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Caminho para casa – Gabriela Fontana
Era início de uma noite gelada de agosto e os termômetros marcavam 11ºC, mas a sensação térmica era de 5ºC. O terminal do Cabral estava pouco movimentado, considerando que eram quase 19 horas de um sábado. Os únicos ruídos eram dos ônibus chegando e partindo, passos rápidos de um lado para o outro, e nada mais. – Que ônibus passa aqui? – uma voz de criança interrompeu o silêncio daquele canto do terminal. – Inter 2 – respondeu uma voz gentil. Intermináveis oito minutos se passaram, e o Inter 2 chegou para que as pessoas pudessem seguir seus rumos. Todas que ali esperavam conseguiram um lugar para se sentar. Todas inclusive André*, que passou facilmente despercebido pelos outros passageiros, mas que naquela noite gelada de agosto chamou a minha atenção. O garoto magro, de cabelos castanhos e olhar perdido, não tinha mais de 10 anos. Vestia uma blusa de pijama azul, uma japona cinza e suja, e calças de moletom, e calçava chinelos de dedo extremamente gastos. André embarcou no ônibus cuidando cautelosamente do único pertence que carregava, um saco de pão. O menino sentou-se no assento preferencial. – Para onde vai este ônibus? – perguntou André. – Terminal Capão da Imbuia – respondeu a moça sentada logo atrás dele. O ônibus ficou alguns minutos parado no terminal até continuar seu trajeto. Lá fora as ruas estavam movimentadas e as luzes aumentavam a beleza da fria Curitiba. O céu estava limpo e estrelado. “Porta fechando”, ouvi, quase sem me dar conta de que já haviam se passado duas estações desde o Cabral. Uma senhora de cabelos louros e bem arrumada embarcou. André levantou-se para lhe ceder o lugar. – Pode ficar, já vou descer! – disse ao garoto. A senhora bem arrumada desceu na estação seguinte e um homem de aparentemente 40 anos entrou. Ele vestia um moletom simples e usava tênis gastos. O homem pediu desculpas por interromper a viagem dos outros passageiros, contou que estava desempregado e precisava pagar o
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aluguel, por isso vendia balas de goma a um real. Três pessoas compraram. O homem se encostou próximo à porta depois de sua pequena venda. André o observava, então o vendedor ofereceu uma bala ao menino. – Não tenho dinheiro – disse triste ao homem. – Não tem problema, pode pegar – insistiu o vendedor. André agradeceu e guardou a bala no bolso da japona. Ele deu um suspiro, como se estivesse aliviado, agarrou com carinho o saco de pão e inclinou a cabeça no vidro. Algumas pessoas estavam de fones de ouvido e outras conversavam; o ônibus, cheio. Uma jovem com uma menina de colo embarcou e eu levantei para lhe dar o meu lugar. Nesse momento, fiquei em pé próximo à porta e vi que André encarava o próprio reflexo. O garoto levantou a cabeça e me perguntou que horas eram. Mostrei a tela do celular a ele, que marcava 19h35. André me deu um sorriso e eu devolvi. – Hoje estou levando o jantar para minha mãe – me disse bem baixinho e olhou para o saco de pão em seu colo. Não consegui responder nada, apenas sorri, mas fiquei com o coração apertado. André faz parte das várias pessoas em situação de vulnerabilidade social. E, mesmo que a capital tenha um índice baixo, de 0,253 (quanto mais próximo de 1, mais alto), ainda é um índice de pobreza considerável. Conforme dados do IBGE, 38.554 pessoas vivem nessa condição em Curitiba. Desci na minha estação e André continuou no ônibus, segurando o jantar em seu colo, sozinho naquela noite fria de Curitiba.