que em dias de chuva torna-se barrenta, e se popularizou na fala de imigrantes europeus, que ao chegarem aqui se referiam ao local como “um bará”, ou seja, um barro só.

Todos os moradores se conhecem e as histórias das famílias são contadas até hoje, nos almoços e encontros de domingo, nas ceias dos feriados, nas esquinas e praças da região. Antônio Bernardo Blasius relata que, apesar de conhecer outras partes da capital, os matagais da zona sul conquistaram um espaço importante em sua vida: “Foi aqui que eu consegui tudo que eu tenho, construí minha casa e criei meus filhos, que hoje têm suas próprias famílias aqui no bairro também”. Para ele, o Umbará é mais que um bairro, é um lar.

“Mesmo com todos esses problemas, a vida por aqui é bastante calma e tranquila. Eu faço meus serviços de casa, cuido da minha horta, dos meus cachorros, das minhas galinhas, eu gosto daqui.”

Sirley Joay, 70 anos, do lar

This article is from: