3 minute read
Primeiras impressões – Anna Padilha
A vitrine com diversas opções de bolos, tortas, doces e salgados é uma distração para os clientes que buscam apenas o café da tarde. Às vezes, um cliente ou outro levanta a cabeça e nota que a panificadora Pãozinho da Hora carrega mais histórias do que guloseimas. A curiosidade de uma senhora é despertada pelo sotaque de uma das atendentes – agora, mais interessante do que seu bolo de chocolate. “De onde você é?”, pergunta ela, e aguarda a confirmação de suas suspeitas. A resposta, “Venezuela”, veio acompanhada de um sorriso. Contrariando a sua fama, as pessoas de Curitiba são abertas, de acordo com Milexys Mendoza. A venezuelana de 19 anos diz que, se comparada com sua última casa em Roraima, Curitiba é acolhedora aos estrangeiros. Certa noite, quando morava no estado do Norte do Brasil, Milexys voltava para casa caminhando logo atrás de uma mulher, que ia encolhida, demonstrando medo. Quando viu Milexys, ela ficou aliviada. “Ela me disse que tinha medo dos venezuelanos, porque eles roubam, e eu falei para ela que também era venezuelana”, conta. “Aí ela disse que nem todos roubam”. Mas a primeira impressão já estava definida. Milexys cruzou a fronteira em 2017, assim que concluiu o Ensino Médio, quando o pai, que já morava no Brasil, ficou doente. Ela veio com a irmã, trabalhou e sustentou a família. O pai morreu, e a mãe se mudou para o Peru. Ela estava em Curitiba havia cinco meses. Ao menos é dessa forma que ela descreve, rápida e sem pausas, como se já estivesse acostumada a contar a história nada convencional. A panificadora em que trabalha no bairro Água Verde é acolhedora. Em meio aos sons diários da máquina de café, do tinir dos talheres e das conversas alheias, Milexys demora um pouco para decidir o que pedir para o lanche durante seu intervalo, enquanto espera o primo Alex trazer o cartão para pagar a conta. Sua escolha final, um suco de morango e três cuecas viradas, é bem diferente do que comia na infância, na Venezuela. “A gente come arroz com banana. O prato típico é arroz, feijão, carne e banana”, conta. “E tem aquela bebida, com macarrão. Você bota o macarrão para esquentar com água, e deixa um tempo; tem que ficar bem mole. Bota pra esfriar, coloca no liquidificador com leite e canela. Fica uma delícia”, conta, enquanto
Advertisement
procura imagens no celular para mostrar a bebida chamada chicha, que seu pai fazia para elas na infância. Aquela tarde de sábado, de alguma forma, atraiu um bom público para a panificadora. Como parte da leva de clientes, na mesa ao lado, a proprietária almoça com o marido e os dois filhos. O menu é uma variedade de salgados, o que explica as mãozinhas gordurosas e os sorrisos das crianças. Rosa Ferraris conta que, além de Milexys, outros seis venezuelanos trabalham no local. Tudo começou com Alex e a namorada dele, Naimara, em uma corrida de Uber. “Eles pegaram um carro com um amigo nosso. Eles falaram que estavam procurando emprego e nosso amigo indicou aqui.” A ajuda se estendeu para mais contratações e compras de passagens de avião parceladas. “Veio mãe, pai, irmãos, primos. Foi vindo todo mundo”, conta Rosa. Os imigrantes que trabalham na panificadora significam sete das 36.384 carteiras de trabalho expedidas no Brasil para refugiados em 2018, segundo dados do Relatório Anual do Observatório das Migrações Internacionais. Os venezuelanos receberam 68,4% das carteiras. “Não tem muito lucro assim, pra curtir, mas estou estudando e trabalhando”, conta Milexys. Ela cursa Recursos Humanos de manhã e trabalha à tarde e à noite, mas já planeja sua vida após a faculdade: quer fazer Desenho Gráfico, na Universidade Federal do Paraná. “É muito difícil de entrar?”, pergunta ela, mas não parece se importar muito com a resposta. Não é uma resposta que a impedirá de tentar.