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Da pupa à liberdade – Ana Cláudia Iamaciro
19 anos, 1,92 de altura, 108 kg. Seus cabelos cacheados e volumosos são suas características mais marcantes. A cor? Às vezes, castanhos; às vezes, loiros; às vezes, rosa. Nunca se sabe o que vai se passar na cabeça dele no dia seguinte. Apaixonado pela moda e pelo mundo da beleza feminina, Felipe Matos prefere não se definir: ele é apenas ele mesmo. Cansado de tentar se encaixar em padrões que a sociedade impõe, ele não se rotula mais, e isso também se aplica à sua sexualidade, que já foi muito questionada. Sempre fazendo piada com tudo e contando sobre as últimas tendências de cabelo e maquiagem, desta vez ele está sério para contar a sua história. “Hoje eu me defino como uma pessoa livre”, diz Felipe, expirando ao soltar a última palavra. Mas quem o vê assim não imagina os preconceitos que já teve de enfrentar. “Foi no 2º ano do Ensino Médio que eu realmente comecei a me abrir e assumir tudo aquilo que eu gostava de fazer.” Em uma rua sem saída, fica uma casa amarela de madeira, mas não é possível ver a cor, nem que é feita de madeira, antes de passar pelo grande portão cinza que encobre toda a fachada. Para entrar na casa, subimos três pequenos degraus que dão acesso à sala do imóvel. É um cômodo agradável, com chão de madeira e paredes amarelo-claras, quase brancas. Do lado esquerdo, fica o enorme sofá e a televisão. Do lado direito, perto do corredor que vai para a cozinha, uma mesa com o computador que é compartilhado por toda a família. É nesse ambiente que acontece a entrevista, sentados todos no sofá. Na residência sempre muito movimentada por conta do vaivém de pessoas, mora Felipe. Ele é o caçula dentre os cinco irmãos: dois por parte de pai, um por parte de mãe e outro que é do relacionamento de Antonio Matos e Rosilene Lima, seus pais. Ele passou anos sem falar com esse irmão. Felipe tinha problemas de relacionamento com o pai e eles não tinham muito contato, apesar de morarem na mesma casa. Talvez por isso o seu interesse pelo mundo masculino seja quase inexistente. Distante do pai, que quase sempre estava fora de casa, desde pequeno ele sempre foi muito apegado à mãe. Rosilene conta que o filho estava junto com ela em todos os lugares a que ia: cabeleireiro, manicure, supermercado. “Até à depilação eu ia junto”, completa Felipe.
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Como estava sempre junto da mãe, o mundo feminino era muito presente e quase tudo o que conhecia. Ele conta que, quando era pequeno, a mãe tinha uma lan house, onde ele passava muito tempo, e consequentemente tinha acesso a todo tipo de informação por conta da internet. Por volta dos 8 anos, ele conheceu um canal no YouTube sobre moda e beleza e isso também o influenciou a gostar do que gosta hoje. Começou com maquiagem e cabelo, depois moda, porém na época ele se sentia reprimido para se abrir sobre o assunto. Alguns anos depois, Rosilene entrou em depressão e isso fez Felipe ficar cada vez mais fechado para o mundo. “Na escola, eu estava sofrendo bullying por ser quem eu era e não podia falar nada em casa.” Na época que Felipe tinha 9 anos, seu irmão (com quem já não falava mais) engravidou a namorada. Quando Rosilene descobriu sobre a gravidez, a menina já estava no oitavo mês de gestação. Felipe lembra que a mãe o chamou e disse que agora ele tinha que crescer, ser mais maduro, ajudar a criar o sobrinho Alexandre. “Tentei ser adulto da forma que eu achava que era ser um adulto na cabeça de uma criança de 9 anos.” O irmão e a namorada brigavam muito e havia, inclusive, episódios de agressão física. Eles moraram com Felipe e os pais por um tempo, e nessa época ele sentia que não tinha mais casa. Ele continuava vendo vídeos sobre moda. Para ele, a criação de roupas era um mundo mágico. “Quando a minha mãe estava triste, por conta da depressão, eu via ela se maquiando. Depois de passar um batom ou colocar um salto, o ar dela mudava, e aquilo era sempre muito mágico na minha cabeça de criança.” Após o episódio da depressão e das desavenças com o pai e com o irmão, Felipe faz as pazes com a família, após dois anos fazendo terapia. Hoje, a mãe fala do filho com orgulho. “Eu o vejo como um jovem de beleza rara, com alma de artista.” Durante a escola, mais precisamente no Ensino Médio, ele fez as suas melhores amizades. Em 2015, Felipe Matos e Milena Valginhak caíram na mesma sala. Ela conta que demorou cerca de dois meses até eles começarem a conversar, mas logo uma amizade profunda e verdadeira se revelou entre eles. “Desde o começo ele foi mais paizão
comigo, sabe? Até as besteiras que ele já fez (poucas) foram para tentar me proteger ou cuidar de mim de alguma forma que, na cabeça dele, fazia sentido”, relembra. A menina de cabelos escuros cacheados, com 1,50 metro de altura, que andava ao lado do melhor amigo de quase 2 metros. A diferença é enorme, mas a proximidade entre eles é nítida. “Ele sempre foi a pessoa para quem eu contava absolutamente tudo o que acontecia na minha vida. Ele participou de momentos maravilhosos e até dos mais constrangedores, sabe?”, ela conta, rindo. Quando peço que mencione algum defeito do amigo, ela pensa por um bom tempo, até que solta: “Eu ia dizer que ele fala as coisas na sua cara mesmo, sem ligar se vai machucar ou não. Só que, dá raiva na hora, mas depois a gente percebe que foi para o bem. Então, não sei”. Milena conta que a rotina da faculdade acabou afastando os dois um pouco. Ela está cursando Fisioterapia e ele, Design de Moda. “Não tem um dia que eu não sinta falta de como era antes”, desabafa ela, enquanto me mostra uma carta de aniversário que Felipe deu a ela em 2017.