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Sobre dias chuvosos – Maria Fernanda Coutinho

Chove na capital paranaense. O curitibano faz o check-in antes de sair de casa: guarda-chuva? Ok. Botas? Ok? A certeza de que vai chover sem parar pelos próximos dez dias? Temos também. Mas o seu Guaracy é diferente. Apesar de paranaense, “chorou” em Rio Branco, no Acre, como ele gosta de contar. Foram quase 60 anos morando fora, e agora decidira que era hora de voltar para a terra natal. Os anos trouxeram problemas de saúde, cansaço e a vontade de terminar os dias em um lugar melhor. Pelo menos era o que a família dizia. Meio contrariado e esperando que a chuva passasse logo, Guaracy saiu à procura de casas para alugar em Santa Felicidade, um bairro residencial muito famoso pela forte tradição italiana. Na imobiliária, interessou-se por algumas casas e foi fazer as visitas. A primeira não o agradou. “Muito longe do mercado. Não tenho carro, como vou andar tudo isso a pé?”, questionou o senhor de 76 anos. A segunda cativou muito menos. “Que casa escura. Bom para dar mofo”. Já cansados do entrar e sair de portas, seu Guaracy e a família quase desistiram de visitar a terceira residência, mas, depois de uma pequena insistência do corretor, jovem e empolgado para fechar um possível contrato, o homem cedeu. A casa, localizada no número 175 de uma rua pouco movimentada e fechada por árvores, não chamava atenção externamente. Ao entrar, o senhor se deparou com tudo aquilo que procurava: um lugar claro, arejado, perto do mercado e, claro, com muito espaço para as crianças brincarem. Avô de gêmeos, Guaracy preza muito pelo conforto dos pequenos. Faltava apenas uma coisa: verificar a vizinhança. O homem de idade esperou a chuva diminuir, andou alguns poucos metros pela rua e se deparou com um outro homem, também de idade, ao lado da (possível) futura casa. Trocaram algumas palavras, enquanto a família os observava do outro lado da calçada. Sob os pingos de chuva que começavam a engrossar novamente, Guaracy parecia muito interessado no assunto com o desconhecido. De repente, ouviu-se o estrondo do trovão que anunciava o temporal iminente. O homem, de nariz grande e corpo rechonchudo, convidou-o para entrar, e assim se proteger da chuva, juntamente com a sua família e o corretor de imóveis que, confuso, aceitou o convite para não molhar o uniforme de trabalho.

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Ao passarem pelo portão marrom com o número “178” grafado em tinta preta, uma surpresa para todos: o que parecia uma simples casa era, na verdade, uma fábrica de móveis. O senhor rechonchudo, antes desconhecido, era o proprietário do imóvel que já estava ali desde 1964. Passando por belíssimos sofás e poltronas, Geraldo Stival contava curiosidades e detalhes da GS Móveis, loja que fabrica móveis artesanais há mais de 50 anos. A alcunha, simples e fácil, é a junção das iniciais do nome e sobrenome do proprietário. “Nós fomos a primeira empresa brasileira a fabricar uma linha inteira de móveis com cordas ecológicas, utilizando materiais 100% provenientes de garrafas PET recicladas”, contou entusiasmado o homem, que começava ali um tour pela história do imóvel. Durante o “passeio”, seu Guaracy e a família escutavam atentos o futuro vizinho, que mostrava o passo a passo da produção das peças. “O nosso início foi com cestarias e mobiliário de vime, até que passamos a fabricar cadeiras, mesas, pufes e móveis para decoração.” Ao chegarem a uma parte separada da fábrica, Stival contou que ali ficavam os itens especiais, produzidos exclusivamente para as novelas da Rede Globo. Um artesão que trabalhava em uma cadeira, indicou uma poltrona produzida com cordas de garrafas PET e explicou como havia feito o trabalho artesanal durante três dias. “Essa foi encomendada especialmente para a novela Mister Brau, aquela com o Lázaro Ramos”, contou orgulhoso. Mais um estrondo. Dessa vez, o trovão veio acompanhado de um clarão, indicando que o dia chegava ao fim. O corretor de imóveis, que havia perdido o seu protagonismo para o proprietário da fábrica, anunciou que precisava ir. Seu Guaracy e a família, agraciados pelos minutos de aprendizado, despediram-se do senhor Stival com a garantia de que seriam vizinhos futuramente. E que voltariam para mais uma “visita guiada”. Em pensamento, seu Guaracy agradeceu a Deus por ter encontrado um lar. E à chuva, antes inimiga. Não fosse aquele imprevisto, ele não teria feito um novo amigo.

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