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Mas que nada – Maria Cecília Zarpelon

Naturalmente, há muita gente na rua. É um sábado, quatro da tarde. O céu está despido de nuvens e, para a alegria de muitos curitibanos, tão intenso que é possível ver nitidamente o contorno das sombras cravadas no chão. No centro da Praça João Cândido, entre as ruas Jaime Reis e Almirante Barroso, uma multidão se acomoda ao redor de um grupo de 15 pessoas. A segunda aglomeração, que também se configura em forma de círculo, é composta – quase que inteiramente – por pessoas vestindo roupas que remetem ao estilo hippie dos anos 1960. Todas carregam um tambor ou uma cabaça envolvida por várias miçangas. A multidão curiosa apenas observa. O silêncio é quebrado por um batuque. Primeiro um, depois outro acompanha, e logo o grave som dos tambores – que mais tarde eu descobriria que se chamam alfaias – aumenta gradativamente, até uma música permear a praça num ritmo diferente, mas com cara de Brasil; alto, animado e feliz. Sem demora, um ritmado som de chocalhos, produzido por instrumentos “miçangados” chamados agbês, entra para preencher os intervalos do bumbo dos grandes tambores. A multidão, surpresa com a sonoridade incomum, se anima. De forma acanhada, todos são embalados pelo som. Posteriormente, soube que aquele ritmo estranho aos ouvidos sulistas é o “maracatu”, um termo desconhecido para muitos, a não ser pela menção na famosa canção “Mas que nada”, de Jorge Ben Jor. O som, que nasceu a partir da miscigenação entre as culturas portuguesa, indígena e africana, é tradição entre os pernambucanos desde 1711. Os cantos fazem referência à religião, aos costumes e aos valores africanos, e chegam como forma de resistência, resgatando um histórico de lutas e conquistas da população negra. As 15 pessoas responsáveis pelas músicas que ecoam pelo bairro São Francisco todo sábado fazem parte do Maracatu Aroeira, um dos 30 grupos de Baque Virado existentes no Brasil. O Aroeira surgiu quando alguns batuqueiros se reuniram para celebrar o Dia da Consciência Negra, há sete anos. Hoje, o grupo faz da Sociedade Operária Beneficente 13 de Maio e das ruas o seu palco. Ainda que todas as pessoas do grupo sejam brancas, elas acreditam que recuperar a manifestação cultural negra é compreender o significado de ser brasileiro.

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Rodrigo é provavelmente o mais velho do grupo, em idade. Deve ter entre 35 e 45 anos. Ele veste uma bermuda cinza-escura, camisa branca e chinelos, e está retraído. Sua timidez é compreensível, pois aquela é sua segunda aula de percussão de maracatu. “No primeiro dia, me deram um batuque e falaram ‘Se vira aí’. Foi emocionante.” Bem-humorado, Rodrigo conta que ficou sabendo do Aroeira por meio de uma amiga e que, no dia do “teste”, apenas ele passou. “Foi engraçado, na verdade, eu não tenho nenhuma iniciação musical e acabei entrando.” Depois de vários balanços, os percussionistas colocam os instrumentos no chão e se abraçam, ainda em círculo. O Tirador de Loas, aquele que dita as batidas, agradece e pede ao grupo que se despeça. Nesse momento, as 15 pessoas começam a gritar em uníssono. Mantendo o forte e pungente som do grito, todos se inclinam, simultaneamente, para dentro da circunferência, causando uma mudança no som, e depois para fora, modificando o som outra vez. A música se encerra, e, sem saber ao certo o que aconteceu, a multidão se desfaz. Naturalmente, o som de buzinas e motores volta a preencher o ambiente urbano. Rodrigo acena sorridente em despedida. Então, junto daqueles que davam à praça uma essência nordestina, ele parte para o silêncio de sua vida, deixando o ambiente vazio.

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