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Boca do Brilho, tradição que resiste! – Andrey Ribeiro

Entre um café e uma banca de revistas, no nascimento da formosa Rua XV de Novembro, a Boca do Brilho ainda reluz muita história e tradição. É composta por quem trabalha ali e por quem passa diariamente pelas laterais do lugar, que abriga 28 cadeiras revestidas com estofados gastos, alguns banquinhos de couro, jornais entre os espaços de cada cadeira e apetrechos de serviço nas gavetas dos preciosos lustradores de sapatos. A boca do brilho tromba com a Boca Maldita, lugar que reúne vários engraxates da capital. A explicação para a constituição do reduto se define pelo fato histórico de um operário que poliu as botas de um general francês e ganhou em troca uma moeda de ouro. Ali nascia uma prática que se tornou a profissão de muitos. Um deles é Aparecido Rodrigues da Silva, de 60 anos, mais conhecido como Chaveirinho. Ele está no espaço desde a inauguração da Boca, em 2001, e lustra e engraxa sapatos há 26 anos. Hoje está na presidência da Associação dos Lustradores de Sapatos de Curitiba. Diz que o local foi ganhando características com o tempo e serve como um registro para a história de Curitiba. Os engraxates passaram de ambulantes para a categoria de autorizados, conforme o Artigo 2° do Decreto n° 518, de 2001. Chaveirinho já presenciou muitas situações inusitadas. Certa vez, um cliente lhe pediu que pintasse seus sapatos, e quando ele estava terminando o serviço no primeiro pé, o senhor engravatado se lembrou de que tinha uma audiência e saiu às pressas, descalço, dizendo que voltava em até duas horas e meia. “Eu falava: ‘Não faça isso, doutor, vão pensar que o senhor foi assaltado’, mas não adiantou, ele insistiu e saiu.” Dito e feito, o cliente retornou no tempo estipulado para buscar os sapatos lustrados por seu Aparecido e disse: “Bom, até que não foi tão ruim; se o Luiz Caldas canta descalço, por que eu não posso sair assim também?”. Aparecido cai no riso ao se lembrar da situação. Atualmente, os clientes não ficam mais sentados para receber o serviço, com os pés posicionados na altura dos banquinhos de madeira, apenas passam pela Boca do Brilho para deixar os sapatos, que chegam sem vida, mas, após algumas passadas de graxa e uma batidinha de pano aqui e outra ali, o brilho instantâneo faz jus ao nome do lugar. Ao longo de uma hora, apenas um cliente passa para ficar. Elegante em

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seu paletó, de gravata cinza e sapatos marrom-escuros, ele pergunta: “Quem tá disponível?”, e um dos lustradores lhe informa: “Faltam três aqui”. E o cliente responde: “Eu espero, senhor!”. Nenhum dos clientes, dos três pares de sapatos, estavam ali. A prática não deixou de existir, mas a tendência é que desapareça daqui a um tempo. A cadeira dos estofados gastos não é mais parada obrigatória. Seu Gustavo Schechtel, de 54 anos, é um dos poucos que mantêm a tradição de esperar pelo serviço, sentado pacientemente enquanto folheia o jornal. Antes a leitura do jornal era praxe, e não faltava assunto para um bom papo. A solução para os profissionais que ficaram é entrar na onda da tecnologia. Hoje, a maioria dos pedidos é feita pelo WhatsApp. “É o famoso deixa aqui e vem buscar”. O engraxate Tico já fez um pouco de tudo: trabalhou na indústria, foi motorista e eletricista, mas é a graxa que o acompanha nos últimos 31 anos de muita persistência. “É triste pensar que as pessoas não têm mais o hábito de usar sapatos. Antiga mente, o ato de engraxar fazia parte da rotina do réu ao bacharel”. A prática perdeu o seu glamour e torna-se obsoleta, e o futuro da atividade dos 12 trabalhadores que resistem bravamente no tradicional reduto da Boca do Brilho é incerto.

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