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Sertanejo para quem? – Rafaelly Kudla
Como frequentadora assídua de baladas e casas noturnas, acabo sempre lendo sobre uma nova que abriu ou outra que fechou. E foi assim que em 2018 me surpreendi com o anúncio de que a Wood’s, após 13 anos de funcionamento, fecharia as portas, sem motivo aparente. Durante muito tempo nutri a curiosidade de conhecer a casa que foi palco para shows de grandes nomes do sertanejo, como Michel Teló, que em julho de 2011 gravou o clipe do hit “Ai se eu te pego” e posteriormente alcançou a marca de mais de 800 milhões de visualizações no YouTube. Fui novamente surpreendida com o encerramento das atividades, em abril de 2019, de outra grande referência de balada sertaneja em Curitiba, a Shed, após uma discordância entre os sócios e o dono do imóvel. Sentia pela Shed um misto de curiosidade e repulsa, pois muitas foram as situações em que me vi revoltada com a casa noturna, que já foi palco para diversos casos de violência, principalmente contra mulheres. Apesar das inúmeras histórias sobre abuso de autoridade dos seguranças e dos donos da casa, e de relatos sobre os casos de “boa noite, Cinderela” que aconteceram por lá, a casa sempre foi a mais movimentada da cidade nos fins de semana. O público das duas baladas mais tradicionais de Curitiba era parecido. Jovens, incluindo menores de idade, e pessoas mais velhas, normalmente acima de 30 anos, todos atraídos pelo ritmo que dominava as rádios e boates. A semelhança no estilo de se vestir dos frequentadores dessas baladas gerou os termos “piá da Shed”, para homens que usavam calça jeans justa, camisa justa e colada no corpo e muito gel no cabelo, e “guria/menininha da Shed”, para mulheres que iam superproduzidas, bem maquiadas, com os cabelos pranchados e sedosos, como se tivessem saído do salão de beleza direto para a balada, de saltos altos e vestidos ou saias curtas e coladas. Apesar da ausência da Shed como opção de entretenimento, até hoje esses estereótipos e apelidos ainda se mantêm. A proposta de saber como esse público agora “órfão” da Wood’s e da Shed ocupa suas noites me levou a descobrir novos lugares e destruir velhos preconceitos. Perguntando para conhecidos que costumavam bater ponto nas duas casas noturnas, fui apresentada a um novo conceito de balada/bar e percebi que houve uma divisão entre o velho público.
Com o aumento do número de espaços para shows em Curitiba, ficou muito mais fácil ir diretamente de encontro com o ídolo sem arcar com os preços absurdos de entrada e consumação mínima das baladas. Entre o público mais jovem, lugares como o Lolla Bar e o +55 tornaram- -se os preferidos da galera, mas nenhum dos dois é voltado à música sertaneja, além de serem muito criticados pela imagem elitizada, que se confirma pelos preços dos itens para consumo. Esses ambientes podem ser definidos tanto como balada quanto como bar, pois, além da pista de dança, há também mesas e cardápios com opções variadas de comida. Para aqueles que ainda procuram o sertanejo, o Santa Marta Bar e o Wit Bar são os mais clássicos, entretanto os ritmos são mais diversificados, e os frequentadores podem curtir axé, pagode, samba e funk. Esses quatro bares têm em comum a semelhança do público, que ainda continua estereotipado, e seus espaços, já que todos parecem o quintal de casa. Apesar de conhecer vários clássicos do famoso “nejo” e algumas novidades que tocam repetidamente nas rádios, estava decidida a chamar atenção nessas baladas e bares. Emprestei de uma amiga sua camiseta da famosa banda de rock dos anos 1980 AC/DC, estampada com caveiras e um grande sino representando um dos sucessos da banda, “Hell’s Bells” (Sinos do Inferno). Caprichei na maquiagem escura, com um forte batom vermelho, e na cara amarrada, de quem não faz ideia de onde estava. Em todos os bares percebi olhares críticos e curiosos acompanhando todos os meus movimentos, e muitos pareceram levar um susto quando, por exemplo, entoei os versos de “Lençol Dobrado”, da dupla João Gustavo & Murilo. Eu realmente estava detestando toda aquela atenção e julgamento por causa de uma camiseta. Já com a paciência um pouco afetada, a cara mais amarrada e muito mais sincera, decidi que encerraria a expedição no Wit Bar, que fica localizado na esquina da rua Itupava com a Padre Germano Mayer, no Alto da XV. Cheguei por volta das 20 horas. Enquanto aguardava na fila da entrada, duas moças na minha frente me olharam céticas, e essa foi a minha deixa. Perguntei a uma delas o que tocava naquele bar. Ela riu sem graça e disse: “Sertanejo e, talvez, pagode, eu espero”. Tentei não
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esboçar reação e perguntei se ela frequentava sempre ali. A moça, que se apresentou como Milena, disse que aquele era o lugar preferido dela. Após fazer meu cadastro no caixa fui recepcionada pela simpática hostess Leandra, que gentilmente me encaminhou até a última mesa disponível no bar. Ela questionou se eu estava esperando alguém, se era minha primeira vez ali e se era alguma ocasião especial. Para as duas primeiras perguntas, minha resposta foi “sim”. A última, apesar de ter me deixado pensativa, foi negativa. Os frequentadores do Wit Bar podem ser considerados versões mais velhas dos “piás e gurias da Shed”; muitos ali provavelmente tinham mais de 30 anos. Todos se vestiam muito bem e não pareciam muito preocupados com os preços do bar, que, apesar do bom custo-benefício, ainda são exorbitantes. Mesmo oferecendo entrada gratuita até as 20 horas, o bar só começou a encher a partir das 22 horas. Enquanto aguardava minha amiga, comecei a pensar a respeito do que observava ali. É engraçado perceber que, apesar da diferença de idade dos frequentadores, os padrões de vestuário ainda são repetidos em qualquer bar considerado “hétero”. Essa distinção é feita pelos próprios frequentadores, que evitam baladas como Peppers, James, Paradis Club, Vu etc., por serem considerados lugares mais alternativos. A mesma distinção e antipatia é relatada pelo público das boates GLS de Curitiba. O que pode ser considerado bom e ruim. O ponto positivo é que cada um se enturma com a tribo com a qual se reconhece e se identifica, tanto por razões musicais quanto por questões ideológicas. Já o negativo é que é muito difícil quebrar pré-conceitos, e isso divide os frequentadores das casas noturnas. Esperei minha companhia chegar, pedi uma caipirinha de maracujá e ela, um mojito, dividimos uma porção de bolinhos de salmão. O garçom que nos atendeu elogiou minha camiseta e disse que adorava ouvir o “bom e velho rock”. O comentário me surpreendeu, já que ele trabalhava em um bar clássico por sua playlist sertaneja. Ele explicou também como funciona a casa, que abre de segunda a domingo: os clientes podem ligar durante a semana reservando mesas. As que sobram ficam disponíveis para quem chega ao longo da noite, e mesas mais altas, menores e sem cadeiras ficam espalhadas pelo bar, para aqueles que chegam tarde.
Com dois bares e um palco, o espaço do grande bar é tomado por mesas. Duas delas estavam reservadas para aniversários e enfeitadas com bolos e balões, e em outra mesa acontecia a despedida de solteira de uma jovem noiva, que estava na companhia de cinco amigas animadas e bêbadas. Três televisores transmitiam no mudo um jogo da série B do Brasileirão. A música ambiente logo deu espaço para o cantor Sandrinho Vianna abrir a noite com “Tijolão”, da dupla Jorge & Mateus, felizmente mais um sucesso conhecido no meu repertório. Diferentemente do que ocorreu nos outros lugares, dessa vez não fui alvo de olhares julgadores e curiosos, talvez porque o público era bem mais velho e não parecia se importar com a minha presença. Com o passar da noite, as pessoas foram bebendo e se soltando ao som das modas de viola e de alguns pagodes cantados pelos músicos que se apresentavam ao vivo, e toda a organização das mesas deu espaço para um salão improvisado para os casais que desejavam dançar. Saí de lá com novas músicas adicionadas na minha playlist pessoal e com uma ideia totalmente diferente e positiva das baladas sertanejas.