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Não se fazem mais acordeons como antigamente – Marina Prata
O que instrumentos musicais diriam se pudessem falar? Os que estão na Casa do Acordeon certamente têm muitas histórias para contar. Na entrada, os clarinetes da vitrine assoviam para a curiosidade: será que pertenceram a algum artista renomado ou a um músico frustrado? Será que as guitarras no expositor entre os corredores fizeram grandes shows ou apenas espetáculos na sala de estar? Cada instrumento é único e interessante pela curiosidade que seu passado desperta. A maioria data dos anos 1960 e 1970, e muita história foi acumulada por eles desde a fábrica. Do lado direito, os violões pendurados transmitem imponência; do lado esquerdo, um corredor de acordeons com cara de saudade. No fundo da loja fica o caixa e, escondido no canto direito, o banquinho no qual Ary se senta para fazer reparos. O luthier de 53 anos e finos cabelos grisalhos regula um violão com braço descolado. Apenas alguns milímetros podem desafinar um instrumento como esse, que precisa de paciência e trabalho meticuloso para voltar a soar perfeitamente. O som de um violão como aquele, em pleno funcionamento, é inconfundível para os ouvidos de Ary, que reconhece a qualidade do instrumento só de ouvi-lo. “Este violão é bom, você vê os veios da madeira. Isso significa que foi fabricado com madeira de lei”, explica com propriedade. Instrumentos desse tipo têm timbre diferenciado, mais afinado. Além da madeira, que geralmente é de peroba, jacarandá ou imbuia, a escala e o braço também influenciam a qualidade do som. “Não se fazem mais instrumentos assim. Hoje em dia, são de madeira inferior. Sempre compensa arrumar esses antigos, pelo preço e pela qualidade.” Enquanto faz os restauros, Ary negocia, informa preços e conversa. Há 17 anos ele e a esposa mantêm a Casa do Acordeon, especializada em conserto e revenda de instrumentos musicais antigos. Ary conhece como um amigo cada cliente que entra ali, e cada instrumento também. A maior relíquia da loja é um acordeom preto brilhante, um Todeschini de 1955. Quando um cliente curioso pergunta sobre ele, espanta-se com o preço de R$ 16 mil. Ary logo argumenta, trazendo diversos fatos que justificam o valor da peça única. Reparar violões é um processo delicado, mas acordeons, a especialidade da casa, são ainda mais complexos. Há mais de mil peças e arames no instrumento, o que demanda paciência e conhecimento
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adquirido com o tempo. Ary conta que aprendeu a consertar sozinho e por necessidade, pois muitos clientes procuravam o serviço na loja. “Não há curso que ensine isso, precisa ter perfil para conserto e requer paixão. Para mim, é um prazer consertar um instrumento.” Um cliente aparece querendo vender um violão. Saindo de Curitiba a trabalho, ele decidiu se desfazer do instrumento pelo valor rapidamente negociado de R$ 450. Hélio, um homem com idade próxima à de Ary, já é conhecido. Comprou um acordeom ali, mas o vendeu de volta para a loja, pois achou muito difícil tocá-lo. “Eu não tenho mais cabeça pra isso, igual os mais jovens”. O violão que Hélio trouxe é dos bons: foi entalhado em madeira de jacarandá. A bela peça será vendida na casa por R$ 700. “Já regulei esse violão para ele uma vez, é excelente”, conta Ary, analisando o instrumento. Ary conta que a renda que obtém cuidando dos instrumentos é destinada a outro cuidado que ama: os 52 cachorros de rua abrigados em seu sítio em Mandirituba. Os animais, que foram abandonados ou maltratados, lá ganharam nome e sobrenome. “Eles vivem da forma certa, têm espaço para brincar”, diz Ary com um sorriso afetuoso ao mostrar um vídeo dos animais correndo no amplo espaço verde. “Se eu pudesse, estava lá todo dia, mas preciso trabalhar e pagar as contas para eles. É o que me move.”