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Uma luta por todos os xetás – Carla Tortato

A fala calma e pausada não se assemelha à da maioria dos líderes políticos do país. Parece tranquila para quem luta por um povo que foi quase dizimado, os indígenas da etnia xetá. A fala também contrasta com a pouca idade do jovem que, aos 23 anos, é vice-cacique da primeira aldeia urbana do país. A cada frase dita por Albert Pietro Paraná Costa há um pouco de seu povo, de seus antepassados e seus contemporâneos. Falar da causa indígena é essencial para ele, e isso transparece para quem habita a aldeia Kakané Porã, no Campo de Santana, em Curitiba. É ali, em um bairro ao sul da capital paranaense, que foram reunidos 150 indígenas das etnias guarani, kaingang e xetá, incluindo Albert – que é descendente das duas últimas. As casas das 39 famílias que lá habitam foram construídas ao redor de uma oca no centro da aldeia. Ao lado, há um pequeno parquinho para as crianças e dali partem as ruas em que se estão as moradias e alguns comércios. No local, não há portões, nem para separar as casas, nem para isolar a comunidade, que é aberta e cercada por um pouco de mata. Albert nasceu em Curitiba e até os 8 anos morou de aluguel próximo a São José dos Pinhais com a mãe, os cinco irmãos e uma irmã até se mudar para a aldeia Cambuí, onde se estabeleceram durante nove anos. Hoje, já casado e com casa própria, ele relembra as dificuldades da infância. “Minha mãe não tinha emprego e ela fazia artesanato. Aí a gente saía vender na rua. Tinha dia que vendia, tinha dia que não vendia. A gente fazia o que podia [...] não tinha vergonha de chegar em um lugar e dizer que tava com fome.” O jovem de olhos pequenos e amendoados, cabelos escuros e topete afirma que a intenção de se mudarem veio após a morte de um amigo que foi atropelado quando saía do serviço. A vinda para a aldeia no Campo de Santana foi conturbada e aconteceu há cerca de 12 anos. À época, o vice-cacique ainda era criança, mas viu de perto o preconceito da comunidade, receosa pela vinda de seu povo. Na escola, Albert relembra que alguns colegas foram hostis porque tinham certo estranhamento em relação aos indígenas. “Quando começava o burburinho, a gente já falava que estávamos ali pra estudar e, às vezes, conversava até com o professor, mas depois eles foram se adaptando, a gente não era o que eles pensavam.” Mas ele abre

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um sorriso ao contar que era um tanto “bagunceiro” na escola. Embora sua mãe, Indioara Luiz Paraná, uma senhora de cabelos negros e compridos com olhos bastante expressivos, afirme que ele sempre foi um bom menino. A mãe do vice-cacique admite com um largo sorriso: “Eu sou suspeita pra falar, mãe sempre é”. Ela conta que Albert estava sempre brincando, mas não era “arteiro”. Indioara, que também mora na aldeia, afirma que a relação com o filho é muito boa e, embora às vezes ocorram algumas desavenças, ela sempre o apoia. Enquanto conversávamos na varanda da casa de Albert, três cachorros nos rodeavam. Apenas o maior é dele. Albert explica que os outros são da vizinha. Um deles apareceu algumas vezes com uma laranja na boca e parou em frente ao vice-cacique esperando que ele jogasse a fruta para que pudesse trazê-la novamente poucos segundos depois. A aldeia tem inúmeros animais, principalmente cães, que circulam livremente de casa em casa. Durante as caminhadas pela Kakané Porã, as pessoas sempre cumprimentam Albert, em parte pelo respeito ao vice-cacique, mas também pelo sentimento de comunidade, que faz todos ali sentirem que pertencem a uma grande família. Indiamara Luiz Paraná Pereira, tia de Albert, conta que estava presente na vida dele desde a infância e afirma que ele sempre foi muito querido, responsável e calmo. “Demora a se irritar, mas, quando se irrita, sai da frente”, diz ela sorrindo. Hoje, o jovem líder divide seu tempo entre os estudos (está concluindo o Ensino Médio agora, pois parou de estudar para começar a trabalhar aos 16 anos em seu primeiro emprego com carteira assinada, no qual era encarregado da pintura de carretas) e as obrigações do cargo que vai ocupar até pelo menos 2023, quando os indígenas da aldeia vão decidir se ele e Setembrino Rodrigues, o cacique, permanecerão como figuras de liderança na Kakané Porã por mais quatro anos. Albert é vice-cacique desde o início de 2019 por uma coincidência de fatores. O então líder da aldeia teve problemas de saúde e já não dava conta de atender às necessidades da comunidade. Além disso, em janeiro de 2019, Albert perdeu a avó materna, Belarmina Luiz Paraná, uma importante figura na luta pelo reconhecimento dos indígenas. Ela era ativa na política, participava de reuniões e defendia com

veemência a questão das mulheres indígenas. “Era uma grande líder”, afirma o jovem. Ele relembra a influência da avó, que costumava comentar que, de todos os netos, era Albert quem continuaria sua caminhada. “Eu falava pra ela: ‘Capaz, vó, isso daí não é pra mim’”, e ela insistia, dizendo que via o espírito de liderança nele. Após a morte de Belarmina, surgiu o convite para que ele e o cacique Setembrino dessem uma “chacoalhada” nas questões relacionadas à aldeia, como saúde e educação indígena. Os dois venceram a eleição com a maioria dos votos da comunidade. Após alguns meses desde que se tornou vice-cacique, Albert acredita que a avó tinha razão. “Eles dependem muito da gente. Veem na gente algo que você nem sabia que tinha”, diz. “Quando você vê uma multidão e todo mundo brigando pelo mesmo direito, desperta algo, não sei como explicar, vem de dentro da gente mesmo.” Os planos futuros de Albert são terminar o ensino básico e fazer um curso técnico, provavelmente na área de segurança de trabalho. Mas o maior sonho do vice-cacique é retomar as terras dos seus parentes xetás – originalmente de Umuarama –, que foram assassinados e expulsos de onde viviam. “Eles [não indígenas invasores] tentaram apagar, passar uma borracha, mas não tem como, meus tios e avô tinham medo, ficaram um pouco traumatizados, mas nunca deixaram de lutar, nunca desistiram de ir atrás pra conseguir a terra de novo.” Albert afirma que, independentemente de continuar ou não em um cargo de liderança indígena, vai sempre trabalhar duro para que isso aconteça.

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