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Sabedoria não se pede, se vai atrás – Marina Prata
Roberta veste uma blusa com a frase I’m a limited edition escrita no peito. Talvez seja essa a conclusão que sua série de autodescobertas tenha lhe proporcionado: a morena de cabelos bem curtos e olhos simpáticos é uma edição limitada, e acredita que todo ser humano também é. Seu trabalho é ajudar cada um a se entender e se gostar assim, nas particularidades, como ela mesma aprendeu a fazer. Essa percepção de unidade se construiu em uma jornada de 44 anos de autoconhecimento, que continua a se desenvolver. A primeira revelação que Roberta teve sobre si mesma foi, na verdade, uma incógnita. Aos 11 anos, ela descobriu que havia sido adotada. A mãe adotiva, Elizete, não podia ter filhos, e buscou a menina em um lar de crianças abandonadas. Ela tinha cinco dias de vida e desnutrição profunda. Quem contou a verdade a Roberta foi uma vizinha. Apesar da indignação que veio com o segredo revelado, ela nunca quis procurar a família de sangue, mesmo com o consentimento de Elizete. Hoje, Roberta tem gratidão pelos pais que lhe deram a vida e pelos que a mantiveram. Mas, à época, aquilo lhe gerou um vazio. Ela não sabia quem era, e buscou ao longo dos anos preencher aquele buraco que a acompanhava desde a infância com coisas materiais, baladas e amigos. Em 2008, com 33 anos, a amante de festas recebeu propostas interessantes para passar o réveillon em lugares badalados, como Copacabana e Santa Catarina. Porém, sem saber explicar exatamente por que, ela aceitou o convite mais inusitado dentre as opções que tinha: passar a virada em um monte em Matutu, Minas Gerais, com um colega de trabalho que praticava ioga. O início da viagem foi um martírio para Roberta e sua filha adolescente. Sem sinal de celular ou de qualquer civilização, as duas se viram convivendo com seis iogues que acordavam às quatro da manhã para respirar e assistir ao nascer do sol – uns esticados para um lado, outros de ponta-cabeça, o que era “simplesmente o fim”. Vendo que não havia outra opção, Roberta decidiu dar uma chance ao ioga, e permitiu- -se envolver pela energia do local e das pessoas nos últimos três dias da estadia. Quando estava mais centrada e conectada, durante o momento dos votos da virada do ano, ela pediu sabedoria. Como resposta, uma espécie de voz interior lhe disse: “Sabedoria não se pede, se vai atrás. E você não sabe sequer do que realmente gosta”.
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Após passar sete dias no monte em Matutu, Roberta voltou para São Paulo com um convite da vida e uma série de questionamentos. Quem era ela, afinal? Seu primeiro passo em busca da sabedoria foi se matricular em um curso de inglês. Mas o saber material contido em livros não foi satisfatório – sua essência não estava lá fora. Então, Roberta seguiu a deixa de sua voz interior e decidiu buscar conhecimento interno, para entender primeiro a si mesma. Queria saber do que realmente gostava. Redescobriu a música instrumental, a salada de maionese e a cor verde, suas favoritas. Um ano depois, ela começou as aulas de ioga. Conheceu várias vertentes da filosofia e passou a se perceber “mais forte perante desafios e mais disponível para a vida”. E então, com cerca de um mês de prática, aquele vazio que a acompanhava desde a infância deixou de existir: foi preenchido por ela mesma. Roberta pratica ioga há 12 anos, e nesse tempo foi conduzida pelo próprio corpo a mudar a alimentação, parar de beber e de fumar, e encontrou melhor qualidade de sono e de vida. A transformação interna e externa foi tanta que a mulher de voz aconchegante começou a sentir que queria retribuir, levando todo esse conhecimento a outras pessoas. A partilha começou dentro da própria família. Fernanda, a filha que acompanhou Roberta na viagem ao monte, demorou mais do que ela para ter o interesse despertado pela ioga. Foi após passar por momentos difíceis e encarar a ansiedade e a depressão na adolescência que a jovem de voz tão serena quanto a da mãe aceitou o convite de Roberta para a prática. Seguindo a indicação dela, Fernanda passou a fazer exercícios de respiração e realizou um curso que, em longo prazo, a liberou dos remédios. Hoje, elas praticam juntas todas as quartas-feiras, o que Roberta considera uma honra. A ioga transformou a relação das duas e a forma como se enxergavam. Fernanda vê a mãe ainda mais presente em sua vida, pois se tornou mais próxima do que já era daquela que sempre foi sua maior referência de família. Roberta foi mãe solteira muito jovem e “se embananava” um pouco, mas a filosofia da ioga a ajudou a se entender no papel de mãe. Paralelamente à sua jornada de iogue, Roberta trabalhava para uma grande empresa de beleza em São Paulo, na área de trade ma-
rketing e treinamento. Mudou-se para Curitiba há pouco mais de três anos em uma aventura para iniciar um setor novo da marca. Porém, após uma promoção, ela foi afastada do trabalho na área humana e, distanciando-se das pessoas, sentiu que “não estava mais em sua potência máxima”. Isso a motivou a pedir desligamento e, após um curso de formação, tornar-se professora de ioga. Roberta começou dando aulas para duas amigas há pouco menos de um ano, e encontrou sua missão: despertar nas pessoas um “estado de inteireza”. Foi aí que a jornada de Roberta se cruzou com a de outra mulher que também estava na busca de si própria após ter saído do emprego. Insatisfeita com o trabalho de jornalista, Tatielly decidiu mudar de área e procurar algo que realmente gostasse de fazer. Abriu um coworking de terapias energéticas, para cuidar das pessoas e de si mesma. Um dos flyers que fez para divulgar o novo espaço chegou até Roberta por um grupo de WhatsApp, e logo no primeiro encontro “as energias bateram”. Hoje, Roberta não é apenas alguém que vem trabalhar no coworking, mas uma amiga e também um braço direito para Tatielly. Ela foi a primeira aluna da nova turma de ioga do espaço e testemunhou a profissional cuidadosa (e muito autocrítica) que enxerga em Roberta. Mesmo com pouco tempo de amizade, as duas já cultivam uma relação de proximidade e sinceridade, sem medo de serem verdadeiras. Tatielly ri ao mencionar o quanto Roberta é esquecida – incontáveis vezes, deixou brincos, meias, correntes e garrafas d’água para trás no espaço do coworking. Além dos papos transcendentais, Roberta também traz uma dose de divertimento para o trabalho. Minha última conversa com Roberta termina em uma reflexão dela sobre gratidão, exatamente às 20h20. Ela tem uma relação forte com números: se aparecem invertidos, como 1441, significa que algo vai acontecer; se estão em progressão, como 1234, indicam um dia tranquilo. Pergunto a ela qual é o sinal que o relógio mostra. “Números iguais são energias fluindo”, diz ela. “Significa que, agora, está tudo bem.”