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O menino de quase 80 anos, amante da arte e da educação – Gustavo Ferraz
Clemente Ivo Juliatto, reitor da Pontifícia Universidade Católica do Paraná por 16 anos, é conhecido por todos que o cercam como “Doutor em gente boa”, nome que deu origem a um livro em sua homenagem. “Dizem por aí que 97% das pessoas são boas, os bandidos são 3%; a universidade tem que formar gente boa, não basta ter conhecimento, tem que ter sabedoria.” Remete-se com muito carinho à memória de quando queria encerrar sua carreira na universidade. “Quando eu fiz 12 anos aqui, disse: ‘Chega, coloca outro, sangue novo para a instituição’. Então eles me falaram que meus antecessores foram reitores por 12 anos, e eu disse: ‘Está de bom tamanho!” Mas me disseram que eu estava bem de saúde.” Juliatto começou a estudar na Rede Marista aos 10 anos de idade. Atualmente tem dois mestrados e um doutorado. Foi graças ao trabalho de Clemente que a universidade obteve a nomenclatura de Pontifícia (universidade reconhecida pelo Vaticano). Professor e amante da educação, faz uma crítica ao atraso educacional do país, ressaltando que no Brasil há um déficit, se comparado a outros países: “O Brasil começou a universidade meio tarde”. Menino crescido na colônia italiana do Caminho do Vinho, em São José dos Pinhais, ajudava o avô a produzir vinho. Já o pai era responsável por abastecer o Colégio Marista com os produtos agrícolas da colônia. Acompanhando-o no serviço, nasceu o sonho de estudar no colégio da rede. Quando criança, afirma que foi comportado, mas conta uma de suas artes: “Em São José estava um sol bonito, bom para caçar lá no quintal de casa. Peguei uma seta, e um tico-tico pousou no pessegueiro; atirei, mas errei. Acertei no vidro da casa. A mãe disse assim: É o Clemente fazendo arte. Pensei: ‘hoje eu vou apanhar’. Ela chegou e me pediu que eu pegasse uma varinha; eu peguei uma pequena, dei para ela e fiquei esperando. Ela me abraçou e me disse: ‘Não faça mais isso’”, relembra com muito carinho e lágrimas nos olhos. Em 2013, morava em uma comunidade com seis irmãos maristas, próximo do Prado Velho. Com o hábito de acordar às 6 horas, participava de missas no câmpus e às 8 horas estava pronto para começar seus trabalhos derivados ao cargo. Almoçava em casa, e tirava uma
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soneca quando tinha tempo. Às 14 horas, estava novamente no câmpus, onde ficava até quase 19 horas. Chegava em casa, fazia ginástica, jantava próximo das 19 horas, assistia a um pouco de televisão e às 21h30 estava na cama, preparado para dormir, onde fazia uma leitura antes de pegar no sono. Clemente tem interesse por literatura, e aos domingos gosta de ir à Feira do Largo da Ordem, onde conversa com artistas e compra quadros. “Tenho uma quantidade de amigos no Largo da Ordem, eles expõem lá todo domingo. Eu via as obras e comprava.” O professor entende o valor que a arte tem para a sociedade: “Eu acho que a Arte faz parte da Educação.” Sua obra preferida é um bordado, presente que ganhou quando seu doutorado estava em andamento em Nova York, em 1984. Uma das curiosidades sobre o Irmão Clemente é que ele torce pelo Coritiba Futebol Clube, mesmo gostando do Santos (certa vez, até acompanhou os jogos em Ribeirão Preto). Guerreiro e com um histórico de saúde e superação, já teve dois cânceres, mas isso apenas reforçou a sua fé. A idade não é um paradigma a ser quebrado pelo professor, com 79 anos. Afirma que não quer chegar aos 100: “Eu digo que não quero, e as enfermeiras brincam dizendo que não posso falar isso.” Quanto ao atual momento do país, as queimadas na Amazônia são condenadas por Juliatto: “Tem gente que não tem sensibilidade alguma, está errado isso”, exclama com indignação. Sua relação com a tecnologia não é um tabu, visto que tem um celular de uma marca usada por jovens. Hoje, na vida pós-universidade, Clemente diz que aproveita o tempo para descansar e escrever: “Agora eu descanso mais um pouco, trabalho no computador, escrevendo livros.” Clemente tem quatro livros que estão prestes a ser publicados. A colega de trabalho Kátia Maria Biesek iniciou seu trabalho na universidade em 1987, e descreve como foi a primeira impressão que teve do Ir. Clemente: “Me deparei com ele sem saber quem era. Estava de calça jeans, camiseta e um boné. Perguntei a alguém quem era ele e a pessoa me disse: ‘É o Irmão Clemente!’ Já tinha ouvido falar. Eu ainda não conhecia direito as pessoas porque tinha começado a trabalhar na
PUC em setembro de 1987. Achei muito simpático e diferente ver um irmão lá pelo câmpus plantando árvores!”. A paciência e a calma são características de Juliatto, como descreve Kátia: “A tranquilidade dele me irritava um pouco porque eu precisava de tudo para ontem! Ele me dizia: Calma, dona Kátia, a senhora é muito acelerada, calma! Eu nunca o vi com passos apressados. Sempre foi calmo, pelo menos aparentemente. Nos momentos mais difíceis da universidade, ele sempre demonstrou placidez”. A professora Sara Hokai, que trabalhou com o Irmão Clemente, o considera uma pessoa decidida e um empreendedor que consegue mobilizar as pessoas para a transformação. “Ele acredita muito no potencial humano, é um intelectual, amante das artes e cultura em geral”, finaliza a professora. A copeira e colaboradora do Grupo Marista há 30 anos, Maria Helena Vieira Serafim, afirma que guarda as lembranças de Clemente com muito carinho e fica muito alegre quando o vê. “Sempre que está aí [no câmpus], ele vem aqui tomar um chazinho”. Maria retifica a paciência e calma do Ir. Clemente: “Ele é calmo, paciencioso, é desse jeitinho”. Sobre o amor pela arte, relembra: “E quadro é o que mais tinha; as obras de arte dele eram uma paixão, a paixão dele era comprar quadro, estava sempre comprando coisa nova.” Lembra-se das conversas e bate-papo que teve com Irmão Clemente: “Eu sempre falava para ele. Eu não vou embora daqui sem me aposentar, eu quero me aposentar na PUC, não tem nada de me mandar embora”, finaliza rindo. Após deixar de fazer o que mais ama, trabalhar com a educação, Clemente ainda visita a universidade com frequência e passeia pelo câmpus, onde encontra seus amigos. A passagem pelo local de trabalho de Maria Helena é sagrado, pois é lá onde toma seu café, como nos tempos antigos.