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Hora do rush – Gabriela Küster Solyom
Em meados de 1890, Vicente Machado exerceu por três mandatos o cargo de governador. À época, ele era conhecido como o presidente da Província do Paraná. Atualmente, a denominação de uma icônica avenida da capital homenageia o ex-presidente. A extensa via tem aproximadamente 3 quilômetros de extensão; inicia na Praça Osório, no centro de Curitiba, e termina na divisa entre os bairros Campina do Siqueira e Seminário. Se algum morador da cidade for definir essa rua, provavelmente vai mencionar o trânsito caótico nas horas de pico, graças aos diversos colégios, cursinhos e prédios comerciais na região. Talvez fale sobre o mau odor em alguns pontos mais próximos do Centro, por causa dos bueiros entupidos, ou até sobre a vida noturna agitada de quinta a sábado, no trecho onde ficam as lanchonetes e os barzinhos madrugueiros. Há várias outras descrições que podem ajudar a visualizar a avenida de que estamos falando. Na altura central, ela tem algo especial, algumas casas antigas e o primeiro condomínio da cidade. O comércio é diverso, com preços para todos os bolsos. É ainda a escolha de muitos moradores de rua, que fazem dela seu humilde lar. Mas sempre em determinados horários um mar de pessoas marcha na mesma direção. Próximo das oito horas da manhã, vários ônibus no entorno deixam trabalhadores que sobem a Vicente Machado, com inocência e cansaço no olhar. Cinco minutos depois das 18 horas, a mesma gente caminha na direção oposta, buscando o rumo de volta para casa. Apertando o olhar, chegamos a uma antiga padaria e panificadora 24 horas, na esquina com a Rua Visconde de Nácar. Aberta em 1969, a vida ali acontece enquanto a maioria está dormindo. Na quarta-feira, uma gritaria às cinco horas da manhã; um taxista, uma moça, dois policiais da guarda municipal. Aos berros, a moça argumenta, revelando a situação: “Eu moro ali em cima, vou pegar minha bolsa”. “É golpe”, o motorista replica, enquanto seus colegas entram na roda para defendê-lo. Vinte e três horas, sexta-feira. Um homem de aparência suspeita esperando na esquina. Ele deixa algo escondido no ponto de táxi, e, durante a próxima meia hora, várias pessoas, de aparências
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diversas, abaixam-se naquele local, e trocam um aperto de mão com o moço esguio. Talvez fora daquela situação, o elegante homem de terno, a mulher com cara de dondoca, a senhora simples e o adolescente rico não teriam percebido aquela figura estranha. A balbúrdia ali é comum, os moradores, na maioria idosos, do edifício em frente fazem das reclamações um assunto para a conversa de elevador. “Comadre, você acordou com as gargalhadas hoje? Eu já estava com o sono agitado, e quando eles chegaram, não consegui mais dormir”. A senhora, que mora diversos andares mais abaixo, logo replicou: “Ah, sim! Eu escutei tudinho! Parece que foi traição, e o homem foi beber e rir as mágoas”. Tudo sempre é confirmado com o porteiro, é claro. Nas madrugadas mais agitadas, a recepção se torna o Country Club das senhorinhas e o porteiro, o homem mais popular do prédio. O que não muda é que não importa o quão interessante a noite tenha sido. Muito menos quantas pessoas passaram por ali, ou o que viveram. Essas informações ficarão somente na memória dos moradores e atendentes da panificadora. Às oito horas da manhã, as pessoas seguem seu caminho rotineiro, sem fazer a menor ideia das vivências aventureiras daquela esquina tão comum. E quando voltam, às 18 horas, nem se dão conta de que, en quanto o dia delas chega ao fim, um novo dia está começando ali.