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Gilmar da Silva, o Pirata! – Laís da Rosa
O nome Gilmar da Silva é pouco conhecido nos corredores do Hospital Erasto Gaertner, mas quando um grupo de pessoas vestidas com jaleco verde e enfeitados com milhares de acessórios coloridos passa pelas portas dos quartos do hospital, todos se encantam com o “Pirata”. Nascido em Joinville, SC, há 56 anos, ele se mudou ainda muito jovem para Curitiba. Com 3 anos, teve paralisia infantil no braço direito. Casou-se muito jovem, aos 17 anos, e teve cinco filhas no primeiro casamento: Alaíde Cristiane, Gilmara, Andressa Aparecida, Raissa Lourdes e Maria Eduarda. Foram dezenove anos casado. Do segundo casamento, que durou sete anos, ele teve Abdias Renan Fontes da Silva. Atualmente, não está casado, apenas “namorando, quando dá”. Gosta de dançar, de festas e de viajar. Pratica várias atividades, como: futebol, vôlei, pingue-pongue, pebolim, sinuca, andar de bicicleta, moto e carro. “Só não consegui dar uma volta de avião ainda”, diz. Trabalhou por 30 anos na assistência de tráfego de uma transportadora e, atualmente, está aposentado por invalidez. Não pode trabalhar com carteira assinada por medo de perder a aposentadoria. Sempre está ajudando alguém, entre uma viagem e outra, uma visita aqui e outra lá, nunca abandona quem precisa de ajuda. Em 2014, perdeu o pai, que teve câncer no intestino. “Agora resolvi viver e aproveitar o resto de vida que tenho.” Começou a fazer trabalho voluntário e, há 5 anos, ingressou no Instituto História Viva. Toda terça-feira, às 19 horas, veste o jaleco verde, junto com os acessórios que não podem faltar: chapéu, tapa-olho e gancho de pirata. “Não me sinto à vontade quando eu troco de personagem. Se eu não for vestido de pirata parece que estou sem roupa.” No hospital, quando alguém cita o nome Gilmar, a pergunta que sempre surge é “Quem??”, mas logo em seguida lembram, “Ah, o Pirata!!” Adriana Bini diz que, toda vez que terminam de contar alguma história para o paciente, ela e o Pirata se olham nos olhos e já conseguem saber se deu certo. “Conheci ele há cinco anos, se tornou um amigão para mim. Ele é muito fiel; é uma figura. É muito galinha, mas que homem não é?”, diz. Com um andar lento e cheio de gingado, o Pirata, acompanhado pelo grupo de contadores de histórias, passam pelos corredores frios do hospital. Na sala de espera da radiologia, enquanto os pacientes e acompanhantes aguardam os exames, uma oportunidade perfeita para
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começar o trabalho e alegrar o ambiente antes dominado pelo silêncio. Pirata se apresentou primeiro e, depois, o restante do grupo. “Boa noite, podemos contar uma história para vocês?” Alguns resmungos, mas aceitaram. Em seguida, um senhor chegou e disse: “Eu vou ouvir, mas, se não gostar, eu vou falar, hein?” Depois de algumas histórias, os olhares concentrados, as risadas tímidas, todos apreciavam e se deixaram envolver pelos contos. “Vocês estão de parabéns, gostei muito!”, elogiou o senhor. Em seguida, é a hora do grupo se separar. Uns foram para a ala das crianças e os outros, para a ala dos adultos. O Pirata vai apenas à ala dos adultos. “Todo mundo acha que na ala dos adultos é mais difícil, mas é uma delícia, é divertido do mesmo jeito”, comenta Vera, uma das integrantes do grupo. Antes de entrar nos quartos, a higiene. Cabelos presos e mãos lavadas, e ter em mente que não pode encostar nos pacientes e nem nos equipamentos. Essas são as regras que não podem ser desobedecidas. Abrindo lentamente a porta do quarto, o Pirata entra e sorri. “Ohh, minha princesa, como você tá? Quer uma história?” Desse jeito, ele consegue tirar um sorriso da paciente que estava deitada. “Eu quero”, respondeu a mulher. Sem usar nenhum livro, ele começa a contar uma de suas histórias. “O Pirata contando história é uma figura. Ele tem um problema no braço, mas para mim isso já é tão normal que até esqueço. No início, percebi que ele tinha dificuldade de manusear o livro e de ler as histórias, mas descobri um talento incrível nele, a forma como ele cria novas histórias e as conta de maneira teatral”, diz Adriana. As histórias contadas não devem conter cunho religioso, político ou outros assuntos polêmicos, e podem abranger piadas, contos, causos e textos motivacionais. Entre elas estão: “O Dono do Armazém”; “A Fada”; “A Mulher que Rifa o Cavalo”; “Entrevista de Emprego”; “O Boiadeiro que Atravessa o Rio”; “A Mulher que Enganou Deus”; “A Freira e o Paciente”; “O Marido Preguiçoso”; “Amigas no Shopping”; “O Sábio e a Borboleta”, entre outras tantas colecionadas pelos contadores de histórias ao longo dos anos, contadas conforme lhes vem à mente. Apesar de ser um ambiente hospitalar, posso dizer que os risos, as brincadeiras e a emoção definem o momento. O grupo passa por todos os quartos, com exceção daqueles em que estão sendo feitos os procedimentos. Quando não é possível entrar em algum quarto, a
expressão no rosto do Pirata é de tristeza. Ele me orienta antes mesmo de entrarmos no hospital: “Se você vir alguma coisa muito pesada, não fique olhando. Nós já estamos acostumados, mas eu sei que é ruim olhar.” A personalidade do Pirata se expressa de todas as formas, no andar, no palavreado, nas roupas e no jeito de ser. Gilmar, que quase nem atende mais por esse nome, de tanto se envolver com o personagem, acabara se identificando em alguém fictício por meio da contação de histórias: um pirata, malandro, que vive de aventuras e descobertas.